Como todo mundo que se interessa
por psicologia, psicanálise, psicoterapia, acabei analisando as atitudes dos
meus pais na busca de explicações para coisas que aconteceram comigo. Passei
anos (que pareciam infindáveis) com problemas de autoestima. Embora já tenha
ouvido pelos parentes que, desde pequena, era extrovertida, falante, engraçada,
minha adolescência me levou, como geralmente leva, a crises profundas,
revoltas, vontades que iam, desde sair de casa a morrer, desaparecer da face da
terra.
Sim, eu me lembro de me sentir
sozinha antes disso. Por alguma razão, eu estudava em períodos diferentes das
minhas duas irmãs e do meu irmãos e ficava com as auxiliares em casa enquanto
os demais iam com os meus pais professores para a escola. Houve outras
circunstâncias semelhantes. Depois o sentimento de solidão tinha mais a ver com
o fato de não ser compreendida. Eu me sentia frágil, carente, quase todo o
tempo. Meus pais haviam sido criados por pais determinados, batalhadores, de
boa índole, amantes da ética e dos bons costumes. Associado a isso, vinha uma
ideia de que se estivéssemos limpos, saudáveis, alimentados era suficiente. Não
para mim. Eu queria mais. Só não sabia exatamente o que, nem como. Mas achei
que precisava buscar fora da família.
Talvez, por isso, já aos dez anos
tenha me apaixonado por um colega de classe. É claro que era platônico. Não,
nunca me declarei. Acho até que ele nem sabia. E aos 13 engatei em um namoro
com outro. Foi quando disse “eu te amo” para alguém pela primeira vez. Ah, e
ouvi também. Mas era tudo muito conturbado. Eu não me amava como alguém poderia
me amar? E o que eu devia fazer para sentir esse amor, acreditar nele? Isso
gerou muitos conflitos, a partir dos 18, quando não bastava ser bom moço para
me interessar e outros começaram a me querer também.
Nos últimos dias, me peguei, pensando
que, só recentemente, tenho ouvido, com mais frequência: “eu te amo”, dito
pelos amigos. E eu acabo duvidando, achando exagerado e não raro vem àquela
vozinha: “me ama porque não me conhece direito...”. Em seguida, percebo que
isso é falta de prática em ouvir essas palavras. Não posso dizer que faz muitos
anos que não digo. Vez por outra, faço uma força e deixo as palavras saírem,
sempre pensando que se ficar evitando, um dia, poderá ser tarde demais. Não é
fácil. Afinal, demorei muito tempo para valorizar o amor que recebi dos meus
pais mesmo sem eles saberem como expressar isso e acredito que, numa atitude
defensiva, passei a dar muito valor aos gestos, ao comportamento e menos a
essas palavras. Outro dia, pensava nisso enquanto segurava o meu cachorro
doente dentro do banheiro em uma tentativa de “nebulização” para ajudá-lo a
sair da crise respiratória em que estava. Se não fico dizendo que amo pessoas,
nunca digo que amo meus bichos, mas sempre me esforcei para mantê-los limpos,
alimentados e saudáveis. Será que basta? Bem, me acostumei a achar que sim, mas
se fosse totalmente verdade, por que me vem uma tristeza, uma melancolia quando
algo me traz à memória meu passado, uma época em que eu, não só amava, como
amava demais. Era bem sofrido. Então, por que essa saudade? Acho que é da
esperança de encontrar alguém para me dizer: “eu te amo”.
Daqui a alguns dias, faço 50
anos. Já está mais do que na hora de voltar a dizer “eu te amo” novamente.