Sempre morei em Porto Alegre.
Adoro a cidade. Quando escolhi o jornalismo sonhava em ser correspondente
internacional, mas não pensava em morar em outro lugar. Em verdade, só tive uma
oportunidade em Santa Catarina para exercer fora a minha profissão. Não quis.
Mas, era comum eu dizer que se tivesse que morar no interior seria Santa Maria,
conhecida como o coração do estado. Não conhecia muito a cidade, mas, nas
poucas vezes em que fui, percebi uma energia boa no ar. A juventude, associada
ao desejo de conhecimento, era uma mistura que tornava o lugar especial. Muitos
eventos culturais, muitos cursos e, é claro, muitas festas, muitos bares
charmosos e agradáveis, locais de discussão dos mais diversos temas e diversão.
Por tudo isso, tinha ainda mais
interesse em acompanhar desde cedo as informações sobre a tragédia deste Domingo, 27.
Como tenho hábito de acordar e ir olhar o Facebook já havia alguém comentando sobre o incêndio na boate Kiss mas ainda não dava para ter ideia da gravidade.
A partir de então, foram surgindo novos dados, comentários, informações
diversas. De crônicas a solicitações de auxílio. Não liguei o rádio, nem a TV.
Perdi esse hábito. Estou cansada da maneira como a imprensa trata as notícias
no dia-a-dia e em como conduzem as pessoas a falarem só sobre tragédias e
violência todo o tempo, imagina uma hora dessas... Na rede social, os dados
também chegam e, a meu ver, de uma forma mais reflexiva, atenta, afetiva e por
fontes que eu tenho melhores condições de avaliar a veracidade, a confiabilidade.
As opiniões vão se somando e eu posso tirar minhas próprias conclusões. Não sou
induzida por uma linha editorial sanguinolenta. Sendo assim, fazia muito tempo
que não assistia o Jornal Nacional. Nessa segunda, depois de ler uma publicação
no Facebook que sobre a presença de “estrelas” do jornalismo na cidade, resolvi
encarar. Logo de cara, comecei a me emocionar, a ficar angustiada, mas tomei
uma decisão: assistir analisando o trabalho jornalístico.
Willian Bonner provou que sabe
entrar ao vivo. Não titubeia. Também não esperava menos de alguém com toda a
sua experiência. As matérias mostram os jornalistas indo atrás de várias
fontes, dando ênfase a vários aspectos que o tema abrange. Os recursos
tecnológicos permitem avaliar diversos ângulos das principais dúvidas
levantadas. Os repórteres, no entanto, insistem em forçar reações emocionais
dos entrevistados. É sempre assim, embora eu não lembre de ter aprendido isso
na faculdade (e posso garantir que não era de faltar as aulas). O objetivo? Eu
não ainda não sei. As pessoas dizem que é pela audiência. Isso quer dizer que
está cheio de gente em casa querendo ver pela televisão o sofrimento alheio? Prefiro
acreditar que é despreparo mesmo. Incompetência. Conclui que o próprio curso de
comunicação deveria aprofundar a forma de abordar esses momentos, criar regras,
impor limites. Ou de nada adiantará todos os recursos, jatinho, computadores de
última geração. Estarão sempre pondo tudo a perder e merecendo todas as
críticas e o deboche que recebem. Foi assim com os integrantes da banda.
O depoimento de um dos artistas pode
ser criticado pelos parentes e amigos, mas posso imaginar o que ele quis dizer
quando falou que pareciam animais. Tenho para mim que se não praticarmos ações
menos egoístas em horas calmas não vai ser no pânico que vamos ajudar quem está
querendo achar uma porta da saída. Os peritos ainda vão definir melhor tudo.
Mas, embora existam queimados, já sabemos que foi a asfixia que matou a maioria
das vítimas e... gente que caiu, foi pisoteada, o fato de terem sido
encurralados buscando uma forma de sair.
Culpados? Eu tenho pavor de “caça
às bruxas”. Acho que as pessoas são totalmente irracionais nessas horas. Considero
que prender aqueles que estão sendo apontados como responsáveis é uma maneira
de protegê-los, nesse momento. Tenho medo das pessoas que acham que devem tomar
a justiça com as próprias mãos e não estou falando dos familiares e amigos.
Fora isso, foi uma tragédia, mas
não uma catástrofe e mesmo assim, apesar de todos os esforços, de toda a união,
há muitas falhas na hora de socorrer as pessoas. Muita informação desencontrada
e fico simplesmente apavorada quando vejo lista de necessidades que vão de água
ao papel higiênico. Por que estamos tão despreparados? Afinal, estamos falando
de um evento localizado, com um número grande, mas muito inferior à população
geral da cidade, do estado e infinitamente menor do país. No entanto, é um corre-corre absurdo para resolver
grandes e pequenos problemas. Então, é verdade. Podemos ser dizimados a
qualquer instante por algum fenômeno da natureza, crise de energia, etc,
tornando reais as profecias?
Não acredito no acaso. Não acho
que a morte dos jovens tenha sido “causada” pela negligência. Minha crença é
outra. Mas atenção: não estou dizendo que tudo deva ficar por isso mesmo. Muito
ao contrário. Quero que se aprofundem muito em todas as questões, estudem a
fundo o que pode ser feito diferente. Façam tudo para impedir novas tragédias
como essa porque, como já foi dito muitas vezes, existem milhares de lugares em
circunstâncias semelhantes a esse de Santa Maria. Provavelmente, entrarei em um
amanhã. Quanto às questões
jornalísticas? Apesar dos exageros e
dessa tendência macabra de expor desgraças, a imprensa tem trazido à tona
muitas discussões, investigado muitos fatos que de outra forma ficariam
ocultos. De uma forma, meio torta, prestam um serviço à sociedade que tem ido muito
além da informação.
Quanto a Santa Maria? Jamais será
a mesma. Ela já não é. Mas sei que a dor também une as pessoas e essa união se
transforma em uma força que todos vão precisar para enfrentar a tristeza, a
saudade. Acredito que, aos poucos, a cidade vai renascer e que no lugar do eu,
do tu, do dedo em riste, o que vai importar vai ser o “nós”. Não vai ser
amanhã, nem mês que vem, mas as ruas vão voltar a ter aquele som de risadas e
gente falando alto e música, todos aqueles ruídos da alegria quando se
manifesta e eu espero que os jornalistas neste dia voltem para ver a cidade eu
sempre achei que valia a pena morar.
Obrigada por me devolver um pouco a razão neste momento difícil para todos. Sem conhecer nenhuma das vítimas, também choro a perda de tantos pais, com quem me solidarizo na dor.
ReplyDeleteDe todos os artigos que li sobre este assunto, de longe, o melhor, o mais analítico e coerente; PARABÉNS, Helena!