Sunday, May 23, 2010

Grupo Galpão: o talento de contar histórias


Foi a mestre em teatro Betha Medeiros que me convidou no sábado para ir ver o Galpão. Devia ter deixado a preguiça de lado e ido. Nem sempre temos uma segunda chance. Felizmente, neste caso, o espetáculo ainda seria apresentando no Domingo. Cedo e de graça. Ou seja, não havia mais desculpas para não ir. Além disso, já não era mais um convite, era uma ordem: “vai!”, me disse minha colega de mestrado depois de assistir Till, a saga de um herói torto. Como se ainda não fosse suficiente, a Doutora Mirna Spritzer também enviou um email sugerindo a ida ao Gasômetro, local que costuma ficar extremamente movimentado aos Domingos. E, claro que hoje não foi diferente. Cheguei, razoavelmente cedo e isso me permitiu ficar em um local que me permitiu ver e ouvir bem tudo que acontecia no palco montado naquele espaço.


Logo de início, eu que já confessei ter mais hábito de ir ao cinema do que ao teatro, senti que seria conquistada. O cenário é simples. Não há recursos técnicos sofisticados, mas os atores são de um carisma impressionante. Talvez não seja esta a palavra correta para denominar atuações tão competentes, bem definidas que só a experiência teatral pode trazer. Em pouco tempo me vejo pensando em quantas vezes já ouvi dizer que teatro é a arte de contar histórias. É justamente isso que me fascina.

Eles usam alguns recursos cênicos simples de serem executados, mas que propiciam uma estética impecável. Um deles, ao jogar um pó branco a sua frente para simular a neve, me lembra meu professor Sergio Silva, que dizia que o teatro tinha esta magia. Bastava que um ator dissesse: “fecha a janela que lá fora está frio” para que ficasse definido que a cena era em um lugar interno. O texto “Till Eulenspiegel”, de Luís Alberto de Abreu, que deu origem a esta montagem que é ótima, engraçada, inteligente e o elenco nos conduz ao riso solto, aquele que anda cada vez mais difícil ultimamente. E olha que gosto de rir. Rio bastante com meus amigos, com a minha família, mas quando se trata de trabalhos artísticos no teatro ou na tv, acabo achando tudo muito caricato, forçado ou agressivo e vulgar. Nada disso acontece durante este espetáculo. E em muitos momentos a gente sente o controle que eles têm das cenas, seja nos momentos de improviso com a plateia, seja olhando para o fundo do palco e fazendo com que até eu me vire para verificar se tem alguém.

Bem, mas desta vez, não levei papel nem caneta, o que já no começo senti falta. Algumas falas precisavam fazer parte deste meu comentário. Lembrando delas, agora, porém, me dou conta que elas tinham outro efeito na boca dos atores. “Vamos peregrinar”, dizia um dos três cegos que são responsáveis por uma das partes mais divertidas do espetáculo. Mesmo utilizando algumas brincadeiras já conhecidas com as palavras, quando se trata da cegueira, eles provocam risos na plateia. Às vezes, basta o simples fato de salientar coisas que dizemos sem nos dar conta como ao ameaçar alguém: “tu vais ver!”

E eu ri profundamente, ri alto como há tempos não fazia. Ao mesmo tempo, o Till não tem nada de bobo, ao contrário. Lembrei de outro comentário que escutei relativo a outra situação, mas que se adapta, perfeitamente, aqui: “Há várias camadas de compreensão” e os próprios autores comentam isso com a plateia. É interessante também como eles são “narradores deles mesmos”, referindo-se ao seu próprio personagem, enquanto se dirigem a plateia.

Além disso, embora eu tenha destacado os três cegos, não falei nem do “protagonista” da história (que na ficha técnica é uma mulher, mas hoje jurava que era um homem) em particular porque é muito nítido que se trata do trabalho de um grupo formado há quase 30 anos com “G” maiúsculo cujo resultado é uma ação coesa, intensa e cheia de talentos. A Ficha técnica do espetáculo não me deixa mentir. Para parecer simples e perfeito é preciso muita gente.

PS: Doutora Mirna Sprizer esclarece: A montagem na sua concepção tem a Inês Peixoto como Till. Logo,começaram a revezar-se no papel, ela e o ator que vimos aqui, Paulo André.

Direção JÚLIO MACIEL

Texto: LUÍS ALBERTO DE ABREU

Cenografia e figurino MÁRCIO MEDINA

Direção musical - arranjos, adaptações e composições ERNANI MALETTA

Preparação corporal para cena: JOAQUIM ELIAS

Iluminação ALEXANDRE GALVÃO E WLADIMIR MEDEIROS

Caracterização MONA MAGALHÃES

Adereços LUIZA HORTA, MARNEY HEITMANN E RAIMUNDO BENTO

Sonorização ALEXANDRE GALVÃO

Assistente de figurino PAULO ANDRÉ

Assistentes de cenografia POLIANA ESPÍRITO SANTO E AMANDA GOMES

Pintura de telão ESTEVÃO MACHADO

Elenco ANTONIO EDSON : Borromeu : Povo : Anão

ARILDO DE BARROS : Parteira : Juiz : Camponês : Padre : Miserável

BETO FRANCO : Parteira : Português : Padre : Camponês : Miserável

CHICO PELÚCIO : Demônio : Camponês : Voz do Soldado

EDUARDO MOREIRA : Doroteu : Povo

INÊS PEIXOTO: Till

LYDIA DEL PICCHIA : Parteira : Consciência : Cozinheira : Menino

SIMONE ORDONES : Alceu : Povo

TEUDA BARA : Mãe : Miserável

Preparação vocal BABAYA

Técnica de Pilates WANESKA TORRES

Assistente de técnica de Pilates CAMILA COURI

Construção do palco TECNOMETAL

Ajudante de cenotécnica NILSON SANTOS, ELTON JOHN E GERALDO ALVES

Costureiras TAIRES SCATOLIN E IDALÉIA DIAS

Fotos GUTO MUNIZ / CASA DA FOTO

Projeto gráfico LÁPIS RARO

Consultoria de planejamento ROMULO AVELAR

Assessoria de planejamento ANA AMÉLIA ARANTES

Assessoria de comunicação PAULA SENNA

Estagiários de comunicação ANA ALYCE LY E JOÃO LUIS SANTOS

Consultoria de patrocínio MAURO MAYA

Assistente de produção ANNA PAULA PAIVA

Produção executiva BEATRIZ RADICCHI

Direção de produção GILMA OLIVEIRA

Produção GRUPO GALPÃO

Patrocínio PETROBRAS

Tuesday, May 18, 2010

É hora de fazer do limão uma limonada

Já há algum tempo que tinha ouvido falar do filme sobre Simonal, este cantor dos anos 70 que eu também já havia esquecido. Na época, fiquei com vontade de ver, mas o tempo passou e não tive chance. Hoje assisti o DVD. Ouvir Simonal para mim é fazer uma longa viagem no tempo. Eu, que não sou saudosista, sinto uma alegria, ao ver no palco aquela figura com uma faixa na cabeça cantando: "Nem vem que não tem. Sacundim, sacundá".

Ansiosa, com contrações nas costas que dão trabalho a minha massagista, sempre admirei as pessoas que passam esta idéia de estarem completamente à vontade, que tem malemolejo (esta palavra estará no dicionário?), que parecem sempre relaxadas, mesmo que diante de uma multidão de mais de 30.000 pessoas. Simonal, convidado para abrir o show de Sergio Mendes "roubou a cena" fazendo toda a platéia cantar "Meu limão, meu limoeiro..." a partir do seu comando. Conta seu filho que a faixa na cabeça, que acabaria se tornando uma marca registrada, foi colocada para segurar as batatas que deveriam eliminar a sua dor de cabeça e que ele teria esquecido de tirar antes de entrar no palco.

Não é à-toa que conseguiram juntar tantos depoimentos de pessoas de áreas tão diversas para falar (bem) dele, entre estes Nelson Motta. Poderiam ter entrevistado minha mãe que disse: "eu adorava ele". Fiquei surpresa, afinal, ela sempre tão ligada a rígida cultura francesa se declara uma apaixonada por aquele cantou que aparece dizendo: "prá ter fun fun trabalhei, trabalhei". Ela que quer que eu pronuncie todos os "sss" e "rrr" das palavras, encantada com um cara que diz: "masque belê?"

A verdade é que poucas pessoas resistiam ao carisma de Simonal, ao seu jeito alegre e irreverente. Até mesmo Pelé, que sempre aparece tão sério, sorria ao falar do seu amigo, dizendo que a aproximação deles aconteceu porque todo "jogador quer ser cantor e todo cantor quer ser jogador". No entanto, na cena em que Pelé aparece cantando não chega aos pés do seu amigo (e olha que eu acho o Pelé um sujeito com uma energia muito forte e uma voz bem poderosa).

E o filme se desenrola assim, a partir de histórias contadas por aqueles que conviveram com ele, como é o o caso de Mièle. Uma das mais curiosas é a que eles vão juntos a uma sauna e Simonal, recebido com todo o zumzumzum que o seu sucesso já estava causando, reconhece que está na mesma casa onde a sua mãe era cozinheira e colocava um prato de comida no muro, já que os patrões não permitiam que ele entrassse. Ah, talvez seja necessário dizer que estamos falando de um cara negro e pobre, o que pode ter contribuído para a total intolerância ao que foi considerado um grande mal entendido. Li comentários de pessoas que se queixam que o filme não chega aos fatos. Eu não sou uma entendida em época de ditadura, mas pelo que sei não é tão simples assim. Além do mais, o fato de ser um documentário não quer dizer que não possam ter decidido dar ênfase ao talento de Simonal que este sim me parece inquestionável. Cinema não é lugar de investigação, embora o filme até mostre momentos em que o cantor apresenta a documentação que diz que ele não colaborou com a ditadura. Para mim, isso pouco muda. Estar escrito em um papel por mais "oficial" que este possa ser, não garante que tenha acontecido.

Os comentários surgem. Ao descobrir que estava sendo roubado pelo seu contador, Simonal teria mandado o pessoal do DOPS torturá-lo. No filme, o contador aparece confirmando estes dados. Os demais porém dizem que acreditam que a ingenuidade de Simonal misturada com uma certa arrogância tenham feito ele se comprometer com algo que ele não podia sequer imaginar.Para levá-lo a uma Sibéria de recepção como diria um dos entrevistados, muitas notícias da imprensa o acusavam de colaborar com o governo da época da
ditadura. Foi o suficiente para que a classe artística também não o perdoassem. Sobre isso, para minha supresa, Bárbara Heliodora diria: "Era um petisco para os preconceitos teóricos e práticos".

Chamou minha atenção que é justamente Ziraldo que fala que era uma época de intolerância. Outro dirá que "era comum a imprensa brasíleira tomar qualquer indício por fato, qualquer fato por julgamento, qualquer julgamento por condenação e a condenação por lixamento". Era? Tony Tornado dirá que Simonal era simples demais para ter tudo isso planejado. O fato é que, como disse, Boni da Rede Globo, escalar o Simonal era uma dor de cabeça. Os artistas tinham sérias restrições a isso e os veículos de comunicação não perdoavam. É muito triste ouvir sua segunda esposa contar que ele se escondia atrás de uma pilastra no show dos seus filhos que já começavam a fazer sucesso por conta própria.

O filme mostra uma manchete de jornal de uma matéria de 1995, de Mario Prata dizendo: Esquecemos de anistiar Wilson Simonal. Bem, mesmo tarde, este filme parece fazer isso. No entanto, Raphael Viviani, o contador, é entrevistado e insiste no seu espancamento. Ou seja, o filme, não mostra só gente falando bem e defendendo Simonal. Chico Anysio fala da overdose de ostracismo pela qual passou o cantor e diz que gostaria que aparecesse apenas uma pessoa que tenha sido dedurada pelo Simonal. "De qualquer forma, deve haver uma outra vida onde ele vai comandar os anjos e São Pedro vai dizer: 'o que esse cara tem que manda nos anjos mais do que eu", diz Chico Anysio.

PS: Ainda estou esperando quem me explique o que quer dizer "esquindô lelê" e para quem acha que eu contei toda a história, garanto que não há como descrever as apresentações de Simonal.



 
 

Tuesday, May 11, 2010

O amor e o futebol

O futebol começou a fazer parte da minha vida muito cedo. Não lembro exatamente quando, mas ainda recordo que meu avô colorado oferecia balas para que a gente torcesse para o time dele, o Internacional. Claro que naquela época isso era apenas uma brincadeira com os netos e não exatamente um suborno como hoje (depois de tantas maracutaias) acabaríamos pensando.

Também tenho fortes lembranças da copa de 70. Tinha oito anos na época e achava muito engraçado meu avô gritando com o Tostão pela tv, dizendo: “vamos sua vaca”. Devo esclarecer que meu avô era um homem de aparência séria, careca de sobrancelhas grossas, mas que assistindo a uma partida se transformava. O que, sem dúvida, faz ainda mais sentido se considerarmos que ele estava diante de um time com Pelé, Gérson e Rivelino, entre outros. Além disso, que criança não ficaria impressionada com todos aqueles carros na rua, as pessoas gritando, bandeiras, fogos de artifício? E é um mistério o que acabamos guardando na memória.

Anos mais tarde, quando estava com 12 anos conheci meu primeiro namorado. Ele estava indo jogar futebol. Vi pela janela do carro que, enquanto os outros jogadores do time zombavam do menor porque ele não conseguia pegar a bola, meu futuro amado pegou a bola e entregou para ele. Foi paixão a primeira vista. Durou nove anos. Nestes anos, muitas partidas de futebol assistimos juntos. Torcíamos os dois para o Internacional. Sim, meu avô conseguiu me “influenciar”.

Ainda neste período, muitas partidas de futebol assisti da nossa turma. Havia um clube na esquina da minha casa e era comum os meninos alugarem a cancha e fazerem partidas, campeonatos. Mauro Galvão era um deles. Embora naquela época ninguém pudesse imaginar que aquela fissura toda pela bola não os tornaria jogadores profissionais, creio que os demais seguem no anonimato. Bem, talvez, outros joguem em times que eu desconheça, espalhados pelo Brasil.

Mais tarde, conheci outro menino que era gandula do Inter. Assim, depois de passarmos horas segurando a mão um do outro e ele me dando beijos no pescoço (o que me deixava meio incomodada), ele se despedia de mim e ia para o estádio. Quando o jogo era televisionado, eu ia para casa. Não para ver o jogo. Mas para vê-lo ir buscar a bola quando esta saía do campo. Diante de uma multidão, ele aparecia por alguns segundos segurando a bola e jogando de volta. Eu me esforçava para identificá-lo e quando conseguia confirmar que era, realmente ele, era uma emoção.

Curiosamente, nunca namorei alguém do time oposto. Talvez as afinidades também passem pelo esporte. Meu pai, com quem sempre discutia, era gremista. Um tio tinha conseguido influenciar ele mais fortemente do que o próprio pai. Não com balas, mas o levando a assistir aos jogos. Mesmo em times opostos, eu era a única a fazer companhia a ele quando via os jogos. Meu irmão nunca se interessou por futebol. Naquela época, era ele que preferia as artes, a poesia. Ouvir os Beatles fazia muito mais sentido. Aliás, na família, apenas outra mulher tem um interesse profundo pelo esporte. Justamente a irmã do meu pai. Colorada. Costuma não programar nada em dia de jogo e já foi, muitas vezes, ao campo. Lê todos os comentaristas. Ouve rádio o dia inteiro em dia de jogo.

De qualquer forma, estamos prestes a começa a assistir a uma Copa do Mundo e a antiga paixão pelo futebol reacende e traz a memória meus amores que, hoje, estão espalhados, distantes, mas que ainda assim tenho certeza de que por 90 minutos, assim que a Copa começar vão estar desejando mais uma vez o mesmo que eu.

Vou buscar novas companhias, pois para mim, o futebol sempre veio acompanhado de afeto.

Monday, May 10, 2010

Queimem os didáticos ou...

Texto de Márcio Silveira

No tempo da inquisição era queimado todo livro que fosse considerado herege, fora da filosofia da Santa Madre Igreja, que macula-se os bons modos e costumes da sociedade medieval. Como supressão milhares de obras foram queimadas sem se quer sobrar um exemplar, que hoje poderiam esclarecer melhor a formação do homem e das sociedades até então. O filme O Nome da Rosa, baseado no livro homônimo de Umberto Eco, retrata bem este momento histórico.

Na atualidade os livros que são jogados fora por estarem defasados ao dono, são reciclados ou reutilizados abastecendo bibliotecas públicas municipais, estaduais e bibliotecas populares de ONGs, Associações e Escolas. Sejam livros didáticos ou não. Porém há uma retomada da ação praticada na inquisição, os alunos pelo Brasil afora estão queimando os livros didáticos dentro do ambiente escolar. Um fenômeno crescente no país! Sintomático? Possivelmente sim!

Cabe-nos refletir e agir quanto a essa questão antes que pensem ser o imperador Nero, que mandou por fogo em Roma, e incendeiem também as escolas brasileiras de fato. É um ato brutal a Educação, mas por outro lado pode representar uma atitude de protesto. Quais os motivos? Pode dever-se ao fato das aulas serem pouco significativas; ou os professores terem aplicado erroneamente o conhecimento ali contido, gerando desinteresse à disciplina em questão; ou é apenas um vandalismo desenfreado; enfim uma gama de possibilidades.

No momento me sobressalta a questão de um possível protesto, inconsciente que seja, pela falta de consonância dos conteúdos e sua aplicabilidade com a vida dos alunos. Os didáticos, por exemplo, são livros que não se aplicam a 50% da vida dos alunos de periferia. Faltam livros didáticos que possibilitem trabalhar com as novas realidades, existem alguns, mas são raros e voltados a seguimentos específicos da Educação Brasileira.

Portanto é necessário que os autores revejam e reformulem as abordagens dos conteúdos em sintonia com um Brasil tão diverso. Seria interessante pensar em livros didáticos que falassem não só na língua destas gerações de jovens em formação e desenvolvimento da aprendizagem, como também com ares da cultura dos povos de cada região onde eles seriam aplicados. Respeitando e mantendo evidentemente a diversidade cultural do país.

Do contrário sou a favor da queima dos didáticos que servem de bengalas para professores e professoras acomodados nos conteúdos plasmados no papel. Assim acabaríamos de vez com as aulas e o ano letivo que já iniciam em conflito quando o docente entra na sala de aula e diz do alto da sua magnitude de mestre do saber de coisa nenhuma: - Abram o livro na página...


Márcio Silveira dos Santos é Professor

Publicado originalmente no Jornal Vale dos Sinos em 27 de Abril de 2010

Sunday, May 09, 2010

AVARENTO TAMBÉM TEM MÃE


Se gosto de um filme sou capaz de vê-lo muitas vezes. Já ao teatro, posso contar nos dedos espetáculos que assisti mais de uma vez. O que a princípio não deixa de ser uma incoerência. Afinal, o filme não vai mudar e um espetáculo nunca é o mesmo. Entretanto, tinha ido ver logo perto da estréia, ainda com Zé Mário no elenco. Gostado muito. Publicado meu comentário por aqui. Não tinha idéia de voltar, mas fui convidada pelos meus colegas de mestrado Gilberto Fonseca, o diretor e pelos atores Marcos Chaves e Ariane Guerra para ir ver O Avarento neste dia das mães. De novo.
Falei sobre a programação a minha mãe que, em poucas conversas com o Gilberto já virou fã. Sugeri levarmos as tias. Elas toparam. Só quem conhece as Barcellos de Mello sabem que não é uma platéia fácil. Embora minha mãe tenha lido muito sobre teatro durante sua formação enquanto professora de francês, várias obras no original e venha acompanhando por tabela meu interesse há mais de uma década, ela não tem o hábito de ir ao teatro. Sua irmã já é mais interessada. Mãe da Angela Spiazzi do grupo Terpsi sempre que pode ou é convidada vai assistir aos espetáculos que se apresentam na cidade. Muitas vezes, me acompanha. A terceira, já foi ver algumas coisas até comigo no palco, outras para as quais convidei e seguido vai assistir a neta Fernanda cantando. É a mais exigente e mais crítica.
Explicado isso, quero dizer que me diverti assistindo novamente o espetáculo, me admirei de novo com a qualidade do figurino, dos deslocamentos no palco, da atuação do elenco. Só reforçou minha primeira impressão: é um ótimo espetáculo, feito com toda dedicação e muito bem dirigido. Acho que não tinha falado sobre a direção antes. Talvez, por não me considerar capaz de avaliar este quesito. Mas, as vésperas de defender meu título de mestre, vou fazer esta ousadia.
Quanto a minha mãe e as tias, adoraram, se divertiram, elogiaram todos. Fizeram questão de me agradecer por tê-las convidado. Consegui fazer três mães felizes em pleno dia das mães levando ao teatro e isso, é claro, me faz feliz. Ainda mais por ser um espetáculo feito pelos meus amigos.

PS: Alguns do elenco não conheço muito, mas desejo que se tornem meus amigos, pois nunca escondi que gosto de estar perto de gente talentosa.

Friday, May 07, 2010

Relaxando em SAMPA?

Quem disse que não dá para descansar em São Paulo? Como não gosto de viajar sozinha, acabei convidando minha cunhada para ir comigo. Aqui de Porto Alegre mesmo tracei nossa programação. Algo digno de uma guia turística. Passagens compradas e hospedagem garantida, lá nos fomos! Faço aqui o relato destes 4 dias em São Paulo. Sabia que ficaria longo, mas resolvi não editar. Assim, leiam o que quiserem, mas já adianto: cada dia teve momentos gastronômicos, culturais, turísticos...

1º DIA: DOMINGO – PERNAS PARA QUE TE QUERO (Aqui, não sabia que o “erro” linguístico seria justificado ainda durante este relato).
Para conseguir as menores tarifas, a hora de sair de Porto Alegre, era 7h30. Muito cedo para mim. Bem, mas pouco tempo depois já estávamos chegando no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Chegaríamos antes do início de nossa diária, mas acostumada com a “camaradagem” hoteleira gaúcha, achava que conseguiríamos nos instalar. Nada feito. Podíamos deixar a bagagem, pagando R$ 5,00 por cada volume. Saímos em busca de uma padaria indicada por um conhecido lá perto, chamada Princesa. O Google havia me dado o caminho. Chegamos na rua e nada. Usei o método tradicional: perguntei para uma senhora que passava. Estava em frente, mas o nome havia mudado. Entramos e descobrimos que havia um esquema de “brunch” em  que pagaríamos um preço único e poderíamos comer todo o tipo de pão, bolacha, bolo, assim como tomar espumante, comer ovos, queijos, etc. Fila. Mas os paulistas pareciam não se importar, então, não seria eu a me incomodar. Rapidamente, conseguimos nosso lugar. Bem alimentadas, a ideia neste dia lindo de sol era ir ao Parque Ibirapuera.
Dias antes, me divertira fazendo os trajetos pelo Google maps. Nada como alguém que saiba nos dizer de onde viemos e para onde vamos! O que não aparece, porém, é que o trajeto pode ser lomba acima ou lomba abaixo. Porém, começamos a perceber que nos aproximávamos quando começaram a aparecer os primeiros ciclistas, corredores, pessoas com roupas de ginástica. Neste momento, tínhamos certeza de que nossos trajes não estavam adequados para a temperatura.  Ainda gripadas e saídas do sul, todas nossas roupas eram mais quentes do que o necessário. Meu celular tocou. Era uma amiga nossa que depois de fazer o caminho inverso do meu (formada em teatro e depois em jornalismo) está morando em São Paulo. Combinamos de nos ver aquela noite.
Finalmente, chegamos ao parque. Entramos pelo portão 8 e eu já quis ir em busca de minhas referências: os pavilhões da Bienal. Passeamos vendo uma multidão de pessoas, entramos no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Lá pelas tantas, achei que seria interessante pegar um ônibus e ir ao Shopping Ibirapuera já que tantos consideram um ponto turístico. Definitivamente, não me incluo entre estes. Tirando a possibilidade de entrar e comprar uma regata e já sair com ela, pouca diferença faz de nossos shoppings por aqui. É claro que o fato de morar do lado do Barra Sul afetou meu julgamento. Assim, após nos hidratarmos, estávamos de volta na rua.
Em dúvida sobre qual a melhor forma de transporte, sugeri que seguíssemos a pé e que quando estivéssemos cansadas, decidiríamos por um táxi ou por um ônibus (a quem eu queria enganar?). Sem ter previsto este trajeto, começamos a nos perder. Sei lá o que me leva a achar que minha intuição me indicará o caminho correto. Andamos, andamos, andamos com o sol em nossas cabeças, pernas, braços. Até que parei para olhar o mapa. Letras miúdas e pedaços de nomes de ruas separados me faziam acreditar que estava andando por uma rua chamada República e que deveria ir até a rua Líbano. Em verdade, após perguntar para duas senhoras que passavam, descobri que já estava na República do Líbano e que deveria andar pelo menos mais oito quarteirões. Após ter passado por todas as clínicas médicas possíveis, casas antigas extremamente bem cuidadas que indicavam o “gabarito” dos médicos, constatamos que estávamos no portão 2. Estávamos fazendo a volta no “pequeno” parque. Decidimos (ou nossas pernas?) que já era hora de pegar um ônibus. Ao chegar na avenida Paulista, sem que o cobrador lembrasse de nos indicar onde deveríamos descer, enquanto esperávamos o sinal fechar, fomos importunadas por um senhor de idade que insistiu em saber nossos signos orientais. Entregou uma folha para cada uma e pediu uma ajuda. Dou R$ 1,00 e pouco, o troco que tinha no bolso, pois ainda não estou preparada para ficar vasculhando minha bolsa em plena Avenida Paulista. O senhor nos xinga. Pede de volta um dos papéis (Seria o único a nos importunar durante toda a viagem). Pouco tempo depois, estávamos em nosso hotel. Outras bolhas nos pés se juntaram a que eu havia levado de Porto Alegre.
Algum tempo depois e estava na hora de encontrar nossa amiga. Sugeri que fossemos até um bar há algumas quadras do hotel. A “recém paulistana” não pareceu muito animada com a ideia. Preocupada com a segurança e sem muita disposição para caminhar pelas ruas de São Paulo não via a hora de chegar ao tal destino. Acabamos, assim, escolhendo jantar em uma pizzaria que já estava de qualquer forma incluída na programação. Ótima pizza, vinho e conversa, na volta, pegamos um táxi até o hotel e ela seguiu até a Vila Madalena.

2º DIA: SEGUNDA - PARA SE SENTIR EM SÃO PAULO

Descemos para tomar café. Sentamos à mesa que estava posta. Víamos garçons, outras pessoas tomando café, mas ninguém veio falar conosco. Foi quando observamos um movimento dos hóspedes em direção a uma outra sala que percebemos que devíamos ir até lá se quiséssemos comer algo. Estranhamos o atendimento, além do pó na sala de ginástica e o pequeno tamanho da piscina.
Apesar de ouvir dizer que quem vai a São Paulo tem que passar pela 25 de março, eu não trazia na memória boas lembranças. Bem, mas não iria tirar de minha cunhada esta oportunidade. Sem saber como seria ir de metrô e seguindo as dicas do Google, pegamos um ônibus. Ao pedir ao cobrador que nos dissesse onde descer, recebemos de volta...nenhuma palavra, gesto, expressão facial. Outro passageiro, empático com nosso problema, disse que nos avisaria. Assim, descemos atrás da Igreja da Sé. Linda, por sinal. Mesmo sem vínculos religiosos gosto de entrar em igrejas e minha comparação (graças a Deus) é sempre com a Notre Dame que, alias, não tem o “glamour” de tantas outras. É preciso usar a imaginação de toda a história que se passou por aquelas paredes para que a gente, realmente, se emocione. Rumo a 25 de março. Fiquei surpresa com a tranquilidade que tivemos de entrar e sair de lojas. Muitas. Preços incomparavelmente menores para bijuterias e sapatos. Lembrando que o objetivo da viagem não eram as compras, assim mesmo sai de lá com uma nova sandália e alguns prendedores de cabelo.
Hora do almoço. Destino: bairro Liberdade. Outro ponto turístico da cidade. A sede e a memória me fizeram escolher um dos primeiros restaurantes. Repartimos um salmão com um molho de pimenta rosa e tomamos um vinho branco. Também em uma das primeiras lojas, encontro um casaco japonês vermelho e preto lindo. Por um valor para lá de razoável. Saio da loja com mais uma sacola. Sou abordada por uma pessoa e entendo que ela me perguntava “quem é Galvão Bueno?”, surpresa, respondo: um jornalista e apresentador da área esportiva. Ela sorri e diz: Queria saber onde fica a rua com este nome. Rimos juntas. Mais algumas lembrancinhas orientais e estava pronta para pegar o metrô, refazendo um trajeto que havia feito há pelo menos cinco anos. Foi, então, que rememorei a facilidade de andar neste meio de transporte. Muitas indicações e um trajeto inalterável por um preço mínimo. O paraíso dos turistas. Aliás, esta era uma das estações que tínhamos que cuidar, pois trocávamos de linha. O que parecia complexo no papel foi muito fácil na prática.  
Chegamos cedo ao hotel. Saímos no final da tarde para tomar um café. Vi o hotel Maksoud. Resolvemos ir até lá “espiar”. Entramos e sentamos na cafeteria. O lugar é mesmo impressionante. O interior do prédio é “oco” e os apartamentos ficam em volta. Mas ficamos lá durante uns 20 minutos. Atendentes e garçons circulavam pelo salão e nenhum veio perguntar o que queríamos. Por um lado, não nos impediram de estar ali. Por outro, nos ignoraram por completo. Decidi ir até a Casa das rosas, pois sabia que era um lugar de atividades culturais. Estava fechado. Ia ter um evento. Na volta ao hotel, passamos por um grupo com cartazes escrito “Abraço”. Não lembrava que era uma campanha do australiano Juan Mann, mas sabia que se tratava de uma “intervenção” chamada free hugs. Ao ser abordada, recusei. Mas cheguei poucos passos depois,  resolvi voltar. Fui na direção da menina que havia me pedido um abraço e disse que queria. Ela sorriu. A gente se abraçou. Minha cunhada esperava na esquina. Comentei que teria que contar isso a minha mãe que estava tão temerosa com nossas andanças paulistas e eu lá abraçando uma desconhecida em plena Avenida Paulista! De volta ao hotel. Hora do descanso.
Na lista dos lugares para comer e beber outra coisa que não água, estava o tal Squat. Localizado por minhas pesquisas prévias na internet. Um pouco em dúvida quanto à segurança do bairro (depois dos temores de minha amiga), pegamos um táxi. Por R$ 8,00 percorremos as várias quadras até o lugar. Vazio. Decidi fazer uma mudança na programação e ficamos no bar da esquina: o Malley’s. No cardápio, algumas combinações exóticas e deliciosas. Bom preço. A bebida nem tanto. Mas eu sou daquelas que não consigo saborear algo sem um vinho acompanhando. Tenho que lembrar de prever isso no meu orçamento turístico. Muito agradável o lugar, mas saímos cedo. O cansaço nos obrigava a retornar ao hotel, porém, para aproveitar a noite e o movimento: a pé.

3º DIA: TERÇA – MINHA PÁTRIA É MINHA LÍNGUA
Chegava o dia do objetivo real da minha vontade de ir a São Paulo: voltar ao Museu da Língua Portuguesa. Mas antes, havia previsto uma passagem pela José Paulino, rua famosa pelas mercadorias que atraem lojistas gaúchas que buscam produtos para revender aqui.  Agora, o metrô seria nosso transporte favorito. Meu mapa, porém, não era claro sobre a Estação da Luz, onde pretendíamos descer. Era ainda mais fácil do que imaginávamos. Também para nossa surpresa, pouco movimento. Roupas lindas. Preços mais ainda. Sem a intenção de comprar, resistíamos a ofertas incríveis. Claro que não o suficiente a ponto de não fazermos também nossas comprinhas, o que para minha cunhada significou três trajes completos ao preço de um daqui. Fomos salvas pelo fato de que em diversas lojas não aceitavam cartão de crédito (só dinheiro ou cheque) ou de venderem apenas por atacado (em muitos casos, isso significava escolher 12 produtos, o que nem era tão complicado assim).
Próxima parada: a Pinacoteca. O prédio é lindo. Meu plano era almoçar lá. Lembrava que o lugar era agradável e que tinha coisas deliciosas para comer.  R$ 6,00 depois, estávamos sem nossas sacolas, ufa! A primeira pergunta que faço a quem recebe os nossos tickets é qual o acesso até a cafeteria. A resposta: está fechada! Assim, ficamos vendo as obras de Rodin, Anita Malfaltti, entre outras. Descubro que Portinari morreu envenenado pelas tintas! Não fazia a menor ideia. Além disso, vimos as obras elaboradas por ele a pedido do mecenas Castro Maia, um dos primeiros a transformar sua coleção em patrimônio público, doando, inclusive, sua residência.
Atravessamos a rua, estamos no Museu da Língua Portuguesa. Mesmo sabendo que a visita seria fascinante, meu interesse continua sendo matar minha sede. O rapaz que recebe os nossos bilhetes, nos indica a cafeteria da Pinacoteca e se surpreende quando eu digo que está fechada. Ou seja, já estou começando a dar informações. Na entrada, esbarramos em várias placas de acrílico com pedaços de palavras suspensas. Como não consigo lê-las, decido consultar uma das mediadoras. Este é um hábito que só adquiri depois de ser eu mesma uma. Gentilmente, ela nos passa todas as explicações. Era preciso espiar por um buraco para que as frases fizessem sentido. A exposição do momento chama-se “Menas”. Uma provocação que coloca em debate a forma como tratamos a língua, apontando a linha tênue entre o certo e o errado, dando ênfase a comunicação.
Fomos direto assistir ao vídeo que faz uma apresentação sobre a língua portuguesa. Eu já me encanto com o fato de que o logotipo do museu é uma constelação formada de letras. Assim, o vídeo as coloca em movimento pela “atmosfera”. A seguir, várias pessoas vão falando sobre a importância da língua. A voz de Maria Bethânia aparece com uma frase de Fernando Pessoa: “quem não vê bem uma palavra, não pode ver uma alma”. Depois, passamos para uma sala onde as palavras circulam do teto ao chão e somos envolvidos pelas luzes que são na verdade letras, textos, poesias. A voz de Dorival Caymmi me emociona pela sua leveza e tranquilidade cantando: “coqueiro de Itapuã, areia...” Só lá para ouvir José de Alencar na voz de Zé Celso Martinez Correa!
Saindo desta sala fomos explorar o resto do Museu que coloca à disposição dos visitantes várias “estações” interativas. Computadores com interfaces bastante simples de serem acessadas e informações interessantes. Entre estas, um jogo de certo ou errado da língua portuguesa que era, na verdade muito mais uma maneira de instruir o jogador do que outra coisa. Entre muitas dicas e informações fiquei sabendo que a palavra “eslaide” foi aportuguesada! Esta exposição abre espaço para a língua que anda nas ruas e isso inclui para-choques de caminhão. Cheguei a anotar uma: “A fé move montanhas, mas os ecologistas são contra”. É nesta exposição que frases como do meu primeiro subtítulo são justificadas. Pode!
Outro espaço bem bolado eram os vídeos com a mesma atriz fazendo quatro personagens diferentes. Cada um “encarnando” uma norma: a gramatical, a lexical, a semântica e a discursiva. Ocorria diante dos visitantes um diálogo entre elas sobre o certo e o errado das frases em cada situação. Sem dúvida, uma forma divertida de esclarecer do que se tratava. Na saída, entramos na estação de metrô em frente e pouco tempo depois, estávamos no hotel. Enquanto descansávamos, víamos Os Normais 2. Quando terminou disse a minha cunhada: ainda bem que não fui até o cinema ver isso. Ela disse: pois eu fui. Quase todo o filme é Fernanda Torres e Luis Fernando buscando uma parceira para um ménage à trois.
À noite, fomos, finalmente, ao SQUAT. O cardápio era muito atraente. Pedimos coisas deliciosas para comer e, claro, vinho. De sobremesa churros com sorvete. Recomendo. Na frente, manobristas cobrando R$ 15,00 para estacionar os carros. É...parece que fazer isso em São Paulo vale cada tostão. Se bem que minha cunhada disse que eles ganham mesmo melhor do que nós. Uma movimentação intensa no prédio em frente chamou nossa atenção. Pensamos que era alguma inauguração. Perguntamos para o garçon e ele disse: não, é uma igreja chamada A Cabala. Ele contou que só este ano a Madonna já esteve lá duas vezes. Ah, se eu soubesse...Falha minha não ter incluído uma visita na programação.

4º DIA – QUARTA-FEIRA: ALGUMA COISA ACONTECE NO MEU CORAÇÃO
A ideia era, finalmente, ir ao MASP. Há apenas algumas quadras do nosso Hotel tinha ficado para o último dia. Como só abria às 11h, saímos pela Paulista e começamos a voltar pela Oscar Freire, rua das lojas de griffe. Na calçada, na nossa direção, vinha uma pessoa bem magra com um chapéu de aba super larga e óculos escuros que me chamou a atenção. Ao passar por ela me dei conta de que era, justamente, Fernanda Torres. Sabendo que este era o seu “disfarce” para não ser reconhecida, não pensei em pedir autógrafo, mas me passou pela cabeça ir dizer que topava o ménage à trois. E se ela aceitasse? Melhor não.
Mais R$ 25,00 para guardar as bagagens após o término da diária e lá estávamos nós no Museu de Arte de São Paulo. Quatro exposições estavam acontecendo. De cara uma exposição de “retratos”. Os detalhes, a capacidade de alguns artistas pintarem os olhos das pessoas que encomendavam seus retratos, a riqueza das vestimentas, me atraem. Logo em seguida, uma exposição sobre o Romantismo. Muito bem montada. Separada pelas características deste período artístico (natureza, exotismo, urbanismo, etc), as explicações eram claras e a grande maioria das obras impactantes. Tive o prazer de ver O Azul e o Rosa de Renoir de novo. Como é bom (re) conhecer obras de arte. O que achava que seria impossível, hoje, já acontece de vez em quando. Olhando à distância sei que é um Modigliani, um Lautrec, un Van Gogh, um Picasso. Claro que não ponho minha mão no fogo, mas não sou mais tão ignorante em artes plásticas e isso graças a pessoas que souberam me instigar, que foram generosas em repassar seus conhecimentos, sem a arrogância que tão seguidamente acompanha algumas outras, que fazem questão de dar esta ideia de que a arte é só para entendidos.  
Ainda lá no MASP vimos o processo de recuperação das obras do francês Poussin, um dos maiores representantes do classicismo do século XVII. Muito interessante. Tudo explicadinho. Passo a passo. Além das próprias obras. Ou seja, um verdadeiro antes e depois.
Minha cunhada, que acha que não entende de arte, fez ótimos comentários partindo única e exclusivamente de suas observações. Foi isso que aprendi com um artista plástico que até hoje é muito especial para mim: olhar as obras sem o compromisso de saber sobre elas, a explorá-las como só as crianças sabem fazer, sem preconceito, sem ideias preconcebidas, sem julgamento, sem compromisso. Aliás, havia um grupo delas sentada no chão do museu ouvindo, atentamente, as explicações da mediadora. Adoro quando isso acontece. Olhei para eles com interesse. A mediadora me olhou de volta e sorriu.
Precisamos lembrar que o objetivo da arte não é separar as pessoas em categorias, mas tocá-las, sensibilizá-las, provocá-las. Em função do mercado da arte e daqueles que se dizem especialistas, esquecemos disso. Aprendi, participando das Bienais, a andar pelos Museus de forma inquieta e curiosa fazendo minhas próprias descobertas e me permitindo não me interessar por algumas propostas artísticas sem me sentir estúpida por isso. Obrigar as pessoas a gostar de alguma coisa, só as afasta ainda mais, o que é, sem dúvida, uma pena. Nesta visita ao MASP, me deparei com uma palavra que não tinha a menor ideia do significado. Refiro-me a “palimpseto”. Prometi a mim mesma verificar o que era: palimpsestos são pergaminhos que, depois de lavados e raspados para apagar o texto primitivo, são reutilizados para outro texto; o próprio nome já diz: palim (Grego, “de novo”) e psestos (”raspar”).  Segundo o professor Claudio Moreno pode ser utilizado, metaforicamente. “A vida é um palimpsesto”. (Todos nós seríamos esse conjunto de inúmeras camadas superpostas, nem sempre visíveis a olho nu, que foram se acumulando ao longo de nossa existência; todos nós somos “palimpsestos”, escritos e reescritos continuamente). 
Passei batido pela exposição de Max Ernst. 184 colagens criadas pelo artista que foram reunidas no que foi chamado de “une semaine de bonté” (uma semana de bondade). Na descrição dizia que havia uma crítica cáustica e surrealista às convenções sociais da Europa do período entre guerras. Não me detive, mas percebia que cada uma poderia render longas discussões na mão de um bom mediador.
Antes de almoçarmos lá mesmo, vimos uma exposição chamada Festival do minuto. Onde as pessoas eram convidadas a enviar seus vídeos-respostas sobre algo em relação a cidade de São Paulo. O melhor receberia um prêmio de dois mil reais. Gostei mais da ideia do que dos vídeos que vi. Achei que é algo que poderia ser implantado por aqui.
Lá pelas tantas vejo um recado de uma das pessoas que faz parte da minha pesquisa de e que mora em São Paulo. Tínhamos pensado que seria uma oportunidade para nos conhecermos, já que desde 2008 quando comecei meu mestrado apenas nos falamos virtualmente. Faltavam poucas horas para eu sair da cidade quando conseguimos, finalmente, sentar para tomar um café. Nossa conversa comprovou uma teoria minha de que a virtualidade, embora não substitua os contatos pessoais, pode aproximar as pessoas e que a linguagem é, realmente, algo que nos permite encontrar gente que compartilhe das mesmas ideias. Foi rápido, mas muito interessante e agradável. Mais um bom momento desta viagem que para mim já  tinha sido perfeita. Não podia eu imaginar que ainda haveria mais.
Mal entramos no avião, começamos a ouvir um comissário com um sotaque carioca começar a dar os avisos de um jeito muito engraçado. Disse que o nosso voo seria de 40 minutos que passariam voando, literalmente. Ao falar das máscaras que cairiam caso acontecesse alguma coisa, completava com: assim eu espero. Assim como:  “Em poucos instantes nosso serviço de bordo estará servindo...toda nossa simpatia”. Ele não apenas dizia coisas engraçadas, mas tinha o tempo certo para fazer as pausas, exagerar a voz, etc. Dá para ter uma ideia acessando, como ele próprio sugeriu, o youtube e pesquisando por Ronald, o comissário.
Chegando no aeroporto, as pernas doíam e o sono era grande, mas, se o corpo demonstrava sinais de cansaço, sair da rotina, trouxe, sem dúvida, novas energias. Foram quatro dias sem ler jornal, sem acompanhar nenhuma roubalheira política, nem saber de nenhum ato de violência no Brasil ou no mundo. Alguém quer algo mais repousante do que isso?
Não estranhei as pessoas, não me sentir diferente daquele povo. Ao contrário, tinha a impressão de conhecer vários rostos até que, realmente, esbarrei em uma professora gaúcha amiga da família caminhando pela Paulista que estava de passagem com destino para a Turquia. O mundo é mesmo uma ilha.
Não, não cruzei a Avenida Ipiranga com a Avenida São João, mas alguma coisa aconteceu em meu coração. Com ou sem garoa, São Paulo, definitivamente, me conquistou.
Obs: Levei um livro para passear em São Paulo tendo em vista que ele até saiu da mala, mas  não li nem uma página.