Thursday, October 22, 2015

Planeta (sem) água

Andava prometendo ir aos shows do Dudu Sperb há algum tempo. Sempre acontecia alguma coisa. Hoje, estava decidida. Tanto que caiu a maior chuva bem na hora de sair e eu fiz de conta que nada havia acontecido e lá nos fomos, eu e minha irmã Ana Maria Mello. Pouca gente na plateia, o que era de se esperar. Mas, sempre penso como o ego dos artistas precisa ser forte para não se deixar afetar. Têm os ensaios, a preparação toda e, na hora, podem aparecer...dois. Felizmente, tinha mais e foram chegando outros. Ao olhar o repertório, não identifico várias músicas, mas, basta ele começar a cantar para eu reconhecer quase todas. E logo me dou conta porque estou ali. Porque vale o esforço. Dudu canta de um jeito especial. Tem um timbre muito interessante e o carisma e uma gentileza com a plateia... Mas, vou confessar: no início, eu estava implicando com os defeitos da parede do Solar dos câmara, que bem lembra um salão parisiense, e com a cor da camisa dele. Queria algo mais vibrante que combinasse com o seu charme. Mas, na terceira música, já estou totalmente seduzida e não dando a mínima importância a nada disso.
Nesse show, que comemora os 12 anos de parceria com Toneco Costa, tem músicas do Chico, do Caetano e outras tantas cantadas pela Elis. Ou seja, tem que ser realmente bom para cantar canções de gente tão incrível e assim mesmo impressionar. Mas, Dudu Sperb faz parte desses cantores que interpreta. De olhos fechados, ele demonstra no rosto que sente cada palavra. Cheguei a pensar se ele ensaia diante do espelho. Provavelmente não. E mesmo que o fizesse, ele canta muito de olhos fechados. Coisa que, aliás, deu muita vontade de fazer, ao escutá-lo. Sua voz relaxa, afaga. E, de vez em quando leva a mente para longe. Eu pensei na minha amiga Andrea Bettina Enrich Bittencourt enquanto ele cantava: “eu faço samba até tarde e tenho muito sono de amanhã”. E também em outro amigo do Uruguai, o Gustavo González Zeblis por causa das músicas cantadas em espanhol como “Esta tarde vi llover” que eu não conhecia e me emocionou. Ah, essa língua tem algo de especial... Depois canta Cuesta Abajo, que eu ouvia muito, cantada pelo Caetano. Aliás, descobri que a Elis tinha algo em comum comigo: era totalmente fã do cantor baiano. E já comentei por aqui que fiquei muito impressionada quando soube que um dos autores de Moda de Sangue, tão lindamente interpreta pela Elis, é um gaúcho, o Jerônimo Jardim. Já quase no final, Dudu canta “Todo o sentimento” que fala no tempo da delicadeza. Queria tanto que esse chegasse logo... E para encerrar, Dudu Sperb interpreta nada mais, nada menos que Roberto Carlos e canta As curvas da estrada de Santos e só posso concordar com ele que disse que a música é outro planeta. Tanto é que, ao sair na rua, me dou conta de que havia esquecido completamente do tempo tenebroso lá fora. O que mais uma vez prova a capacidade da música de nos aquecer por dentro e nos transportar para outro lugar. No tempo que levou 16 canções, eu estive em um local em que não chovia, isso já seria o suficiente para me fazer sair de casa, mas, foi mais e a Maria Elisa Wilkens Rodrigues Rodrigues que estava lá também pode confirmar.
PS: O vídeo não é do show, mas a camisa é a mesma. :) 
https://youtu.be/GnUw_FZC4rY

Wednesday, September 09, 2015

O vazio político em cena


Primeiro pensei nos equívocos que poderia cometer ao escrever sobre um texto que tão pouco conheço.  Uma das obras de Shakespeare, meu autor preferido, que ainda não li. Mas, afinal, o teatro exige conhecimentos prévios ou a pessoa que vai assistir deve compreender o que acontece em cena mesmo que seja a sua primeira vez na plateia? Enquanto me questiono sobre isso, resolvi comentar sobre o espetáculo que assisti ontem. Não há dúvida de que os atores Caco Ciocler e Carmo Dalla Vecchia são capazes de bem interpretar o texto dando vida, inclusive  a mais personagens.  Entretanto, apesar da competência do elenco enxuto, estranho a proposta cênica do diretor Roberto Alvim para Ceasar. Minimalista, eu diria. Quase nada de cenário. Um figurino austero, todo negro. Há poucos dias, eu comentava sobre as radionovelas. Essa peça me trouxe novamente à lembrança. Ficaria extasiada se apenas ouvisse o espetáculo.  Ao ver, porém, os poucos gestos dos atores não me tocam. Os deslocamentos são contidos, partituras. A fala dos atores é cheia de nuances. Mas, assim como murmurar por muito tempo ou gritar por vários momentos torna exaustivo para quem assiste, oscilar entre esses dois, também pode causar um desconforto que não me parece proposital.
Há um jogo de luz e sombra interessante. Coloca ou retira os atores da cena.  Sublinha, ofusca ou suaviza. Mas daquela limpeza toda de elementos, de repente, uma vela parece ser um dos poucos itens a trazer algo que elimine a ausência de tudo. Mas, também me dá a impressão que destoa de todo o resto. Assim, como o acender dos charutos.  
É bom um teatro que dê tanto valor ao texto. Ainda mais de um autor que parece ser tão preciso em cada palavra, porém, essa escolha de deslocamentos ríspidos não me conquistou. Essa limpeza de movimentos tão radical deixou, a meu ver, o texto frio, mesmo que fale de conspirações e assassinatos. A música é o elemento mais teatral do espetáculo.  A trilha sonora de Vladimir Safatle executada ao vivo no piano é um personagem. Ela dá dramaticidade, suspense, suaviza e quase agride, provocando diversos momentos de tensão. Quem diria que o simples fechar de um piano repetidamente pareceria quase um tambor? Em determinados momentos, chega a roubar a cena, eu diria. Cena esta que quase não existe.
Engana-se, porém, quem pensa que com isso, quero dizer que não valha a pena assistir. O teatro estava lotado e os aplausos do final garantem que a plateia não está de acordo com as minhas impressões. O teatro sempre significará coisas distintas, provocando sensações e opiniões diversas para quem assiste. Assim deve ser a arte. Assim deve ser a vida.


Thursday, May 21, 2015

Só um Chapeleiro maluco poderia trazer o Big Ben aos palcos de Porto Alegre



Minha proximidade com Igor Ramos começou justamente em uma apresentação do Teatro Aberto. Bem na hora em que o seu grupo apresentava, com o teatro Renascença lotado, falta luz. E a peça era boa. O Magico de Oz estava em ótimas mãos. Os atores divertindo a plateia, emocionando. Ninguém queria ir embora. Foi um momento tenso. Lembro da atriz que fazia a bruxa aos prantos. Mas, eles fizeram algo muito difícil: a luz voltou e eles terminaram o espetáculo. Desde então, passei a prestar mais atenção no trabalho dele. Acabamos amigos e ele sempre me convida para ver o que está fazendo. Hoje, fui assistir O Chapeleiro Maluco, no mesmo evento do ano em que nos conhecemos. Sim, eu vou para gostar. Mas, não saberia fazer isso forçadamente. Acontece que o trabalho do Igor tem um cuidado e um capricho que são especiais e que ficam evidentes neste espetáculo. Pode ter quase nada de cenário. Mas, uma tábua vai ser uma mesa e vai ser também o Big Ben. Isso mesmo. Aquele relógio inglês, ponto turístico da cidade. Acontece que o Grupo Leva Eu se dedica ao básico do teatro, a uma história bem contada, a autenticidade dos seus atores Juliana Johann, Josué Fraga e Alessandra Souza que são harmônicos e revelam a potência do teatro feito sem protagonismos e com poucos recursos. Como havia muitas falas em inglês (embora fossem traduzidas) tive dúvidas da compreensão. Mas, a reação do público demonstrou que isso não chegou a ser uma barreira. Aliás, as crianças que lotaram a sala deram uma aula de comportamento. E é na criatividade de usar uma luz estroboscópica para mostrar a passagem dos personagens por um local desconhecido, no jogo entre o imaginário do espaço delineado pelas falas e atuações e o realismo de uma xícara de chá que vai parar na mão do público, que O Chapeleiro Maluco vai se mostrando um teatro infantil que respeita quem vai ao teatro. Assim, eles conseguem comprovar, mais uma vez, que o teatro é uma das artes mais criativas que existe. Que, se bem feito, pode nos fazer viajar de Porto Alegre à capital da Inglaterra em segundos.  E por respeitar todo esforço que significa levar ao palco um trabalho assim é que eu não vou indicar aqui os poucos pontos que eu acho que poderiam melhorar e não faço isso, também, porque o diretor tem a humildade de dizer que está aberto as minhas considerações e reage ao meu comentário dizendo que estava, justamente, querendo esse olhar de fora. Assim, não preciso enfatizar algo que, provavelmente, já estará diferente nas próximas apresentações. Essa atitude traz à tona uma das características mais importantes do teatro que, como arte viva, é diferente a cada representação e, ao contrário do cinema, pode ir se construindo a partir da experiência e do público, garantindo o verdadeiro sentido do Teatro Aberto e de um diretor amigo. 

Sunday, May 03, 2015

Abobrinhas com novos recheios


Já escrevi antes sobre este espetáculo, mas, a bem da verdade, o que vi hoje não era a mesma coisa. De qualquer forma, é um novo desafio escrever sobre Abobrinhas recheadas. Porque se engana quem pensa que é só de humor que se trata o que é colocado em cena. É uma linguagem que eu ainda não havia lido nada sobre ela. É em cima da mímica, mas vai além. Lembra algumas brincadeiras de criança e, se traz a música da Velha a fiar, o que vemos no palco é um exercício de sincronicidade, de trabalho em conjunto que faz com que a plateia lotada, logo perceba que é uma cena que merece ser fortemente aplaudida. E, se outros espetáculos ou atores, acham difícil conquistar o público, Diego Mac faz isso desde o começo. Daniela AquinoDenis Gosch, Joana Amaral e Nilton Gaffree são de uma eficiência perturbadora, pois, não raro, não sabemos a quem prestar mais atenção. E os números apresentados vão da sutileza da música de Adriana Calcanhoto ao caos de Renato Russo. E, enquanto assisto a expressividade dos gestos e movimentos faciais de Daniela Aquino, Denis Gosh e Nilton Gaffre penso que seria ótimo se a cantora pudesse vê-los, pois, as escolhas feitas acrescentam novos sentidos à música. Um repertório eclético, cômico, romântico, brega, onde só eles conseguem me fazer ver alguma utilidade em uma música que diz “vou te amarrar na minha cama”. Não vou fingir que tenho competência para analisar exatamente o que está por trás do que faz rir as pessoas presentes ou de alguém gritar “bravo” para a ação dos atores/bailarinos sobre uma música das mais simplórias. Mas, ao mesmo tempo, é muito claro para mim que existe um forte trabalho de pesquisa para chegar naquele resultado. Algo que pode partir do improviso, mas que acaba colado em cada palavra, como se a única forma de expressar aquele sentido fosse aquele gesto e não milhares de outros possíveis. E, justamente quando eu estou pensando que seria bom se o Abobrinhas começasse a fazer como o Tangos e Tragédias e convidar alguém para a plateia, Joana Amaral faz uma linda interpretação de Feito picolé ao sol, do Nico Nicolaiewsky e sou pega pela emoção. Como posso sentir saudade de alguém que nem conheci? Mas, é exatamente o que os artistas fazem conosco. E aqui eles trazem essa harmonia entre os integrantes e, ao mesmo tempo diversidade. E isso é explorado da melhor maneira nos “números” individuais e nos feitos pelo grupo. Espero que os alunos do Departamento de Artes cênicas da UFRGS tenham tido a oportunidade de ver sua professora em cena e observar a capacidade dessa linda mulher ser tão expressiva e cômica. Denis Gosch é, para mim, o nosso Philip Seymour Hoffman e isso é uma das coisas que me faz pensar que essa forma de interpretar as músicas deveria percorrer não apenas o Brasil, mas ir lá para fora, mostrando o que está sendo feito por aqui. E, como se meus pensamentos também fizessem parte da apresentação de hoje, o grupo encerra com uma música em inglês e a distribuição de Bis (o chocolate) para a plateia que aplaude com prazer. De minha parte, quero uma vida longa ao Abobrinha. A ponto de quando eu procurar uma imagem no site de pesquisa, não me venha a receita do alimento, mas a foto desse grupo cheio de talentos.

Tuesday, January 20, 2015

Libertando-se do papel da mocinha

Fui ver Livre no Domingo e não tinha escrito nada porque, embora tenha gostado do filme, não achei impactante. Mas, vi comentários por aqui e me deu vontade de escrever sobre ele também. Já tinha ficado impressionada com Reese  Witherspoon saindo do papel de bonitinha e romântica para papéis fortes no filme Uma boa mentira, onde ela faz um personagem que recebe refugiados da África. Mesmo tendo sido vencedora do Oscar em Jonhy e June, ela vinha presa a comédias românticas. O que, certamente, não é o caso de Livre, onde achei ela bem, porém, uma das coisas que saí me perguntando é se uma outra atriz no papel não teria transformado o filme em algo que me atingisse mais profundamente. Até porque se trata de uma superação de uma vida de dramas. E, o que me faz questionar ainda mais sobre isso é  que Laura Dern está incrível no papel de sua mãe, totalmente convincente e impressionante em todas as cenas e isso que ela nem aparece tanto assim. Meu sobrinho achou curioso eu fazer essa reflexão. Disse que não costuma sair pensando como seria se um outro ator estivesse em um determinado papel. Bem, pois eu, não fazia. Agora, faço. Acho que faz parte do meu processo de entender a diferença entre atores/personagens, o que até pouco tempo ainda estava muito vinculado.  De qualquer forma, o filme tem muitos méritos já que o fazer com que o espectador fique acompanhando com interesse alguém em uma trilha não é algo fácil e eu, pelo menos, não achei nada monótono. Ponto para o roteiro (baseado em uma história verídica de Cheryl Strayed do livro Wild). O fato de ser um filme basicamente ao ar-livre garante a beleza da fotografia e não tenho dúvidas de que existe uma mão firme de direção. Não saberia dizer quem poderia substituir a Reese Witherspoon. Ainda não me ocorreu. E, volto a dizer, que aplaudo o fato dela estar indo além dos personagens que havia feito até então. Não tenho dúvidas de que foi um imenso desafio até porque o filme é totalmente calcado nela, na sua atuação. Talvez seja o caso de deixá-la amadurecer em personagens dramáticos para que possa, um dia, me arrebatar