Tuesday, November 26, 2013

You have a problem? Call Tom Hanks

Tenho ido pouco ao cinema. Como jurada do Prêmio Açorianos, minha agenda anda mais ocupada com espetáculos. Mas, quando comecei a ver os comentários sobre o Tom Hanks (ator que considero o melhor dos tempos atuais), em Capitão Philips, decidi que já estava na hora de voltar a ver filmes, coisa que eu adoro. Não li nada sobre o que se tratava. Simplesmente comprei os ingressos e me sentei em um lugar que considerava o ideal da sala. Esquecendo, porém, que poderia chegar alguém e se sentar atrás de mim. Uma daquelas pessoas que não cala a boca. Quem me conhece sabe o quanto gosto de falar, mas no cinema ou no teatro, nem sussurrar acho certo. Considero uma interferência insuportável. Assim, segui o gesto do cara que estava sentado ao lado do tal falante e troquei de cadeira pouco depois do filme começar.  Assim pude entrar nesse universo mágico que me provoca tantas emoções.
Devo dizer que Tom Hanks é o responsável pelas maiores emoções que já tive no cinema. Obviamente, já me fez rir, chorar, ficar nervosa, com raiva... Mas fez ainda mais. Registrou em minha memória momentos inesquecíveis e falas como: “run Forrest, run” ou “Houston, we have a problem” e, em silêncio (mas nem tanto), me arrebatou em O Náufrago. Já perdi a conta do número de vezes em que assisti esse último. Ah, e o Terminal também, pois minha mãe é absolutamente apaixonada por esse filme e mesmo em Tão longe e tão perto que ele tem poucas cenas, o acho brilhante. Tom Hanks pode ser pai, ter alguma deficiência, ser comandante de nave espacial, grande, o que ele quiser. Sem exageros. Ele não precisa se por aos gritos, nem fazer caras e bocas. Cada personagem parece meticulosamente estudado para chegar à eficiência. Tanto é que se eu estivesse no espaço, numa ilha perdida ou em um navio em alto mar, eu gostaria que no comando estivesse quem? Ele.
Feito todos os elogios possíveis a esse grande ator, nesse filme em particular, não seria justo não valorizar a atuação dos “seus inimigos”. Estou tão acostumada a ver os americanos sempre enfrentando alguma ameaça que se eu não estiver atenta acabo sempre torcendo pelos Estados Unidos, sem observar as circunstâncias daqueles que os enfrentam. Fato é que, graças às atuações, lá pelas tantas estou mergulhada naquele assunto que pouco me diz respeito e menos ainda me interessa, tentando compreender o funcionamento da marinha americana, das decisões da Casa Branca e buscando imaginar o final daquela história. Isso nos poucos momentos em que conseguia algum alívio das sensações intensas de perigo e medo. Não vou nem tentar fingir que entendo de política ainda mais em águas internacionais. O que, no meu entender, não faz nenhuma diferença para aproveitar as cenas. Os atores que contracenam com Hanks são tão convincentes que acabei achando graça ao imaginá-los desfilando no tapete vermelho na entrega do Oscar. Claro que só consegui fazer isso depois de ter saído do cinema.

Tom Hanks me leva tão para dentro daquela “realidade” e consegue tanta empatia que, quando vejo o seu personagem completamente exasperado, lágrimas escorrem pelo meu rosto compartilhando seu desespero e angústia.  Felizmente, não havia ninguém do meu lado, pois embora defenda o silêncio, meus movimentos ansiosos na cadeira e meus suspiros também poderiam ter incomodado alguém. De qualquer forma, essa catarse faz com que eu saia do cinema profundamente impressionada mais uma vez com esse enorme talento e, nesse momento, chego a lastimar não estar no teatro para aplaudi-lo de pé. 

Monday, September 09, 2013

Arte, música e língua francesa: um festival de talentos

Tenho ido a todos os Festivais da Canção Francesa desde que começou. Lá se vão seis anos. O que é fácil observar que é um evento que cresce em quantidade de público e qualidade dos participantes. A cada ano parece ficar mais difícil escolher entre os dez classificados. Por isso mesmo, se transforma em um show de talentos, de vozes impressionantes e de reencontros com pessoas que, de uma forma ou outra, apreciam a língua francesa. Outro ponto alto são os discursos, quer dizer, a ausência desses. Nem o diretor da Aliança Francesa, Jacques Petriment, faz questão de pegar a palavra. Faz os agradecimentos. Fala na integração de culturas e era isso. O apresentador desse ano, Marcelo Oliveira da Silva, pareceu entrar meio seco, correto, educado,  mas sem estilo. O que foi sendo “corrigido” ao longo da noite na qual ele soube oscilar entre a formalidade das apresentações e frases descontraídas, cativando a plateia.
O teatro Dante Baroni, na Assembléia Legislativa lotado. Gente sentada no chão ou em pé. Uma sucessão de lindas vozes. Mas, desde que um dos jurados, o meu amigo,  Newton Silva tinha me falado da participação de Phillipe Philippsen, eu já havia começado a torcer por ele. Assim, foi muito bom ver que entre tantos candidatos absolutamente talentosos, ele se sobressaiu. Abrindo mão do acompanhamento da excelente banda (cujo nome não consta no site da Aliança e eu não recordo), sozinho no palco com sua sanfona, ele mostrou algo além de graves e agudos. Mostrou personalidade na voz. Coisa que eu ainda não sei definir bem, mas que faz toda diferença para um cantor impressionar no palco. Já tinha visto ele com instrumentos em espetáculos, mas não sabia que ele cantava. E como. Além do mais, foi para mim a melhor dicção da noite. Também não sabia que ele falava francês... Por ser ator, cantor e que fala (ou pelo menos sabe decorar letras) uma língua que eu amo, é claro que eu queria que ele estivesse no mínimo entre os três vencedores da noite. E para não ser só elogios, devo dizer que, embora aprecie gastronomia e, em especial, a culinária francesa, acho o prêmio de um jantar no Chez Philippe para o último lugar muito pouco. Tinha que ser, no mínimo, uma viagem à Florianópolis ou a Gramado. Já seria mais interessante. E justo. Vejam que nada tenho a dizer do segundo lugar que é um ano de estudos na Aliança Francesa, pois sei o que isso pode significar na vida de quem começa a aprender essa língua.

Bem, mas já tinha alguns favoritos quando veio o intervalo e as vencedoras do Festival nacional Hevelyn Costa e regional se apresentaram. Devo dizer que Valéria Houston cantando a versão francesa de I will survive e Voyage, Voyage impressiona muito. O figurino dela e seu jeito divertido e doce também. E por ser sua fã, digo que sinto falta dela ter um maior preparo corporal para estar diante do público, uma movimentação mais expressiva. Sei que ela pode ir bem além dos pequenos movimentos que repete. Achei bacana quando ela chamou todos os concorrentes no palco com ela e o Philippe se destacava com seus passos de dança e seu jeito descontraído.  Bem, mas assim que a apresentação das duas terminou, a banda tocou algumas músicas mostrando sua competência. Em seguida, começaram a chamar os vencedores. Discordei da decisão do júri para o terceiro e segundo lugar e já temia pelo primeiro quando disseram o nome do Philippe e a plateia aplaudiu e gritou, demonstrando que apoiava completamente a premiação. E assim terminou mais um Festival que levará o ganhador para aquele lugar que, quem ainda não foi, quer ir e quem já foi, quer voltar: Paris!

Wednesday, August 21, 2013

Quase um tango. Totalmente Sergio Silva.


Eu já havia visto Quase um tango em duas ocasiões. A primeira na casa do diretor Sergio Silva, meu professor no Departamento de Artes Cênicas em diversas disciplinas. A segunda, no Festival de Cinema de Gramado quando tive o privilégio de subir ao palco com toda a equipe que pode estar presente naquela noite. Para quem lá nos anos 80 começou a frequentar o Festival e por décadas assistiu ao ritual dos diretores e elenco apresentarem seus filmes já foi algo meio surreal. Um parceiro meu de trabalho estava lá aquela noite fazendo fotos e eu até hoje não tive a chance de vê-las. Não que a emoção dessa oportunidade não seja mais importante, mas quando a gente vive situações que nunca pensou que aconteceria é sempre bom ter um registro. Já disse em várias outras ocasiões que pouco apareço no filme e não tenho nenhuma fala mas isso não tira a importância que dou em ter participado de todo esse processo, desde o teste até a leitura do roteiro e o acompanhamento das filmagens.

Não sei como é fazer filmes com outras pessoas mas Sergio era generoso. Permitia que todos participassem das etapas de elaboração do seu filme. Tivemos acesso ao projeto com todos os custos que envolve uma produção destas, lemos o roteiro junto com o protagonista Marcos Palmeira, vimos as cenas recém filmadas e até teve gente que dava lá os seus palpites. Eu, além dos dias em que fui chamada para as filmagens, pedi ao diretor para acompanhar a equipe outros dias, em outras locações e achava tudo fascinante. Observava a mudança incrível que fazia uma troca de luz, de algum elemento cênico ou da entonação de uma fala. Não, não era Hollywood mas a Cidade Baixa. Não importa. Para mim, era especial.

Sempre gostei de contar que a primeira vez que esbarrei no Sergio não gostei nadinha. Ele estava lá para orientar os alunos na matrícula e me perguntou porque eu havia escolhido tão poucas cadeiras. Eu respondi que não tinha condições de fazer mais devido aos horários e perguntei se ele tinha alguma sugestão. Ao que ele me respondeu: faz direito, ou então, jornalismo. Achei um desaforo. Respondi que direito não me interessava e que eu já era jornalista. Depois disso, evitava fazer as matrículas com ele até que acabei sua aluna. E, como a gente nunca lembra direito quando uma amizade começa, também não sei quando começamos a perceber que tínhamos um senso de humor parecido, uma ligação muito forte com a família e um interesse pela literatura, pelo teatro, pelo cinema. Mas partiu dele a aproximação maior, a abertura para que eu participasse de suas conversas com os amigos até que eu também comecei a convidá-lo para vir a minha casa. Sergio era inteligente, divertido, bem informado. O fato dele se predispor a essa aproximação me deixava orgulhosa. Em um dos seus aniversários eu escrevi um texto falando sobre o seu jeito de ser e ele me fez ler em voz alta na sala. Mais tarde, me retribuiu com palavras gentis na apresentação que fez de mim para o Programa de pós-graduação. Acho que eu nunca tinha sido tão elogiada antes.

Hoje, ao rever o filme, não sabia bem o que esperar. Afinal, eu já não sou mais a mesma e não tinha ideia do impacto que rever aquela história causaria depois da partida de um amigo que fiz quase sem querer. Junto comigo minha mãe, irmã e tias, bem como um amigo e, aos poucos, fui entrando de novo naquela história que eu já conhecia, mas que, agora, a sua ausência torna ainda mais importante. O filme é cheio de coisas que o Sergio amava, do seu jeito de falar e de ver a vida. Assistir Quase um Tango foi matar um pouco da saudade e comprovar mais uma vez que ele já não está aqui mas que sua obra sempre estará. Seja essa que todos podem ver, seja a que é só minha, que foi construída pelas nossas conversas, pelos seus ensinamentos. Além disso, algumas cenas me remetem àqueles momentos das filmagens, às decisões tomadas de última hora, às lembranças dos contatos com todos aqueles que estão em cena e que de um jeito ou outro também cruzaram o meu caminho. Algumas ideias colocadas ali em prática e que eu considero geniais e que registram a sensibilidade do diretor. Aquilo que só a arte consegue fazer com algo que faz parte do nosso cotidiano mas que não damos muita atenção.  Lembro do Sergio falando que seu desejo era contar a história de um homem comum, da vida que poderia ser de qualquer um, com suas alegrias, tristezas, conquistas e perdas. Não há dúvida de que ele, por ser alguém nada comum, conseguiu. Fiquei emocionada ao ver na tela tanto do seu jeito. Percebi isso nas falas dos atores, nas imagens, nos cortes, tudo e tive uma sensação incrível ao pensar que eu posso não ter concretizado coisas que um dia quis, mas que nunca poderia imaginar que um dia participaria de um filme. Ao ler meu nome nos créditos de Quase um tango minha única vontade é agradecer a esse professor que não apenas me ensinou muito, mas me deixou entrar no seu mundo.

Monday, July 01, 2013

Por mais teatro como do Grupo Cerco!

Muita gente defende que quem quer criticar um espetáculo não pode usar adjetivos e deve, é claro, evitar os clichês. Nessas horas, fico feliz de não ser paga por nenhum veículo de comunicação e ser, antes de tudo, uma jornalista que gosta de comentar o que viu. Quando fui cumprimentar o Rodrigo Fiatt ao assistir o Sobrado novamente, falei que iria ver Incidente em Antares pela primeira vez. Ele me disse: “Ah, mas é um trabalho bem diferente”. Fiquei com a impressão de que ele estava querendo me preparar, que achava que eu poderia não gostar. Eu duvidei. Afinal, creio que uma das coisas mais importantes para fazer um bom espetáculo são bons atores e o Grupo Cerco já provou que é composto deles. Outro elemento é uma boa história e partindo da obra de Erico Veríssimo e dirigido por Inês Marocco seria difícil ficar ruim. Não me enganei. Muito pelo contrário. Eles já vêm imprimindo características próprias aos seus espetáculos como a precisão cênica, quase partiturada, aliada, vejam só, à irreverência e as soluções cênicas extremamente criativas e estéticas. Creio, porém, que o meu maior prazer foi vê-los fazendo diversos papéis e me dificultando o reconhecimento como aconteceu com Patrick Peres. Fui até, praticamente, metade do espetáculo sem me dar conta de que era ele. O figurino de Rô Cortinhas, certamente, contribui muito para isso. Rodrigo Fiatt também abandonara a figura imponente de Licurgo, aparentemente segura de si, para fazer, entre outros, o prefeito da cidade, um vacilante e inescrupuloso político. Rita Maurício deixando a gente tonta na tentativa de acompanhar a sua metamorfose de padre para prostituta, coro da cidade, etc. Mas, não surpresa porque, desde que a conheço, ela é assim ávida por participar, totalmente disponível quando o assunto é atuar. Carina Dias e Kayane Rodrigues também me chamaram a atenção e conduziram a plateia várias vezes ao riso. Isandria Fermiano tem me perturbado com sua intensidade e seu tom de voz peculiar, transformando cada aparição sua em um momento intenso e memorável. Martina Frölich vem me arrebatando desde O Sobrado, ora com a força ora com a sensibilidade dos seus personagens. E os que não destaquei não é porque não mereçam mas, simplesmente porque cito os que mais conheço mais pessoalmente (aliás, senti falta de Luís Franke), mas, todos eles não deixam dúvida de que são um grupo que divide o talento em um mesmo palco com generosidade entre si e que são capazes, inclusive, de fazer uma incrível trilha sonora ao vivo para esse espetáculo que conta a história de mortos não sepultos que reivindicam, em praça pública, o direito de serem enterrados.  Denunciando a corrupção da cidade de Antares é recheado de críticas políticas e sociais e, por isso mesmo, tão atual que não exagera a divulgação ao dizer que seria proibido se estivéssemos em uma ditadura.
Em Incidente em Antares, sem fazer nenhuma força para evitar os clichês, vejo antigos alunos do Departamento de Artes cênicas da UFRGS agora dando aulas de como fazer um teatro que possui todos os elementos das tantas grandes obras que estudamos e o que é melhor tratando de assuntos que partem de temas tão nossos e tão universais ao mesmo tempo, criando aquele teatro que diverte e faz pensar, que é teatro de costumes, comédia, farsa, absurdo, tudo ao mesmo tempo e que, diferente da Operação Borracha sugerida pelo prefeito de Antares, vai ficar na memória de quem viu e jamais será levado pelo vento.


Sunday, June 30, 2013

Terpsi: a arte forjada nos corpos dos bailarinos



Celebração. Talvez essa seja a melhor palavra para descrever a apresentação do Terpsi dentro da Programação Dança.ponto.com. A ideia era fazer uma homenagem aos 25 anos desse grupo. Prima de Angela Spiazzi, a única bailarina a permanecer desde o início, acompanhei toda essa história na plateia e posso dizer que não há limites para a criatividade dessa coreógrafa chamada Carlota Albuquerque. Assisti tudo  arrepiada do início ao fim, emocionando-me com a música, com o cenário e, é claro, com esses corpos que se doam a cada movimento. A predominância do branco, os poucos elementos em cena, só destacavam ainda mais os cheiros das especiarias que saiam da pequena mesa próxima a minha cadeira. No palco, não há bailarinos, mas o pé de um, a cabeça de outro, os braços de outro, tornando, ironicamente, impossível o desmembramento desse coletivo de teatro-dança. Enquanto isso, eu segurava as lágrimas que vinham da simples constatação do privilégio que era estar ali, nessa cidade que luta para não ser esquecida no cenário nacional, vendo algo tão único, criado por pessoas com tanto talento e que transformam emoção em movimento. Reconheço características de outros trabalhos, enquanto observo que nada é igual. Pouco importa que eu já tenha visto duas décadas e meia de espetáculos, nada se repete. O Terpsi transpira o calor do corpo dos bailarinos, exala a energia de sua coreógrafa e surge e ressurge chacoalhando com os nossos sentidos. Assim, mesmo que uma chaleira esteja fervendo ali ao meu lado, tenho a sensação de que estou sonhando pelo simples fato de ser difícil acreditar que esteja diante de cenas tão poéticas, tão estéticas, tão sensíveis. Mas, tendo visto tantas outras obras do grupo não deveria estranhar que tudo é novo, fresco, como se nem tivesse sido ensaiado. Mas só quem não conhece a persistência de Carlota para imaginar que tenha sido assim e, por falar nisso, ela que sempre teve como referência Pina Baush, me faz lembrar Federico Fellini. Não importa que os bailarinos brinquem com pratos, sovem massa de pão, sirvam café ou caipirinha aos expectadores, eles me transportam a um universo onírico, onde nada é impossível, onde a gravidade é desafiada em pequenos passos ou grandes movimentos. E se tem algo que sempre me atraiu é que todos os espetáculos me trazem a vontade de dançar, me dão a impressão de que qualquer um poderia levantar e dançar também. Bem, mas terminado isso tudo, chegou a hora dos depoimentos de quem fez parte dessa história e a choradeira geral, inclusive minha, já que estavam falando de especiarias, me lembrou o filme “Como água para chocolate” no qual a tristeza da cozinheira vai parar nos pratos que ela prepara levando todo mundo as lágrimas. Pudera não. Eram milhares de momentos extremamente especiais para serem recordados. De pessoas que dançaram no grupo, de quem colaborou na criação e na estruturação do Terpsi ou até mesmo para quem sempre o fotografou e da própria Carlota que declarou que ela não era só ela, mas a soma de todos aqueles que só tinham palavras de agradecimento. Intensidade. Foi a que usaram para descrevê-la e que, sem dúvida, também serve para falar do seu trabalho e dessa noite. Como ela mesma falou, mais uma vez ela disse estar fazendo seu último espetáculo. Mas quem a conhece sabe que essa afirmação só dura até ela começar a criar o próximo. Ainda bem porque, mesmo tendo visto tantos, a gente nunca se cansa de rever o Terpsi que se recria a cada espetáculo, a cada passo dessa dança-teatro que é simplesmente fascinante. Ah, prima, e tu podes aparecer aqui em casa para sovar um pão de vez em quando.

Tuesday, May 28, 2013

Uma mistura de arte e jornalismo na denúncia do descaso e da indiferença

Sair da minha casa no Cristal, devido às obras do novo viaduto e do meu time, tornou-se um desafio. Não importa o dia e nem o horário. E eu ainda não acertei o cálculo do tempo para chegar a qualquer lugar desde então. Não foi diferente no Domingo quando saí para ver Bodas de Papelão. Todo mundo sabe que eu gosto de teatro, mas, às vezes, vai além da vontade de assistir a alguma coisa. É também um compromisso assumido com os amigos.
O Gasômetro é um lugar querido para mim desde a primeira Bienal quando  fui mediadora e passei três meses andando todos os dias por aqueles corredores. Podia ter implicância, mas foi o contrário. Tenho afeto até mesmo por aquelas salinhas transformadas em teatro por algumas horas. Ainda mais quando, depois de dizer o meu nome, sinto um tom de reconhecimento de uma menina que não identifico. Preciso de alguns minutos para ver que era o “Mágico de Oz” do último espetáculo que assisti do grupo Leva Eu. E sorrio pensando que coisa boa que eles conseguiram assumir seus personagens e serem diferentes de si mesmos. Também acho graça ao me dar conta de que, desde o primeiro momento, simpatizei com o nome do grupo. Logo eu que costumo corrigir todos os erros de português que identifico. E é com essa vontade de gostar que entro no espaço que já não é uma sala escura, mas tem elementos suficientes para que a gente identifique as ruas de uma cidade qualquer.
Logo no começo, porém, os atores, no texto do jornalista Renato Mendonça, especificam que se trata das ruas de Porto Alegre. E o espetáculo traz elementos dessa mistura entre jornalismo e teatro que, depois de quase dez anos no Departamento de Artes Dramáticas, já não me surpreende.  Isso não quer dizer que o espetáculo é previsível. Não é. Trata de um assunto cotidiano. Mostra as pessoas que “vemos” todos os dias: os moradores de rua, mas com uma delicadeza e, ao mesmo tempo, com uma intensidade que não tem como não me sensibilizar e, nesse momento, eu desejo que isso aconteça com toda a plateia. O que acho que faz parte da linguagem que, nós jornalistas, aprendemos a explorar são as imagens projetadas de locais reais da cidade. Soma-se a isso uma escolha de músicas que sublinham a falta de identidade daqueles dois que, além de cantar, chegam a dançar um tango. É essa mistura entre a arte e a vida que os comunicadores da área da cultura tentam elaborar e que nesse espetáculo acabou resultando nessa dramaturgia tão relevante para os nossos dias.

Mas quem é essa atriz que brilha naquele “palco” desde o primeiro instante? Ela é tão radiante que, em alguns momentos, apesar de sua ótima interpretação, fica difícil ver alguém debilitado pela falta de atenção, de cuidados, de tudo que é básico para a sobrevivência de um ser humano. Ela se chama Marjorie Moreira. E Igor Ramos contracena com ela fazendo um personagem com uma das características mais complicadas: a de bêbado. Todo mundo que conheço já fez a imitação de alguém bêbado um dia, não convincente. Exageram demais, não enrolam a língua direito. Igor é perfeito. Se eu não conhecesse o seu profundo compromisso com o teatro diria que aquelas garrafas continham mesmo cachaça. Mas, ele não se restringe a isso. Ele é o protetor da sua esposa, o que não deixa que ela perca as esperanças, se desanime mesmo diante das agruras da vida da rua, da falta de humanidade dos outros que passam por eles como se fossem invisíveis. Os outros? Eu, tu, nós. E uma fala me chama muito a atenção: eles enfatizam que são moradores de Porto Alegre. É nesse momento, como em tantos outros desse espetáculo, que se quebra a distância que existe de quem tem um teto ou de quem fica ao relento. E o texto é repleto de sutilezas e também de palavrões, de xingamentos e de filosofia: “só viver não basta”, diz um deles. E eles sonham com a neve. Exatamente como eu, que também nunca vi nevar. Mas, não era preciso essa “coincidência” para que eu já me sentisse mexida com o espetáculo e, sem nem tentar fugir do clichê, não sou a mesma quando saio daquela sala menos de uma hora depois. Essa é a força da arte. Esse é poder do teatro que, diferente do que pensam alguns, não raro, pode fazer mais do que uma matéria publicada no jornal, esse que se espalha pelas ruas servindo de leito para tantos seres humanos. 

Thursday, May 23, 2013

Aznavour traz à França para Porto Alegre e meus amigos a minha memória


Convites comprados há muito tempo, lá me fui encontrar minha irmã Vera Mello e minha cunhada Vera Beatriz Brasil Mello para ver Charles Aznavour.  De cara, chamou à atenção a quantidade de gente muito mais moça, inclusive, do que os que estavam na plateia do Ney Matogrosso.  Quando esse cantor francês, que faz parte da minha vida desde que me conheço por gente, chega ao palco, não tem como não sentir uma emoção e, enquanto ele canta uma música que fala de Paris no mês de agosto, eu fico pensando que adoro viajar, mas estou pronta para sair agora, já, para poucos lugares, sendo que a capital francesa é o principal deles. E essa noite trouxe a França para Porto Alegre, mais precisamente para o Araújo Viana onde, como fez Bebel Crosseti, é possível brindar o aniversário do cantor.
Claro que queríamos que ele cantasse as músicas que ouvimos sempre, mas ele começa por outras que não reconhecemos. No entanto, não tem como não achar a voz dele linda e ele performático no palco. Seus gestos, seus deslocamentos, sua postura, demonstram um domínio que atrai. Mas, enquanto ele canta, eu me pergunto que “gaiola” é aquela onde está o baterista e logo penso que o Arthur de Faria deveria saber. E, quando Aznavour começa a cantar Que c’est triste Venise vejo que é em italiano e, no mesmo instante, lembro da Paola Morais. Primeiro, brinco com a minha irmã que ele não queria que eu cantasse junto. Depois, me digo que foi para não me fazer chorar pois aquela história de que a cidade é triste quando nossos amores são mortos antes mesmo de existir e que nossos amigos partiram acaba comigo. E a iluminação farta, várias cores fortes usadas no palco, contrastando com o figurino negro do cantor, me fazem pensar no Fernando Uchoa. E a moça que correu feliz ao pegar o lenço usado pelo Aznavour depois que ele cantou La Bohème me traz à cabeça a Fernanda Petit. E enquanto me impressiono com a competência vocal desse homem de 89 anos (completados exatamente nesse dia) recordo das aulas da Gisela Haybeche. Daí, emendo no Rodrigo Scolari que está na cidade luz. Já as músicas que falam da passagem do tempo, da valorização do aqui e agora reverberam com os textos de Clara Corleone e L’amour c´est comme un jour ça s’en va (o amor é como um dia, ele passa) me traz a mente Janaina Kraemer e, depois do arrepio que sinto com Hier Encore, só She, a música escolhida pelo Zé Adão para a minha entrada  na última vez em que pisei em um palco, mexe mais comigo. E junto a todos esses estão também minha mãe, meu irmão que já se foi e meus amigos franceses. Porque a música faz isso com a gente. Mexe profundamente com a memória. E todas essas lembranças só são interrompidas pela maneira interessante que Aznavour conversa com o público, explicando que não sabe falar português, mas que dirá em francês e alguém do lado poderá traduzir, pressupondo que a plateia está cheia de francófonos. E o que ele diz? Que já se perguntou muitas vezes o que é uma canção. Nessa hora, não tenho dúvida de que é por isso que ele domina o que faz. Além de mostrar simplicidade e interesse, ele é capaz de ficar por tanto tempo em pé. Eu mesmo sentada já sinto cansaço por estar na multidão. Porque um show não é uma gravação, não é um vídeo. É energia que vem, mas que também vai. E esse entusiasmo pela vida me faz pensar em alguém especial para mim que preciso tirar para dançar. E mergulhada nesse momento mágico que anuncia que o show está no fim, aproveito para chegar bem pertinho do palco e observar o quanto Aznavour parece frágil há poucos metros, mas que ainda carrega esse negócio que faz parte de todo artista e que surge de um jeito inexplicável diante da plateia que o aplaude com entusiasmo a cada música e é por essas e por outras que a cada uma delas ele impressiona mais e, todo o tempo, eu me pergunto se para os franceses estas palavras, essa poesia que ele declamou sobre a passagem do tempo, a perda da juventude, os amores perdidos causam o mesmo impacto que eu sinto nos meus ouvidos quando ele diz: “Il faut savoir qu’on ne sait pas”, o que eu traduziria por: “é preciso saber que não sabemos”, mas que dito assim parece tão menos intenso do que em francês, essa língua que me transportou para o outro lado do oceano e me trouxe aquela sensação de beleza e de aconchego que, fora da arte,  só um bom vinho pode trazer ou essa sensação de que somos todos aqueles que passam pelo nosso caminho real ou até mesmo virtual como alguns dos que estiveram comigo essa noite no show, ainda que em pensamento.

Monday, May 20, 2013

Brecht: o teatro muito além do palco


14º SIMPÓSIO DA INTERNATIONAL BRECHT SOCIETY – 1º DIA

Ano que vem estará completando 30 anos que sou jornalista. Durante esse tempo já participei de muitos eventos, trabalhando ou apenas assistindo e posso dizer que existem coisas extremamente simples que anunciam a qualidade de qualquer congresso, simpósio, jornada. Entre estas estão: a forma como somos recebidos no momento da inscrição e, por incrível que pareça, a beleza e o cuidado com o material impresso, ou seja, o crachá, a programação, a pastinha, o bloco de anotações. Parece bobagem, mas minha experiência diz que não é. Se alguém tiver que escrever o seu nome com uma caneta hidrocor e colar uma etiqueta na sua camisa, desconfie. Outra coisa é o local do evento. Não importa se é no Brasil ou no exterior. Se a gente entra em um prédio bacana, bem cuidado, há uma maior probabilidade da palestra para a qual você se inscreveu valer a pena. Assim, sabendo que a abertura do Simpósio sobre Brecht ia ser na Reitoria já achei que era bom me arrumar um pouco. A prova de que estava certa foi encontrar o coordenador do Programa de Pós-graduação em Artes cênicas, João Pedro Gil, de terno. Ele mesmo, quando eu elogiei a elegância, já me cumprimentou dizendo que não era sempre. No mais, reparei no banner da entrada, nas camisetas daqueles alunos todos que pareciam muito animados em dar informações.
Também acho prenúncio de um bom evento a abertura ser curta, apesar da mesa repleta de nomes importantes da cultura, do teatro, da educação como o Reitor da UFRGS, Carlos Alexandre Neto, do Diretor do Instituto de Artes, Alfredo Nicolaievsky, de Mirna Spritzer que já foi parabenizada no começo por ter aceitado o desafio de fazer parte da organização. E, assim, o tom das palavras iniciais foi de satisfação em estar ali, com a humildade de quem se interessa por arte. Outro detalhe que também faz a diferença para um evento internacional é a quantidade de pessoas na plateia com fones de ouvido. Evidencia de que não se trata de apenas um convidado para garantir o status do encontro, mas de uma presença significativa de pessoas que se comunicam em idiomas diversos. Eu mesma pude ouvir alemão, inglês, espanhol e até auxiliar um dos convidados franceses a pedido de Susi Weber poucos minutos antes de tudo começar.
Com a palavra Miguel Rubio Zapata, do Peru. Diretor e dramaturgo do Grupo Cultural Yuachkani, ele fala sobre a influência de Brecht no teatro da América Latina e vai citando Enrique Buanaventura, Augusto Boal, Atahualpa, entre outros. Comenta sobre como o dramaturgo alemão Bertold Brecht inspirou seu próprio grupo ao propor um teatro que trouxesse à tona as contradições da sociedade, ao levá-los a observar a vida cotidiana e a se surpreender diante dela. Salienta os equívocos iniciais das interpretações da proposta de Brecht que levavam a falar de uma atuação a frio na tentativa de compreender o efeito de distanciamento. Aprofunda-se na busca de uma definição da presença cênica. O ator dirigindo-se aos espectadores com consciência plena de estar diante de uma cena. Enfatiza os elementos utilizados: a iluminação, o cenário, o figurino, os cartazes. Tudo para reforçar o objetivo do estranhamento. Destaca as propostas de Boal do teatro fórum, do invisível, do dramaturgo Brasileiro,  que, segundo ele, não atingiram apenas a América Latina, mas os cinco continentes, como o teatro do oprimido, incorporando a comunidade, fazendo com que o “espectador esteja preparado para ser ator de sua própria vida”. Cita a mensagem desse pela passagem do dia mundial do teatro em 2009, destacando o trecho que diz que “ao ver um mundo de opressores e oprimidos, temos obrigação de reinventar outro mundo. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida”. Toca na questão da teatralidade, o que me faz divagar em uma reflexão que me ocorre seguido: quem sou eu? Essa que senta aqui nessa cadeira escrevendo o que escuto porque sou jornalista? A que repete mantras na aula de yoga? A que ama cozinhar?  Quantos “personagens” existem em mim? Mas Zapata me puxa de volta para outro pensamento relevante. “O teatro não é só um exemplo, mas uma forma de vida.” Ele exemplifica com as consequências da montagem do seu grupo do espetáculo Galileu Galileu, apresentado em 1965, que acabou provocando a invasão do escritório pelo exército. O que me faz compreender melhor o que ele quer dizer com “atitude Brecht”, pois não se trata de fazer de conta, mas de introjetar os preceitos do dramaturgo alemão e agir. Ao falar do próprio grupo ele comenta os diferentes processos coletivos, a necessidade de beber de diversas fontes, de dialogar com o tempo do seu país, um tempo de violência, de corrupção que faz com que ele tenha dificuldade de falar sobre o assunto. “Não sou ator, mas teria que utilizar as técnicas de Brecht em meu próprio corpo para fazer do meu país”. E ainda sobre o fato de não atuar, Zapata conta que, em 1950, foi convidado para observar o teatro em Pequim e que, em um determinado momento, disseram a ele que poderia mostrar seus personagens. Ao explicar que não fazia isso, foi interpelado: “e como você ensina o que não sabe?”. Aspecto curioso para mostrar as diferenças do teatro oriental, no qual os mestres modelam seus atores e entregam seus personagens aos seus discípulos. Dito isso, ele relata os caminhos percorridos pelo grupo que presenciou um momento histórico de um país em convulsão, com mortos, executados. Uma realidade que exigiu dos atores uma presença diferente em cena e para isso eles recorreram às artes marciais, as danças orientais, aos personal trainners gerando uma confluência, uma energia diferente do cotidiano, fazendo os atores reconhecer os próprios corpos e colocando-os à disposição. A violência política mexendo com os pressupostos do trabalho do grupo, criando importantes desafios, tentando responder a pergunta: o que o teatro pode fazer nesse momento? Zapata comenta a importância do teatro do seu grupo atrelada ao surgimento da comissão da verdade em busca de justiça, devolvendo um olhar para eles como cidadãos, questionando como a violência os afetava, buscando sentido e pertinência ao trabalho. Ele explica que Brecht sempre foi uma influência constante, mas não a única. Para encerrar mostra em vídeo cenas de alguns espetáculos e não esconde os erros cometidos pelo grupo em alguns momentos, levando para determinados locais propostas que frustram as expectativas. “Pensamos estar sendo muito inovadores, mas devemos, antes de tudo, escutar a comunidade”.
A manhã termina e eu saio satisfeita por constatar mais uma vez a importância dessa arte que tanto me atrai, refletindo sobre o equívoco daqueles que pensam que dramaturgia é apenas o que está nas telas da TV e que para ser ator basta fazer caras e bocas. Esse pensamento vai totalmente ao encontro da placa (segurada por um ator na foto mostrada desde o início no telão), com a frase: “A burguesia quer do artista uma arte que corteje e adule o seu gosto medíocre”. 

Monday, May 13, 2013

Yoga: um vício irresistível



Exercitar o corpo ou a mente? Em um determinado momento tive que optar pelo segundo.  Vivemos uma sociedade que acha isso muito normal e se falar que o que deixei de fazer foi o yoga, muita gente acharia que a escolha tinha que ser mesmo essa. Não me questionei mais. Simplesmente parei.  Foi graças à indicação de uma amiga que acabei nas mãos de uma nova professora. Jornalista, professora de yoga e que mora e atende na minha rua. Se eu tivesse sonhado não ia ser tão perfeito. Ah, além do preço da aula ser bem menos do que qualquer um possa imaginar. Então, mesmo que eu estivesse às vésperas de uma importante viagem, querendo economizar todo e qualquer tostão, resolvi experimentar. Lembro-me de tentar saber quem me daria aula. Olhei informações que a própria professora escrevera em um espaço virtual, vi fotos e conclui que, no mínimo, era uma pessoa que tinha cuidado com o corpo humano.  
Bastou uma única aula para eu saber que queria voltar a praticar. Por quê? O que essas posturas têm de especial para mim? Bem, para quem lidou com ansiedade durante grande parte da vida, foi na yoga que encontrei um lugar, que não era “somente” um estado de espírito, mas uma calma mental que antes de fazer yoga eu nem sabia que existia. Quem me conhece sabe que eu gosto de falar muito e posso garantir que guardo dentro de mim muito mais a dizer. Que minha mente é agitada. Até hoje me surpreendo como sou capaz de passar de um pensamento a outro em segundos.  O que as pessoas não imaginam é o grande prazer que eu sinto quando tudo isso se acalma. Quando o melhor lugar do mundo é naquele tapetinho, respirando profundamente, de olhos fechados. Quando não sinto falta de nada. Quem não viciaria em viver esse momento perfeito pelo menos uma vez por semana? Sim, eu sinto dor, às vezes. Calor, quase sempre. Vontade de sair daquela posição em todas as aulas. Não, eu não emagreci fazendo yoga. Mas eu me sinto no domínio dos meus movimentos. Claro que queria poder fazer mais. Mas o meu corpo tem uma história.
Lembro que ando fiz reeducação postural descobri que tentava ignorar meu corpo da cintura para baixo devido aos comentários negativos que sempre havia recebido. Então, não se trata só de abrir e fechar as pernas, sentar ou levantar, mas de “reescrever essas linhas” e isso, na yoga, acontece sem pressa. E o mais importante para mim nem são os aspectos físicos, mas essa harmonia interna que vai surgindo sem que a gente perceba. Esse lugar dentro de nós para o qual podemos sempre voltar quando o lado de fora está agressivo demais, violento demais, triste demais. Além disso, ele se reflete nas nossas ações externas, na nossa forma de encarar os outros, os fatos. E não é algo forçado, fabricado. É intuitivo, natural, espontâneo. E não tem nenhum dogma por trás, nenhuma obrigação. Ao contrário, tudo busca o respeito ao nosso corpo, a nós mesmos. E se somar a tudo isso, uma pessoa doce, afetiva, cuidadosa, que nunca se coloca como dona da verdade, que tem a honestidade de se questionar sobre a sua própria prática, sobre a sua competência como professora, que te recebe com um chazinho e te cobre com uma cobertinha na hora do relaxamento, daí, é simplesmente irresistível. 

Thursday, April 25, 2013

Caetano : um amor de ontem?



Eu devia ter desconfiado quando, depois de comprar o último CD do Caetano só consegui ouvir uma vez.  Mas, depois de tantos anos, ficava difícil acreditar que eu não tinha gostado de suas músicas. Assim, decidi ir ao show. Araújo Viana lotado. Pessoas de todas as idades. Porém, já estava na metade do show e eu , sentada, perguntando a mim mesma: será que o nosso amor acabou?
Depois de me conscientizar de que devia ser proibido, proibir e me encher de vontade de sair por aí sem lenço e sem documento, será que um dos meus ídolos da adolescência havia seguido o seu caminho sozinho? Escondido segredos embaixo dos caracóis dos seus cabelos? Ele, que me apresentou a um estado de transcendência cantando Um índio, que acariciou meu coração com a suavidade de sua voz com Kalu? Que cantou em inglês, espanhol e até em francês? Que reforçou minha autoestima toda vez que cantava Você é linda? Que me deu uma das melhores lembranças da minha vida ao ver um dos caras mais interessantes da turma cantar Leãozinho prá mim no meu aniversário? Que idade eu tinha, mesmo? Não lembro. Em algum ano da década de 80. O mesmo que traduziu tantas emoções que a paixão pode provocar cantando Tantas Palavras... Que me estonteava com demonstrações da riqueza da nossa língua. Não, eu não conseguia acreditar que todas aquelas músicas que embalaram por anos tardes, noites manhãs faziam parte do passado. Então, pensei que, talvez, fosse a distância e fiz questão de me aproximar e, por alguns minutos, enquanto eu via o seu rosto e o seu sorriso, eu voltei a reconhecê-lo. Mas, durou pouco. Logo em seguida, vieram àquelas músicas, cujas letras já não parecem apresentar a mesma poesia, que tem um tom amargo, um arranjo de notas por vezes arrastado e eu só pensava: não enche. Porém, quando eu já estava quase desistindo, chegando até a olhar o relógio, veio uma melodia do passado e outra e outra. E a plateia, que até então, estava praticamente inerte começou a reagir e eu até dancei na cadeira enquanto ele cantava “de noite na cama eu fico pensando...”. Eu também pensei. Pensei que não podia jogar fora uma história tão antiga, uma história que provoca tantas lembranças incríveis, que me reportam a uma época em que eu descobria o amor, a mim mesma. E, assim, me dei conta, Caetano, que não, eu não te odeio. É apenas uma crise. Afinal, eu ainda desejei ter sido uma das pessoas que tocou a tua mão e ainda quero que seja prá mim que tu cantas “e quero que você venha comigo”. Então, eu peço desculpas se, nesse momento, não estamos tão sintonizados. Aconteceu algo assim com Circuladô e Tropicália e, hoje, isso está superado. Assim, volto prá casa, sentindo que depois de mais de 30 anos, a paixão, talvez, tenha acabado, mas o amor, esse não se despreza. 

Thursday, April 18, 2013

As perdas e as recompensas


Tive vários bichos ao longo da vida. Muitos gatos, alguns cachorros e meu irmão gostava de ter tartarugas quando ainda morávamos em um apartamento. Lembro, ainda que vagamente, que algumas acabavam morrendo de uma maneira meio besta. Uma porta que se abria enquanto a dita estava em baixo ou coisa parecida. Porém, eu não era apegada a elas.
Depois quando fomos para uma casa, a história com os gatos foi diferente. Eles apareciam no pátio e a gente começava a cuidar, dava comida e quando batizava, pronto! Era nosso. Ainda mais quando escolhíamos nomes como: Epaminondas da Silva Silvério. No entanto, muitas vezes, meus pais nos fizeram levar os gatos para a Dona Palmira (uma dessas casas que acolhiam os bichos). Lembro que era uma choradeira. Minha mãe fazia longos discursos, dizendo que eles iriam ficar mais bem cuidados, etc. A gente esperneava, mas, não havia jeito. Lembro, particularmente, de um gato cinza que eu e minha irmã achamos na rua, enquanto andávamos de bicicleta, que mais parecia um rato. Mas a gente resolveu que levaria para casa e o gato acabou crescendo e foi ficando lindo, com alguma mistura de Angorá. Irreconhecível. Depois, tivemos um cachorro. Não lembro como ele foi parar lá em casa. Já que minha mãe e meu pai nunca foram muito interessados em animais. Todos eram apaixonados pelo Toby, que latia bastante, fazia um furdunço na vizinhança. Acabou sendo envenenado, provocando uma choradeira na família por vários dias. Era meio ridículo até. A gente ficava bem, conversava sobre, dali a pouco, nos olhávamos e voltávamos a chorar.
Passamos muitos anos sem querer ter um cachorro de novo. Depois, quando eu já tinha meu próprio dinheiro, resolvi que meu sobrinho que morava conosco deveria ter um cachorro e comprei um Cocker, cor de mel, meigo que só vendo. Mas ele adoeceu e eu tive que correr para o veterinário que disse que era Sinomose, que não tinha volta e seria melhor eu me despedir do cachorro ali mesmo.  Chorei horrores, mas ouvi a voz do profissional e tive que dar a notícia. Foi um drama. Afinal, um dia o cachorro estava ali. No outro, não mais.  Assim, essa tentativa nos afastou da ideia de ter bichos de novo por muitos anos. Até que esse mesmo sobrinho acabou trazendo para a casa uma cadela, batizando-a de um nome francês, provavelmente para amolecer o coração da minha mãe e, mais tarde, um gato que, durante um bom tempo, ficou escondido no quarto dele, pois ele sabia que havia uma resistência a novos bichanos. Afinal, todos sabemos, eles exigem cuidados.
Anos depois, quando meu sobrinho se mudou, começou levando os bichos com ele: a Charlotte e o Bernard, um gato branco lindo. Senti a ausência dos dois, mas sabia que estavam sendo bem tratados e podia visitá-los sempre que quisesse. Quis a vida, porém, que eles acabassem voltando, assim como meu sobrinho, para casa. Isso fez com que minha mãe, vendo que havia certa negligência de nossa parte, incluísse em suas tarefas diárias dar comida e água para os animais. Para mim, sobrava a parte de dar banho e levá-los ao veterinário eventualmente. Muito pouco para o benefício de ter uma cadela que festeja todas as entradas que eu fazia na casa. Não havia uma única vez que ela não me recebesse com a maior demonstração de alegria. Eu, que achava que só gostava de cachorros pequenos e peludos, não tinha como não me apaixonar pela forte personalidade da Charlotte que parecia encantar a todos. E, foi assim, que o Dick entrava em nossas vidas. Primeiro, apenas fazendo companhia para a cadela em suas corridas lomba acima e lomba abaixo, usufruindo da liberdade fora do portão. Depois, fazendo plantão na frente da casa todos os dias, inclusive quando chovia. Dia de festa, não raro, ele acabava entrando com algum convidado, tentando se misturar.  Mas foi um atropelamento que abriu as portas definitivamente para a sua nova morada. Ao vê-lo machucado, minha mãe tentou localizar o dono e descobriu que ele não tinha ninguém que assumisse verdadeiramente esse papel. Ele recebia comida? Sim. Tinha o que beber? Também. Mas, só. E, assim, sem entrar nos pormenores de toda uma saga do que era para ser uma guarda compartilhada, assumimos definitivamente o Dick. Em troca, ele fazia questão absoluta de demonstrar toda a sua alegria de não ser mais um “homeless” como nós costumávamos dizer nas muitas vezes em que ele dava as suas escapadas para fazer uma ronda na rua que havia sido seu habitat por tantos anos. Mas, não se enganem, não havia dúvidas sobre a sua felicidade em ser chamado de volta, pois ele agora tinha a possibilidade de viver nesses dois mundos em que os vizinhos passavam para dar olá e nós “conversávamos” com ele cada vez que ele nos recebia.
Dick latia para tudo e para todos. Isso fez minha irmã apelidá-lo de “guardião”. Logo que o adotamos não era fácil dormir com seus latidos ininterruptos. Muitas vezes, tive que abrir a janela para mandá-lo calar a boca. Bem, mas, aqui estou escrevendo detalhes de coisas que qualquer pessoa que tem um animal já sabe: um animal exige cuidados, mas nos dá muito mais em troca. Entre tantos momentos em que me senti querida pela manifestação de alegria do Dick, ficou ainda a compreensão de que existem muitas formas de afeto e, foi cuidando dele quando a idade começou a provocar problemas mais sérios de saúde, acordando só para ver como ele estava, alternando coisas que poderiam deixá-lo mais confortável, que eu, finalmente, compreendi o jeito de me amar dos meus pais.
Não faz muito tempo, nós já preocupados com as condições que a idade trazia para o Dick, o vimos ser agredido por um cão da rua, que o abocanhava e o largava. Eu, entendendo que ele não teria condições de resistir, sem saber o que fazer, corri em direção ao cão aos gritos e consegui salvá-lo. Ele levou pontos. Exigiu cuidados especiais, mas voltou a latir como sempre e a dar suas escapadas sempre que podia. Voltando sempre com a mesma satisfação com que saía. Por isso, foi preocupante, vê-lo nesses últimos dias tão abatido. Já não tendo o ímpeto de explorar o lado de fora, buscando ficar próximo de mim quase todo o tempo. Só que já não era tão simples escolher como tratar essa insuficiência respiratória que agonia quem está em volta e deve ser terrível para quem a sofre. Fiquei tentando evitar deixá-lo nas clínicas, pois, achava que o melhor era ele estar entre as coisas e pessoas que conhecia. E, muitas vezes, quando ele estava em silêncio, achavámos que já tinha chegado a sua hora. Mas, ainda na noite passada, quando, finalmente, a falta de ar deu uma trégua e ele dormiu pensei que tinha sido seu último suspiro. Aproximei a mão e ele levantou a orelha, como se dissesse: não, ainda não.
Então, hoje, dia em que o Dick, definitivamente, se foi, acabei derramando muitas lágrimas. Tendo uma reação maior do que eu imaginava já que enfrentei da melhor maneira possível a perda do meu irmão, do meu pai, da minha tia, de amigos.  Provavelmente, fazendo uma espécie de catarse de todas essas ausências, talvez lastimando o vazio que a partida do Dick deixa no pátio e em nossas vidas. Mas, hoje, eu vou, tentar, finalmente, dormir direito, pois sei que ele se sentia acolhido, que era grato pelo carinho que recebeu. Tomara que eu consiga honrar o guerreiro que suportou tanta dificuldade respiratória, a pouca audição, a pouca visão, e outras coisas que eu jamais vou saber, só para me dar o prazer de tê-lo por perto.  E, para quem acha que é melhor se poupar do trabalho que um bicho dá ou prefere evitar as emoções que a perda pode provocar, saiba que eu não tenho nenhuma dúvida: se eu pudesse voltar atrás faria tudo de novo, pois receber o afeto de um bicho mais do que compensa, recompensa.

Wednesday, April 10, 2013

Anna Karenina: Uma nova linguagem cinematográfica para um clássico da literatura



Bem feito para mim. Não gosto de ler nada antes de ver um filme. Nenhum comentário, sinopse. Crítica, muito menos. Mas, ouço rumores e foi assim que fui parar no cinema para assistir Anna Karenina. Embora esse nome tenha estado presente durante grande parte da minha vida como uma personagem do livro de Tostoi, nada sabia sobre ela.  O livro está por aqui em uma das prateleiras, mas é só. Sendo assim, os primeiros minutos do filme foram de puro estranhamento. Eu adoro cinema. Tenho o mesmo sentimento pelo teatro, mas quando essas duas coisas se misturam não é assim tão fácil de absorver. Woody Allen gosta de fazer isso, mas enquanto o assunto é comédia, minha aceitação é mais tranquila, sem resistência, o que não é o caso.
Se partirmos do princípio que para ser teatro é preciso corpo presente, troca entre atores e plateia, não é disso que eu estou falando. Mas então porque a gente vê como teatrais movimentos que não correspondem aos fatos? Portas que se abrem levando para lugares improváveis, gestos, movimentos totalmente fora do cotidiano. Também não dá para ignorar que muitas cenas são feitas no ambiente de um edifício teatral, com abertura de cortinas e tudo mais. Junta-se a isso uma fotografia de contrastes entre cores, uma luz que dá foco artificial em algum objeto ou personagem, contextualizando a cena e eu reconheço elementos cênicos ali. Daqueles que transformam uma cena de capinar, de trabalho braçal uma das imagens mais poéticas que já vi.
Porém, não se iludam. Eu estava dizendo que fiquei achando tudo muito estranho no início. E aqui essa palavra é sinônimo de incomodo, contrariedade, quase desgosto, não o contrário. E vai assim até que, sabendo que ainda teria um bom tempo de filme, decido relaxar. Ah, a proposta é essa. Então, vejamos o que posso aproveitar dela. E é a partir daí que eu saio daquele momento de me remexer nas cadeiras para começar a pensar: nossa... isso foi ousado, intenso, Aaron Taylor-Johnson nos convence de que não é nada difícil perder a cabeça por ele e mostra que, apesar de ter apenas 22 anos, “o garoto de Liverpool” já está preparado para atuações mais audaciosas. Nem vou entrar no mérito do resto do elenco, mas tem muita gente boa aí envolvida.
genial. O figurino por si só já encantaria. E ainda por cima com bailes! Minhas amigas da dança se divertiriam com os passos dos personagens. Bem, e por falar neles, Judy Law que costuma fazer um enorme sucesso em suas comédias românticas é, definitivamente, outra pessoa nesse filme. E, devo confessar, que todo rosto bonito que faz um papel em que já não fica tão bonito assim, sempre ganha o meu respeito. Keira Knightley que já havia me conquistado em Orgulho e Preconceito segue me impressionando pelo menos nesse papel de mulher apaixonada e sofredora.
O diretor Joe Wrigth deve ter tido um trabalho imenso em orquestrar cada cena. E a palavra é essa mesma, pois a gente percebe que é tudo milimetricamente previsto. Não falta nada. Nada excede. Acabo saindo do cinema com a opinião transformada sobre essa “linguagem” que o filme resolveu criar e eu já deveria saber que, não é porque é imagem que é mais importante ou mais verdadeiro do que a impressão que nós sentimos. Então, o meu conselho é: esqueça aquilo que você acha que sabia e esteja aberto para o encontro inusitado entre o teatro e o cinema e divirta-se com os caminhos da arte no século XXI.

Monday, April 01, 2013

Natalício Cavalo: a vida em forma de espetáculo


Até ver Natalício Cavalo eu achava que “peça” e “espetáculo” eram sinônimos. Não acho mais. Quando uma peça é capaz de nos envolver nos primeiros minutos, apresenta atores com um mesmo nível (alto) de interpretação que cantam, dançam, trocam de papéis, estamos falando de um espetáculo. Mas, para ser sincera preciso dizer que sempre que vejo Heinz Limaverde no palco ele me conquista. Então, assim que ele se dirige ao público e começa a dizer o que vamos ver e fala do jeito mais tranquilo e doce que o protagonista vai morrer, eu já fico impressionada. Depois, quando todas as luzes se apagam, eu seguro a folha que me entregaram na entrada, tentando lembrar o que fiz naquela tarde, nas últimas semanas, vou sendo conduzida por eles a uma “regressão” da minha própria existência. Uma coisa é certa: eu não estava preparada para a beleza dessa história contada pela Cia Rústica e dirigida por Patrícia Fagundes.
Já havia escutado comentários de que o espetáculo falava da morte. Não para mim. Nem para eles. Como consta no programa: é uma comemoração à vida. A partir de alguém que, eles mesmos dizem, não é famoso, nem teve uma vida perfeita ou fez coisas extraordinárias. Ao contrário, é sobre as experiências de um ser humano qualquer  que se questionou várias vezes sobre sua existência, que “desperdiçou” tempo se envolvendo com várias mulheres, gerando várias outras vidas. Que, se não era um mau caráter, jogava, bebia, perdia mais do que ganhava dinheiro. Então, o que tem de especial? O que me fez ir às lágrimas?  Talvez porque eu tenha ido ver a peça na mesma semana em que vi duas borboletas e me perguntei se elas teriam noção de que em pouco tempo  estariam mortas, mas que ainda bem que elas estavam ali para embelezar o mundo. Ou porque tenha sido no momento em que a Xuxa fez a mesma idade que eu e nos 50 anos dela tornou-se conhecida em todo o país, construiu uma fundação, ajudou milhares de pessoas, enquanto eu... Ou então, porque meu pai, que se expressava tão pouco, ouvia música gaudéria o dia todo. Ou ainda porque meu irmão tenha vindo almoçar aqui em um Domingo e partido para sempre naquele mesmo dia depois de um mal-estar. Talvez também porque, quando eu tinha 30 anos, recebi um diagnóstico de uma doença rara e incurável que me colocava em risco de derrame cerebral e ataque cardíaco.  Quer dizer, é sobre isso que a peça trata. Sobre a vida, sobre a morte. Sobre os sonhos, sobre as perdas. Sobre o fato de sermos todos sobreviventes.
É forte a presença dos elementos da cultura gaúcha, a minha cultura. Cavalos, botas, chapéus... Assim como a presença das mulheres que não são colocadas aqui em segundo plano. Ao contrário. Destacam-se pela beleza dos gestos, personalidade, sensibilidade. E assim, palavras, misturadas a um figurino impecável de Daniel Lion, imagens de fotos, jornais, cartas, vários elementos jornalísticos, tudo isso me faz gostar ainda mais e sair dali procurando confirmações de que Natalício Cavalo de fato existiu (ou não). Mas não é preciso ser dessa área para achar impressionantes esses registros, aparecendo assim, em grandes telas que também fazem um jogo de sombras do próprio ator no palco, ora preenchendo a foto, ora  servindo de fundo para o personagem. De qualquer forma, poético. Enquanto, no palco, os atores,  Heinz Limaverde, Lisandro Belloto, Marcelo Mertins, Marina Mendo, Priscilla Colombi, Rossendo Rodrigues, dão vida às palavras escritas. Há uma cronologia, mas também há cortes. Há um roteiro cheirando a fantasia, entremeado de citações, de datas. Há a explicação técnica do que se trata uma gineteada. Há um tom dramático. Há partes que provocam o riso. Mas mais do que tudo, há os corpos dos atores fazendo movimentos integrados, deslocando partes do cenário de Rodrigo Shalako, nos levando a filosofar sobre o tempo, o envelhecimento. 
Tudo vai acontecendo de um jeito sincronizado com um ritmo que vai na contramão do tema pesado que, a princípio,  está sendo tratado. E não dá para ignorar, trilha sonora de Arthur de Faria, introjetada com naturalidade, costurando os atos que nos perturbam pela sua simplicidade. Afinal, sabemos que eles estão se referindo a Natalício Cavalo, esse “marginal do sucesso”, mas podia ser meu pai, meu tio, eu mesma. Ah, e quase ia esquecendo a figura da morte. Essa que aparece em tantas cenas, com máscaras, de um jeito quase divertido e que negocia com os atores em cena, mostrando que ela não tem pressa, pois, afinal, todos sabemos, é só uma questão de tempo. Aliás, por falar nisso, sabendo que “uma vida não cabe no tempo de uma peça”, vários eventos da existência de Natalício Cavalo são citados um atrás do outro e nos levam para uma forma simbólica de vivenciar sua morte. E seria triste, se ele mesmo não aparecesse falando sobre o que houve, sem a angústia de toda a sua vida, mas querendo deixar algo mais que não permita esquecê-lo. Mas já não era mais necessário. A Cia Rústica me fez crer que Natalício Cavalo de fato existira e sendo um personagem que relembra toda e qualquer pessoa, tanto ele como o espetáculo são inesquecíveis.

Saturday, March 16, 2013

Ney Matogrosso: esse eterno sedutor



Um pequeno comentário nas redes sociais sobre o show de Ney Matogrosso não é suficiente para relatar esse momento. Até porque era minha primeira vez. E como sempre acontece nessas ocasiões, a gente nunca sabe o que esperar. Que eu não leio a respeito antes para não perder a surpresa, todo mundo já sabe. Ver uma lista de músicas? Comentários de pessoas que já assistiram? Ele mesmo dizendo o que pretende? Não vejo por quê. Afinal, é fácil saber que nada vai ser igual.
Decidi ir ao show meio por acaso. Minha amiga Betha Medeiros colocou uma foto do seu ingresso no Facebook e eu pensei: gostaria de ir. Providenciar os ingressos não foi assim tão simples. Para tirar minhas dúvidas da compra pela internet, fiquei pendurada no telefone por mais de dez minutos. Acabei levando o cartão de crédito errado para retirar meu ingresso e fui obrigada a retornar no ponto de venda lá no Moinhos de Ventos. Detalhe: eu moro na zona sul.  Mas, tudo bem. Sabia que quando visse o Ney esqueceria.
O lugar era ótimo. Muito próximo ao palco e a última cadeira da fila, o que me permitiria levantar a qualquer momento. E essa foi a minha vontade durante todo o show. Porém, ninguém, em uma plateia lotada no Araújo Vianna, fez esse movimento. E olha que o espaço permite. É algo que já tinha me conquistado em shows anteriores: a informalidade. Pessoas bebendo, comendo, dançando. Isso sem prejuízo da visão ou da audição dos demais. E eu, confesso, achei irresistível aquela figura sensual, dançante no palco. Não esperava que Ney viesse com um figurino de roupas colantes, penas, brilhos, embora tenha sido assim que ele me conquistou há quase 40 anos. E se ele cantou poucas músicas daquela época, todo o repertório ficou lindo com o seu jeito de dançar e suas provocações.
Dizer que o corpo desse homem de 72 anos é perfeito seria exagero. Mas entre homens e mulheres não há quem não fique de queixo caído quando ele se movimenta. E é sua audácia, sua imagem autoconfiante que atrai. Ney Matogrosso é um leonino que tem o sol na barriga, quer dizer, naquela área chapada e musculosa que ele exibe ora apenas levantando a blusa ora com um figurino que a expõe completamente. Aliás, um ponto forte são suas roupas mínimas, suas botas acima do joelho que ele põe e tira diante dos olhos da plateia. 
E como se não bastasse ser impressionante Ney no palco, ele usa vídeos que ilustram suas letras e também não teme colocar suas imagens ainda jovem. Parece não ter a mínima preocupação com as possíveis comparações. Provavelmente, servem de artifício para permitir que ele aguente por quase duas horas diante de tanta gente sempre em movimentos e gestos insinuantes. Como aquele de escorregar pelas escadas em direção à plateia enquanto cantava repetidamente: “beija-me, beija-me”... ou quando estica-se no chão e, apoiado em apenas um braço, segue cantando
A voz? É tudo aquilo que o tornou famoso, que encanta as plateias por onde passa, com seus agudos e sua interpretação incomum. E de lambuja a gente ainda ganha aquele olhar penetrante que eu poderia jurar, bateu no meu e me levou a querer dançar com ele. Assim, quando chega o fim, ele canta a música de Vitor Ramil, Astronauta lírico, bolhas de sabão caem do teto e ninguém quer que termine.
Na saída, todas aquelas pessoas, das mais diferentes idades, comentam praticamente a mesma coisa: a performance desse que, sem dúvida, é um homem com H e cujas imagens vão me servir para aqueles dias em que o desânimo se aproxima. Afinal, a vida é breve e “já que eu não posso te levar, quero que você me leve”, mas antes quero encará-la com muita garra, coragem e ousadia, ou melhor, mais Ney.  

Thursday, February 28, 2013

Sempre de malas prontas




O destino: Florianópolis. Com passagens compradas já há algum tempo e hospedagem garantida, na véspera, minha mãe diz que não conseguiu dormir a noite preocupada com os incêndios dos ônibus que acontecem na cidade. Verifico com amigos que estiveram e outras que moram por lá e elas me dizem que, apesar de ser uma situação delicada, não há o que temer. Assim, começo a minha viagem com uma amiga que nunca havia andado de avião.  Eu viajei pela primeira vez aos 30 anos. Depois disso, não parei mais. Se tenho medo? Bem, minhas pernas bambearam a caminho do primeiro avião que peguei na vida. Agora, já contabilizo duas viagens sobre o oceano e muitas decolagens e aterrissagens. Então, lá estávamos nós, dentro do avião, felizes por conseguir fazer algo juntas. Depois dos avisos de que iríamos decolar, começam a fechar as portas dos bagageiros e a pedir que as poltronas fiquem na posição vertical, etc, etc. Um dos comissários aproxima-se de uma senhora idosa no lado oposto ao nosso, duas filas à frente, que está de olhos fechados. Cutuca ela e diz: senhora..... Ela... nada. Ele cutuca um pouco mais forte. Ela... nada. Na terceira cutucada, dá para reparar que ele já está ficando um tanto angustiado. A senhora acorda e os dois se surpreendem. Eu e minha amiga nos olhamos e rimos. Havíamos pensado a mesma coisa. O que não seria um bom começo. Mas, no fim das contas, o voo é bastante tranquilo.
Assim que chegamos, vamos para a parada de ônibus. Afinal, havíamos planejado uma viagem econômica. Não demora, começam as ofertas de transporte. Quando consideramos que o preço vale a pena, entramos em um táxi com mais dois passageiros. O motorista não demora para  falar sobre várias coisas ruins da cidade, enquanto faz um zigue-zague maluco por entre os carros, numa velocidade assustadora. “Por mim, explodiria essa ponte!”, disse ele enquanto olhávamos admiradas para a Hercílio Luz.  Argumenta que o dinheiro gasto até agora para restaurá-la era um absurdo que daria para  ter feito várias outras pontes. “Tinha um japonês que disse que poderia trazer uma ponte inteira, igual a essa e colocar aqui por muito menos, mas não quiseram. O japonês acabou aparecendo morto, isso sim”.  Frustrante ser recebida assim tendo ainda em mãos o folheto turístico dizendo: “bem-vindos ao paraíso”. Felizmente, o trajeto era curto e não demorou muito chegamos ao nosso hotel. Nossa aventura pelo solo (?) catarinense estava apenas começando.
Devidamente hospedadas, sugiro começarmos pela Barra da Lagoa. Uma praia que eu havia ido há poucos meses. Aproveitamos o mar, a paisagem e vemos muitas mulheres de óculos dentro d’água. Na hora da fome, não achamos tão simples achar um lugar barato. Mas, ao encontrarmos, os lanches são muito bem feitos e somos muito bem tratadas. Com atenção e gentileza.  E será assim por toda a viagem. Seremos chamadas de “queridas” várias vezes por pessoas de ambos os sexos e das mais diferentes idades. Logo percebemos que é um hábito, mas isso não quer dizer que, por isso, não seja extremamente agradável. Outra coisa que nos alegrou foi o sistema de transporte, os terminais. Graças a eles logo entendemos como ir de um canto a outro. Tivemos a chance de ver até uma das vendedoras de passagens falando inglês com um casal de turistas e, quando perguntei se ela sabia, ela disse que não, que aprendeu ali mesmo falando com os estrangeiros que passam. Devido ao intenso calor, sentimos falta, porém, de ar-condicionado nos ônibus.
Na primeira noite, saímos a pé. Querendo informações sobre um lugar para comer, escolho uma senhora que atravessava a rua. Ela para e começa a nos falar sobre de onde vinha, sobre a cidade, sobre suas crenças, sem tomar fôlego. Enquanto minha amiga tenta ser gentil, eu espero uma brecha para encerrar a conversa. Ela acaba, inclusive, nos dando o seu endereço. Não seguimos a indicação dela, mas sua longa conversa e sua tranquilidade a transforma em um dos personagens insólitos da nossa viagem. Outro, acabou sendo um senhor que veio ao nosso encontro quando já aguardávamos o ônibus para o centro em Jurerê Internacional. Uma praia de águas calmas que nos permitiu um dos melhores banhos desses dias. Um breve passeio pelo calçadão onde encontramos os doces de Pelotas, cidade da minha amiga, e nos dirigimos à parada. Foi a única vez em que o ônibus custou para chegar. Já estávamos ali há algum tempo, admirando as casas chiques em volta, quando um senhor aproxima e pergunta se sabíamos onde ficava o Banco do Brasil. Não sei nem como a conversa começou. Fato é que se tratava de um biólogo que tinha também uma formação em história e ele nos dá uma aula sobre os Incas e um desbravador de terras estrangeiras que partiu de Santa Catarina em direção a Machu Picchu antes mesmo de Francisco Pizarro. O senhor, que chegara sem fôlego, distraiu-se conosco demonstrando seu conhecimento.
Sem constrangimentos, nem medos, vemos as pessoas se aproximarem criando durante toda a viagem  uma sensação de segurança e tranquilidade. E é assim que chegaremos a Campeche. Praia onde as vitrines nos atraem logo de cara e conseguimos encontrar produtos com preços acessíveis mas, talvez o mais importante: alguém que nos atende como há muito tempo não acontece comigo em Porto Alegre. Quanto ao mar, é exatamente como eu me lembrava. Muito agitado. Chega a ser engraçado, pois cada onda vem de uma direção diferente mas, mesmo para quem tem medo como eu, é possível entrar na água. Estamos lá aproveitando o sol quando chega um desses ambulantes que circulam pela praia oferecendo coquetéis, caipirinhas e sucos. Não resisto. Ao me aproximar, vejo que quem atende é um cara com pele morena, olhos verdes e um sorriso que mais parece um teclado, como dizia a minha avó. Retorno com a bebida na mão e comento com a minha amiga que gostaria de encontrar o Zulu que acabara de esbarrar em alguém tão bonito quanto e nos divertimos olhando ele servir os drinks, conversar com as pessoas. Penso no quanto ele ganharia se fosse descoberto, mas depois me dou conta que, talvez, esse não seja o seu desejo, que ele poderia adorar estar ali mesmo, naquela vida, sendo admirado apenas por clientes como eu.
À noite, saio na busca de um lugar que havia pesquisado na internet antes mesmo de ir. Vi fotos, o local no mapa, tudo. Assim, posso me deslocar em uma cidade que pouco conheço e ir a um lugar onde nunca estive como sempre soubesse onde fica. Acabo tendo uma sensação de reconhecimento apesar de nunca ter estado no lugar. A virtualidade faz isso. Claro que pela web não tem como prever que os garçons serão tão atenciosos. Escolhemos o prato feito por R$ 15,00. Foi a única refeição completa que fizemos em cinco dias. Arroz, feijão, frango, salada, batatas e ovo fritos. Tudo muito saboroso e com uma apresentação impecável. Ah, e tinha ainda música ao vivo. Pena que chegamos ao final da tarde e acabamos não aproveitando tanto a movimentação do lugar que deve acabar ficando bem cheio.
Dia seguinte, minha ideia era ir a Praia Mole. Ao lermos as características já não temos tanta certeza: “corpos sarados desfilam na areia...” Digo para minha amiga que será apenas por um dia que invadiremos esse espaço. Fizemos bem. Na verdade, como toda praia tinha de tudo, mas de vez em quando aparecia uns corpos masculinos que pareciam ter passado no photoshop. Há tempos não via tanta “barriga tanquinho” por metro quadrado. E quando menos esperávamos passa um carinha com uma menina que parecia sua filha que desbancava o Rodrigo Santoro. No mais, a diversão era a narração do campeonato de surf. Intrigadas em como os participantes conseguiam escutar as ordens lá de dentro do mar e obedecer. Coisa que muitas outras pessoas não faziam em relação às ordens dos salva-vidas para não ir tão para dentro. Resultado: o salvamento de um casal. Minha amiga estava indignada. Eu, havia ficado surpresa com a capacidade dos dois de nadar de costas, boiar, tentar várias alternativas até que um surfista chegasse para ajudá-los, antes mesmo dos profissionais da área. Na hora de ir embora, passamos por um grupo de senhoras idosas na frente do pórtico que valia uma foto. Elas não estavam nem aí para os tais corpos sarados. Era Domingo, dia de sol. Ou seja, engarrafamento garantido. Para nossa sorte o ônibus não demora muito a chegar. De volta ao hotel, com coisinhas para comer e aguardar o Oscar. Porém, o vinho nos faz dormir muito antes.
Chega o dia do retorno. Teríamos que sair do hotel às 14h. Difícil curtir a praia cuidando o relógio. Decidimos pagar mais meia diária e esquecer da vida. Foi ótimo. Teria sido uma pena não ter curtido a Praia da Armação. Calma com água limpa e sem ondas. Uma paisagem de cinema. Perfeita para despedida. Mais uma vez, os ônibus parecem estar a nossa disposição. Sem cuidar os horários, acertamos em cheio a hora de nos deslocarmos. A não ser pela ida ao aeroporto em que concordamos em ir bem cedo para não correr o risco de não chegar a tempo. Já sei por experiência anterior que se perdêssemos o voo promocional custaria muito caro para conseguir outra passagem e toda a economia que fizemos iria por água a baixo.
No aeroporto, a chuva começa. E não uma chuvinha qualquer. Uma tempestade de raios e trovões. Não faço nenhum comentário para não assustar minha amiga, mas ninguém gosta de voar assim. Já passei por isso, mas não recomendo. Não deu outra. Turbulência. Nada que me deixe nervosa. Aprendi a não dar muita importância e depois de vários dias fora da rotina, andando para tantos lados, o cansaço é maior do que o medo. Para contrabalançar, o piloto faz um poso perfeito e desliza nos solo gaúcho. Chegamos. Despedimo-nos já falando das próximas viagens. É, acho que agora minha amiga me entende: viajar vicia.


Friday, February 01, 2013

Django Livre - A violência da arte de Tarantino


Como sempre fui para o cinema com muito pouca informação sobre o filme. Mas pelo menos duas mereciam a minha consideração: estava na lista do Oscar e meu sobrinho João Mello havia gostado. Mas não sabia que tinha Jamie Foxx no elenco, muito menos Di Caprio. Tinha visto comentários muito favoráveis à trilha sonora no Facebook. Então, vou começar por essa. Até porque na primeira música já dá para entender porque as pessoas elogiavam. Durante toda a película, as músicas não passam despercebidas. Não são pano de fundo. Elas surgem salientes, em destaque e nos divertem, desde o início, com a competência em contribuir para nos colocar no clima. Já no primeiro acorde, na primeira cena fui fisgada para dentro da tela. Devo dizer, porém, que Django Livre não é exatamente o meu tipo de filme. Tem cenas, como a dos cães e da luta que eu, praticamente, não consegui olhar, tamanha violência, apesar de tentar manter a consciência de que não era real. Aliás, não sei se posso fazer esse tipo de comparação, mas há, nesse filme, um tipo de distanciamento provocado. Algum elemento que nos diz todo o tempo que se trata de ficção, como as produções teatrais de Brecht. Assim mesmo, tem horas que, para mim, é difícil de encarar. Mas, ao mesmo tempo, dei risada em várias cenas e eu acho que essa é uma das características mais interessantes do Tarantino. Esse humor agressivo, irônico, associado a imagens sanguinolentas, torturas, judiarias. Cada uma delas elaboradas tão cuidadosamente, com um senso estético tão perfeito que, mesmo que a gente fique arrepiada, vale uma espiadela. É preciso ser um gênio para fazer isso sem cair no ridículo, sem exagerar. Somam-se a isso interpretações incríveis como a de Christoph Waltz, no papel do alemão Dr. King Schultz, caçador de recompensas, que desencadeia o enredo. Gestos e falas tão precisas que nos levam a emoções autênticas e a reações as mais surpreendentes. Não importa quantas pessoas ele mate no filme, a gente acaba torcendo por ele. Quanto à Foxx, já tinha me deixado boquiaberta em Ray e segue provando que não há papel que ele não possa fazer. Assim, como Di Caprio, que ficou muito tempo fazendo personagens açucarados, mas que, desde o início de sua carreira (quando ele fez um personagem coadjuvante de um menino excepcional, cujo nome do filme nem localizei em sua biografia), já tinha mostrado que é muito mais do que um rostinho bonito. No mais, todo o elenco impressiona e dirigido por Quentin Tarantino fazem cenas extremamente difíceis. Não reconheci Samuel L. Jackson, apesar de ficar fascinada pelo personagem do mal (?) que ele faz, Stephen. Kerry Washington, que ainda não identifico com facilidade, aparece com toda a sua beleza. Todos os demais, e são muitos, ótimos em seus personagens, em suas atuações. E, apesar de todo sangue derramado, o filme, como já disse, me fez rir, principalmente pela forma debochada como Tarantino nos conta toda uma época. Sim, porque apesar dos exageros quase caricatos, a história está lá, no roteiro elaborado por ele. Os preconceitos, a crueldade. Além disso, a mim, parece que nenhum detalhe escapa. O figurino é impressionante. A fotografia também merece destaque. Seja nos detalhes ou nos planos abertos há um jogo de luz e sombra que não é comum. Por tudo isso, mesmo eu que não sou fã de filmes violentos, saio do cinema convencida de que vale muito a pena, que, mais do que um filme, o que assisti foi uma obra de arte, ou melhor, de muitas artes: musical, plástica, cênica e, é claro, cinematográfica. 

Monday, January 28, 2013

O dia em que o coração do Rio Grande parou


Sempre morei em Porto Alegre. Adoro a cidade. Quando escolhi o jornalismo sonhava em ser correspondente internacional, mas não pensava em morar em outro lugar. Em verdade, só tive uma oportunidade em Santa Catarina para exercer fora a minha profissão. Não quis. Mas, era comum eu dizer que se tivesse que morar no interior seria Santa Maria, conhecida como o coração do estado. Não conhecia muito a cidade, mas, nas poucas vezes em que fui, percebi uma energia boa no ar. A juventude, associada ao desejo de conhecimento, era uma mistura que tornava o lugar especial. Muitos eventos culturais, muitos cursos e, é claro, muitas festas, muitos bares charmosos e agradáveis, locais de discussão dos mais diversos temas e diversão.
Por tudo isso, tinha ainda mais interesse em acompanhar desde cedo as informações sobre a tragédia deste Domingo, 27. Como tenho hábito de acordar e ir olhar o Facebook já havia alguém comentando sobre o incêndio na boate Kiss mas ainda não dava para ter ideia da gravidade. A partir de então, foram surgindo novos dados, comentários, informações diversas. De crônicas a solicitações de auxílio. Não liguei o rádio, nem a TV. Perdi esse hábito. Estou cansada da maneira como a imprensa trata as notícias no dia-a-dia e em como conduzem as pessoas a falarem só sobre tragédias e violência todo o tempo, imagina uma hora dessas... Na rede social, os dados também chegam e, a meu ver, de uma forma mais reflexiva, atenta, afetiva e por fontes que eu tenho melhores condições de avaliar a veracidade, a confiabilidade. As opiniões vão se somando e eu posso tirar minhas próprias conclusões. Não sou induzida por uma linha editorial sanguinolenta. Sendo assim, fazia muito tempo que não assistia o Jornal Nacional. Nessa segunda, depois de ler uma publicação no Facebook que sobre a presença de “estrelas” do jornalismo na cidade, resolvi encarar. Logo de cara, comecei a me emocionar, a ficar angustiada, mas tomei uma decisão: assistir analisando o trabalho jornalístico.
Willian Bonner provou que sabe entrar ao vivo. Não titubeia. Também não esperava menos de alguém com toda a sua experiência. As matérias mostram os jornalistas indo atrás de várias fontes, dando ênfase a vários aspectos que o tema abrange. Os recursos tecnológicos permitem avaliar diversos ângulos das principais dúvidas levantadas. Os repórteres, no entanto, insistem em forçar reações emocionais dos entrevistados. É sempre assim, embora eu não lembre de ter aprendido isso na faculdade (e posso garantir que não era de faltar as aulas). O objetivo? Eu não ainda não sei. As pessoas dizem que é pela audiência. Isso quer dizer que está cheio de gente em casa querendo ver pela televisão o sofrimento alheio? Prefiro acreditar que é despreparo mesmo. Incompetência. Conclui que o próprio curso de comunicação deveria aprofundar a forma de abordar esses momentos, criar regras, impor limites. Ou de nada adiantará todos os recursos, jatinho, computadores de última geração. Estarão sempre pondo tudo a perder e merecendo todas as críticas e o deboche que recebem. Foi assim com os integrantes da banda.
O depoimento de um dos artistas pode ser criticado pelos parentes e amigos, mas posso imaginar o que ele quis dizer quando falou que pareciam animais. Tenho para mim que se não praticarmos ações menos egoístas em horas calmas não vai ser no pânico que vamos ajudar quem está querendo achar uma porta da saída. Os peritos ainda vão definir melhor tudo. Mas, embora existam queimados, já sabemos que foi a asfixia que matou a maioria das vítimas e... gente que caiu, foi pisoteada, o fato de terem sido encurralados buscando uma forma de sair.

Culpados? Eu tenho pavor de “caça às bruxas”. Acho que as pessoas são totalmente irracionais nessas horas. Considero que prender aqueles que estão sendo apontados como responsáveis é uma maneira de protegê-los, nesse momento. Tenho medo das pessoas que acham que devem tomar a justiça com as próprias mãos e não estou falando dos familiares e amigos.
Fora isso, foi uma tragédia, mas não uma catástrofe e mesmo assim, apesar de todos os esforços, de toda a união, há muitas falhas na hora de socorrer as pessoas. Muita informação desencontrada e fico simplesmente apavorada quando vejo lista de necessidades que vão de água ao papel higiênico. Por que estamos tão despreparados? Afinal, estamos falando de um evento localizado, com um número grande, mas muito inferior à população geral da cidade, do estado e infinitamente menor do país.  No entanto, é um corre-corre absurdo para resolver grandes e pequenos problemas. Então, é verdade. Podemos ser dizimados a qualquer instante por algum fenômeno da natureza, crise de energia, etc, tornando reais as profecias?
Não acredito no acaso. Não acho que a morte dos jovens tenha sido “causada” pela negligência. Minha crença é outra. Mas atenção: não estou dizendo que tudo deva ficar por isso mesmo. Muito ao contrário. Quero que se aprofundem muito em todas as questões, estudem a fundo o que pode ser feito diferente. Façam tudo para impedir novas tragédias como essa porque, como já foi dito muitas vezes, existem milhares de lugares em circunstâncias semelhantes a esse de Santa Maria. Provavelmente, entrarei em um amanhã.  Quanto às questões jornalísticas?  Apesar dos exageros e dessa tendência macabra de expor desgraças, a imprensa tem trazido à tona muitas discussões, investigado muitos fatos que de outra forma ficariam ocultos. De uma forma, meio torta, prestam um serviço à sociedade que tem ido muito além da informação.
Quanto a Santa Maria? Jamais será a mesma. Ela já não é. Mas sei que a dor também une as pessoas e essa união se transforma em uma força que todos vão precisar para enfrentar a tristeza, a saudade. Acredito que, aos poucos, a cidade vai renascer e que no lugar do eu, do tu, do dedo em riste, o que vai importar vai ser o “nós”. Não vai ser amanhã, nem mês que vem, mas as ruas vão voltar a ter aquele som de risadas e gente falando alto e música, todos aqueles ruídos da alegria quando se manifesta e eu espero que os jornalistas neste dia voltem para ver a cidade eu sempre achei que valia a pena morar.

Friday, January 25, 2013

O Rio na metamorfose da memória



Cada vez que volto ao Rio de Janeiro tenho novas impressões. O que comprova que as cidades estão permanentemente em mutação, assim como as pessoas.  Sim, o Cristo está no mesmo lugar (embora eu só tenha visto de longe dessa vez). O Pão de açúcar também. Aliás, todos os monumentos, pelo que eu saiba.  Eu, porém, certamente, cheguei  lá diferente das outras vezes e isso afeta a forma como observei a cidade, agora,  sob a minha ótica em 2013.
A maneira como fui tratada nas ruas dessa vez foi bem melhor.  Consegui informações das pessoas sobre os locais onde eu gostaria de ir. Uma moça me ajudou, inclusive, a retirar uma bicicleta para andar pela Lagoa Rodrigo de Freitas gastando o tempo dela e me proporcionando um dos melhores momentos da viagem. Fui bem atendida em lojas, comércios, etc. Isso, porém, não facilitou muito o meu trânsito por lá. Dependendo de transporte público, fui deixada na parada algumas vezes por motoristas que passavam pela faixa central, correndo, sem dar nenhuma atenção aos potenciais passageiros. Em poucos dias, porém, comecei a pegar alguns macetes. Escolhi paradas menos congestionadas, pedi ajuda aos que também esperavam o ônibus para confirmar se o ônibus que vinha à distância era o que eu desejava e andei, andei, andei, me perdendo e me achando e, nos momentos de maior preguiça, pegava táxi, o que não chega a causar grande prejuízo ao meu pequeno orçamento.  
Quanto à moda no Rio de Janeiro é bem difícil dizer. Lembro que há muitos anos, ficávamos impressionados com a quantidade de cores e adereços que nossos amigos cariocas gostavam de usar. Os dedos cheios de anéis, os brincos encostando nos ombros e as fortes cores das vestimentas eram motivo de comentários. Já não sinto mais esse estranhamento. Não sei se me acostumei, se também começamos a usar coisas assim... Porém, não é fácil falar de hábitos locais de uma cidade está repleta de turistas. Mas, embora seja uma cidade praiana, eles parecem ter suas regras. A gente não vê ninguém nos calçadões de biquíni, nem mesmo maiô. Se for para andar assim, vá para a areia.  Mas é claro que a gente vê muita gente de bermuda, de chinelo e que chamam a atenção os homens de terno. Aliás, os homens foram mais gentis comigo do que aqui em Porto Alegre, abrindo portas, dando passagem, oferecendo lugar. Até no trânsito alguns motoristas pararam para me dar passagem. Coisas que aqui já não acontecem mais comigo faz tempo. E isso que há muitas avenidas longas e largas o que, sem dúvida, faz com que eles gostem de correr e tentar chegar primeiro, como em qualquer outra cidade um pouco maior do Brasil.
Não aproveitei os famosos botecos, mas a cidade tem muita oferta de comidas rápidas e gostosas, lanches, sucos e coisas assim. Já os peixes e camarões mexeriam mais no meu bolso, então, só foram possíveis nas ocasiões em que meus amigos me “patrocinaram”, como em Búzios, mais precisamente na praia João Fernandes. Coincidência ou não, justamente essa praia foi escolhida pelo The Guardian como uma das oito praias mais lindas do mundo. Não posso opinar sobre isso pois ainda me falta conhecer muitas. mas, sem dúvida, foi um privilégio ter estado lá. Mas convenhamos... flanar gratuitamente pelas ruas do Rio de Janeiro já é algo especial. A paisagem, misturando mar e serra, é uma das coisas mais lindas que eu já vi e sempre me impressiona e me encanta. A proximidade da água, a falta de compromisso, o calor do sol na areia... tudo isso vai relaxando não só o corpo mas a mente.  Sou dessas que acredita sim que o clima interfere no comportamento das pessoas. E por falar nisso o astro rei apareceu sempre muito timidamente enquanto estive lá. Tinha que apostar que ia dar praia. Felizmente, ganhei quase todos os dias. Só no último, o que consegui foi me despedir com um banho de chuva como há muito eu não tomava. A sensação (antes de enfrentar encharcada o frio do ar-condicionado a toda do ônibus) foi de liberdade, de prazer. Sentimentos que estiveram presentes em toda a minha estada em férias. Se fosse a trabalho (o que nunca fiz), as impressões, muito provavelmente, seriam outras.
Não sei quantas vezes já fui ao Rio. Na verdade, não sei nem mesmo qual foi a primeira. Minhas recordações estão todas misturadas. Lembro-me de uma época em que fui com o pai e a mãe e que andávamos de carro por toda cidade, esbarramos em uma gravação com o Antônio Fagundes e a Ana pediu o autógrafo dele no nosso guia que nos permitia descobrir novos lugares, bem como meu pai gostava de fazer... Lembro de outra em que o meu irmão também estava, com a minha cunhada e o meu sobrinho e inventava programas como ir a Petrópolis ou a Paquetá. Lembro-me da minha primeira viagem de avião cujo destino foi justamente o Rio. Lembro-me do incrível convite para ir ao primeiro Rock in Rio e, é claro, jamais esquecerei de ter desfilado na Sapucaí devido a um convite inusitado que surgiu por causa da desistência de outra pessoa.
Dessa vez, não fui a teatro, não fui a cinema. Não vi nenhum show e, sem dúvida, tudo isso também faz do Rio de Janeiro uma cidade especial. No entanto, há algo que venho aprendendo com essa cidade: a vida é feita de escolhas. Não adianta ficar lastimando aquilo que a gente não viu, aquilo que a gente não fez, o lugar em que a gente não esteve. Somos exigentes e insaciáveis. Queremos sempre mais e mais. Perdemos a chance de parar um pouco, respirar fundo e pensar: eu estou exatamente onde deveria estar, fazendo exatamente o que deveria estar fazendo, seja dentro do ônibus trancado no trânsito ou com água até o pescoço vendo os dedos dos pés.
Tomara que eu ainda possa voltar muitas vezes. Que eu possa ir decifrando cada vez mais essa cidade incrível da qual tenho cada vez mais ótimas lembranças para guardar porque, para quem não sabe, até o que parece ruim em um momento, acaba sofrendo uma metamorfose na memória e acaba provocando saudade.