Sunday, November 22, 2009

O Vendedor de Palavras: o conforto de um bom espetáculo




Teatro de rua, a princípio, não é confortável. Pode ser ótimo, pode ser divertido, mas confortável, não é. Porém, de nada adianta estar na melhor poltrona do teatro perfeito se o espetáculo não presta. Vamos acabar dando a qüinquagésima olhada no lustre para nos distrairmos. Aliás, era este o número de apresentações de O Vendedor de palavras, espetáculo de rua a que fui assistir no Parque Farroupilha.
Para mim, estar ao livre é sinônimo de liberdade. É verdade que em Porto Alegre não é fácil o clima não atrapalhar. Se não é a chuva,  é um calor úmido bem desagradável. Pior ainda para os atores que até o último minuto não sabem se vai ser possível apresentar o espetáculo. Mas eles estavam lá. E, diferente do que eu imaginara, com cenário a ser montado. Poucas coisas, mas com uma característica que eu aprecio muito: objetos que se transformam em outros. Então, em poucos minutos estávamos olhando para uma estante cheia de livros que iria se transformar em um píer. Outros pequenos detalhes e as cenas estavam completas.
O nome do espetáculo, para mim que sou jornalista, já me atraia muito. Atiçava minha curiosidade. Haveria um jeito de pagar minhas dívidas só com palavras? Não precisaria ser contratada por uma grande empresa? Ser escritora? Bem, teria que pagar para ver, quer dizer, neste caso, só ficar para ver já que não cobravam nada. A peça é baseada na crônica de Fábio Reynol, jornalista também. Provavelmente por isso eu tenha gostado da idéia.  
Levei o afilhado de minha irmã comigo. Ele não tem ainda o hábito de ver teatro, então, me perguntou quando começaria o show. Eu expliquei que não era um show. Que era um espetáculo. Uma palavra que também serve para show. Mas que nós íamos ver uma peça. É... usar as palavras não é assim tão fácil. Ainda mais, quando logo no início, um dos atores fala justamente que vai fazer um “show de teatro”. Fui desmentida.
O Vendedor de palavras começa com certa improvisação, chamando o público com música. Uma melodia agradável e comunicativa. Aos poucos vai sendo contada a história. Uma? Não várias. A dos avós, a dos pais e a do menino protagonista e sua amada. Dois atores fazem todos os personagens: Carlos Alexandre e Fernanda Beppler. E é um prazer ver que nenhum se destaca. Ambos são ótimos em cena. Confesso que me divirto muito com o sotaque alemão da Fernanda. Com certeza não é fácil manter esta fala diferenciada de um jeito tão bem feito, ainda mais quando se faz mais de um personagem. Já conhecia Carlos Alexandre da Comédia dos Erros, então, quando o vi, sabia o que podia esperar.  Seus personagens são carismáticos e convincentes. Desculpem. Não sei falar de atuação sem usar adjetivos. Talvez, se eu pudesse comprar algumas palavras... Pronto! Nem achei clientela para vender as minhas e já estou pensando em comprar! Era só no que eu pensava quando começaram a oferecer o significado de “histriônico” a cinqüenta centavos. Claro que eu queria. Ainda bem que lá pelas tantas do espetáculo a palavra foi revelada. Por isso, passo adiante também de graça. Histriônico é engraçadinho!
As mudanças de figurino acontecem diante de nós. Nem por isso, eles deixam de nos convencer. Ao contrário. Todos os personagens estão definidos. São divertidos e inteligentes. Preciso dizer que adoro esta combinação. Algo que faça rir e pensar ao mesmo tempo, não é perfeito? E é justamente o que fazem algumas falas como: “Por que eu sozinho vou ler para o mundo se o mundo inteiro pode ler sozinho?”
A coordenadora do Instituto Estadual de Artes cênicas, Rosa Campus Velho, estava lá e agüentou firme os 40 minutos de espetáculo. Espero que ela tenha achado que valia a pena. Eu saí com uma palavra a mais e com certeza muito mais pensamentos. Bom, acho que devo dizer que histriônico pode ser também bobo, ridículo, comediante, charlatão...Desta vez, vou doar as minhas palavras, mas na próxima...
O vendedor de palavras é o primeiro espetáculo do Grupo Mototóti e foi contemplado com o Prêmio FUNARTE de Teatro Myriam Muniz 2008 – Ministério da Cultura.


Concepção e Atuação: Carlos Alexandre e Fernanda Beppler
Direção: Arlete Cunha
Dramaturgia: Rodrigo Monteiro
Trilha Sonora Original: Fernanda Beppler
Cenografia: O Grupo com a colaboração de Zoé Degani
Máscaras e Boneco - criação e confecção: Paulo Martins Fontes e Eduardo Custódio
Figurinos: Coca Serpa
Desing Gráfico: Carlos Alexandre
Produção e Realização: Grupo Mototóti



Wednesday, November 04, 2009

O vestido rosa-choque que parou uma universidade



RUTH DE AQUINO

RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br
Um microvestido rosa-choque que deixava entrever a calcinha parou uma universidade paulista na quinta-feira dia 22 de outubro. A excitação causada por uma estudante de turismo de 20 anos, ao subir a rampa, incendiou o campus: cerca de 700 alunos e alunas ficaram histéricos a ponto de o coordenador do curso pedir a Geyse que fosse embora, com um jaleco branco cobrindo seu corpo. A PM a escoltou e usou spray de pimenta para afastar a multidão ensandecida que a xingava de “p...”, “p...”.
As imagens, gravadas por celulares dos alunos, foram parar no YouTube na quarta-feira dia 28. O vídeo provoca constrangimento pela violência e pela hipocrisia. A turba ignara de universitários é a mesma que baba ao dar chibatadas em adúlteras nos estádios em países muçulmanos fundamentalistas.
A estudante pivô das cenas dantescas, incompatíveis com uma universidade que deveria ser um centro de tolerância, se apresenta no Orkut como “Michele” ou “Loirão”. Mora com os pais, um irmão e duas irmãs em Diadema, na Grande São Paulo. Estuda à noite. Está no 1o ano. No dia do tumulto, chegou à Universidade Bandeirante, campus de São Bernardo, depois de uma hora de ônibus. O pai, supervisor de serviços, paga a faculdade: R$ 310 por mês. A mãe é dona de casa.
Dias depois do tumulto, começou a circular na faculdade um rumor forte. Segundo colegas, a estudante, nas horas vagas, trabalharia como prostituta ou atriz pornô. Seria uma das estrelas conhecida como Babalu Brasileirinha, bissexual e bilíngue, disponível 24 horas por dia. A “Michelle” do site (mesmo nome divulgado pela estudante em seu blog pessoal) tem 1,69 metro de altura, 58 quilos, 90 centímetros de busto e 96 centímetros de quadris. Ela anuncia seus serviços em siglas inglesas intraduzíveis numa revista familiar de notícias.
Acessei o site e assisti aos vídeos. Eles são hard. Os olhos, o nariz e a boca se parecem muito com os da estudante. Mas pode ser uma sósia. A história de que a estudante seria prostituta foi encampada em comentários na internet recebidos por epoca.com.br. Uma assessora da faculdade comentou comigo ao telefone que “tudo isso está parecendo uma promoção pessoal”. Se estiverem difamando Geyse, ela terá sofrido um duplo ataque.
As imagens da humilhação pública da estudante foram
parar no YouTube. Nada justifica os ataques de ódio
Mesmo que fosse de fato uma atriz pornô, isso não serviria de atenuante para os atos de covardia e preconceito ocorridos na Uniban. Seus colegas disseram que ela não vestia trajes apropriados para uma universidade. Hoje, é impossível definir “traje apropriado” para universitários. Na PUC – universidade católica – do Rio de Janeiro, moças andam de shortinho, microssaia, top com ou sem sutiã, rapazes desfilam de bermuda, camisa regata, sandálias havaianas. Tem muito corpo de fora nas universidades e isso nunca foi motivo para ataques de ódio.
Sabe-se que garotas de programa estão “infiltradas” em diversos estabelecimentos acima de qualquer suspeita. O que determina a explosão de intolerância? A grife do vestuário? A cor? Rosa-choque é brega? Os alunos disseram que a moça rebolava. É proibido rebolar?
Digamos que Geyse fosse ousada demais. Se a loura com maquiagem de noite e unhas vermelhas chocasse seus colegas pela aparência, uma reclamação formal na diretoria pedindo discrição talvez fosse suficiente. Mesmo assim, muito estranha num país que cultua a nudez e se diz liberal.
Inaceitável foi o motim moralista que fez a faculdade parecer o presídio do Carandiru. Em catarse coletiva, centenas de jovens brandindo celulares urravam nas rampas, pulavam muros, gargalhavam, jogavam papel higiênico no pátio central. Sem a PM, Geyse corria risco de ser linchada fisicamente.
Os agressores – que espalham que a estudante seria atriz pornô – devem ser os mesmos que visitam sites adultos e se valem dos serviços de prostitutas. Só não as querem jamais sentadas na carteira ao lado.
A estudante ficará traumatizada? Ou célebre e rica? Geyse pode ganhar indenização, escrever um livro, posar para a Playboy e inspirar um filme. Esta é a vida como ela é.

Monday, November 02, 2009

Um fim com cara de recomeço

Último dia – tema Arte e convergência das Mídias
Tom Zé entra no circo. As poucas pessoas que já chegaram, enfrentando novamente o calor, batem palmas, gritam. Rápida abertura e a palavra vai para ele. Ao  invés de começar a discursar, ele comenta a distribuição no espaço. Reclama da separação entre o palco e a platéia, da distribuição das cadeiras até dos óculos escuros de Alcione Araújo. Diz que estes criam uma separação. Com o que eu concordo profundamente. Não tem coisa mais irritante para mim do que ver um apresentador de TV de óculos escuros. Eu nunca esqueço de tirar os meus quando falo com alguém pela primeira vez, não importa se o sol me ofusque.
Tom Zé faz todos trocarem os lugares. Mexe nas cadeiras. “Assim fica mais alegre para as pessoas”.  Ao perceber um certo burburinho,  diz que as pessoas têm que saber que tem dia bom para falar e dia bom para ouvir e que aquele era um dia bom para ouvir. Comenta que viu os currículos das pessoas no site, ficou impressionado e decidiu que vai ficar tomando nota do que eles vão dizer (que nem eu).  Assim, a palavra vai para Alckmar Santos.
Alckmar é daqueles que consegue transitar entre as áreas exatas e humanísticas. Tenho uma certa inveja. Formado em engenharia eletrônica, fez mestrado em teoria literária e doutorado, adivinhem onde? Paris. E Julia Kistreva foi a sua orientadora. É...Tom Zé deve ter mesmo razão. Mas o calor tá pegando e vendo o número de folhas que ele tem nas mãos fico um pouco apreensiva. Acho que lendo meus pensamentos, ele comenta: “trago várias folhas, mas só vale mesmo a primeira”. Ufa! Começa a falar de um conceito interessante: o atraso do progresso. Diz que muita gente fala da saturação tecnológica e tenta discutir se é bom ou é mau. Se a exposição avassaladora a que estamos sendo submetidos é benéfica ou nociva. No entanto, diz ele, não se trata disso. Sempre foram os dois. Segundo ele existe, os tecnólogos positivistas que ignoram que os estrangulamentos que a grande quantidade de informações vêm provocando, assim como, em contrapartida, tem o discurso catastrofista. Para ele, a causa dos atrasos ao progresso é a paralisia diante de tantas informações, a acumulação. (Cai um microfone. Tom Zé vai lá e junta). “Está muito difícil falar de gêneros literários”. Há muita coisa acontecendo, muitos tipos distintos que dificultam o trabalho didático. Com medo de extrapolar seu tempo, ele decide parar por aqui.
É a vez de Constanza Mekis. Esqueçam tudo que vocês pensavam que sabiam sobre uma bibliotecária. Vemos no palco dois bonecos grandes de pano. Ela fala em espanhol o que não me ajuda muito, principalmente, quando o calor rouba de mim grande parte da minha atenção. Mas não importa. Na medida em que ela vai mostrando os slides sobre como auxiliar, programar, facilitar a leitura ela vai trazendo outros elementos. Uma “Julieta” sob ao palco e procura o seu Romeu. Pouco depois, ela pega um acordeon (ou sanfona, não faço a menor idéia da diferença) e toca a música “Meu coração...não sei por que....” Só que a letra está mudada e fala sobre o professor não saber integrar a leitura. Vai trocando de música. As letras alteradas falam de livros, de leitura, etc. Uma show-woman. Mamãe eu quero agora é Leer yo quiero! Mais um pouco e ela aparece com uma bola, onde em cada “gomo” tem um poema e sugere que o professor de educação física possa trabalhar também a leitura. Ela é a prova viva de que não importa o que a gente faça, desde que ame, vai fazer bem. Parece satisfeita por que estão pensando, agora, não só em implementar as bibliotecas, mas também mantê-las. Falando, assim, em sustentabilidade. Não satisfeita, aparece com um pão e entrega para a coordenadora do evento e diz: “teremos que ler como se come, todos os dias, até que nos faça crescer”. Eu já estava impressionada com a performance dela, mas ela ainda parte para a dança. Tenta tirar os demais do palco para acompanhá-la. O único que aceita é Alcione Araújo que, por sinal, não faz feio.
A próxima a falar é Emily Short. Uma moça vestida de preto (ai, que calor) cujo tema é Ficção interativa. Traduzindo: uma história da qual o leitor pode participar. Os leitores recebem instruções para saber o que fazer. “Temos um novo tipo de contação de história. Não sabemos ainda o que acontecerá com tudo isso no futuro. Não vai ser literatura, não vai ser romance, não vai ser filme, nem jogos, mas algo novo, mas será algo que terá tanto valor quanto às outras formas de arte”. Emily diz que é um erro esperar a mesma coisa. Explica que para criar estas novas propostas, sempre é usada uma mais antiga. Mas que quando estas amadurecerem não vão mais precisar destes modelos. “As grandes histórias do futuro ainda não estão aqui”. Os leitores devem confiar que o autor levará a algo interessante, diz ela. Mesmo que a escolha leve a um final infeliz, este terá um significado. O leitor se perguntará: o que é permitido que eu faça? Quais as escolhas que tenho? Começa a apresentar um exemplo chamado Photopia. Pessoas estão em um carro e o motorista está bêbado. Causam um acidente e uma morte. O leitor ao perceber o que levou a esta situação decide jogar novamente, tentando fazer as coisas serem diferentes, melhores. Porém, ele não sabe que não importa o que faça, ele não conseguirá impedir a batida. A história não tem um objetivo moral. Ao contrário, quer mostrar que é impossível evitar o acidente, não importa o que ele faça. A história só termina quando ele aceita o inevitável. Quando para de tentar mudar o rumo dos acontecimentos. Outra história que ela apresenta se chama Faith. Uma rainha está esperando um bebê e este irá morrer devido a ações da corte. O leitor poderá tentará impedir, mas perceberá que cada ação tem um preço. Que não há como proteger o bebê sem causar danos a outras pessoas. Ele terá que mentir, trair e, às vezes, matar. A questão que se impõe nesta ficção interativa é até onde é aceitável agir para tentar proteger uma vida? Qual sofrimento é pior? “A interação encoraja o leitor a pensar sobre suas crenças.” Para cada leitor a história é diferente. Este tipo de obra não representa a morte do autor. Não é um substituto do livro. A ficção interativa permite uma relação sem igual em outras mídias. “Isto também deve ser arte”. Pareceu bastante interessante o trabalho que Emily desenvolve, por isso, divulgo o site dela para quem deseje maiores informações: www.emilyshort.com
O próximo a falar é Pedro Bandeira. Começa dizendo que é impossível, hoje, dizer: eu acompanho tudo que está acontecendo, que nem os jovens estão conseguindo fazer isso. Diz que para falar sobre as discussões sobre os avanços tecnológicos vai começar por uma parábola e conta a seguinte história:
Há muito tempo, um rico mercador grego tinha um empregado chamado Tim, um escravo sem grande força ou habilidades, mas com uma sabedoria singular.
Então, um dia, o rico fazendeiro, quis colocar à prova as qualidades de seu empregado. E disse:
– Toma, Tim. Aqui está esse saco cheio de moedas. Corre ao mercado e compre lá a pior comida que houver, seja o que for, para um banquete. Mas, não tentes me enganar.
Pouco tempo depois, Tim voltou com um prato coberto por um pano e o pôs sobre a mesa. Quando o mercador levantou o pano, ficou surpreso:
– Língua?
Tim baixou os olhos e respondeu:
– A língua, senhor, é o que há de pior no mundo. É a fonte de todas as intrigas, o início de todos os processos. A mãe de todas as discussões. É a língua que separa a humanidade, divide os povos. É ela quem mente, esconde, engana, blasfema, insulta, se acovarda, xinga, destrói, vende, corrompe. Com a língua dizemos “morre”, “eu te odeio”, “você é um infeliz”, “você é um incapaz”. A língua é o órgão da mentira, da discórdia, dos desentendimentos. Aí está, senhor, porque a língua é a pior comida do mundo.
– Muito bem, Tim! Tu realmente cumpriste tua missão. Tome agora esta sacola de moedas e me traga a melhor comida do mundo.
Mais uma vez, passou algum tempo e o empregado estava de volta, trazendo um prato coberto por um pano de linho fino.
O mercador recebeu-o com um sorriso e disse:
– Já sei o que há de pior. Vejamos agora o que há de melhor...
Após levantar o pano, o mercador ficou indignado com o que viu:
– Que brincadeira de mau gosto! Língua? Outra vez? Tu não disseste que isso era o que havia de pior?
O escravo, humilde, baixou a cabeça e explicou-se:
– O que há de melhor que a língua? A língua é que nos une a todos quando falamos. Sem a língua não poderíamos nos comunicar completamente. A língua é o órgão de verdade e da razão. Graças a ela é que se constroem as cidades, casas e tudo o que há. É com ela que expressamos o nosso amor. Com a língua se ensina, se instrui, se reza, se explica, se canta, se elogia, se demonstra e se afirma. Com a língua dizemos: “querido”, “amor”, como também “Deus”, “sim”, “tudo vai dar certo”, “obrigado”, “eu te amo”, etc. A língua é órgão do diálogo. É a língua que torna eternas as idéias dos grandes salmistas e as idéias dos grandes escritores.

Achei fantástico. Não há dúvidas de que é preciso astúcia para ocupar os 15 minutos de fala com uma história dessas e deixar tão claro a sua opinião e provocar uma bela reflexão. Importante dizer que Pedro Bandeira interpretou os dois personagens, fazendo trejeitos corporais e mudando a voz. Uma esquete teatral.
Nilton Azevedo começa. Ele se desloca em uma cadeira de rodas destas automáticas e diz que as pessoas não devem ocupar as vagas de trânsito para deficientes e nem entrar na parte reservada para os mesmos no banheiro. Mostra uma texto que se chama Ata-me. Um sistema onde cada imagem de um corpo conta uma história. Ao mexer o mouse, a pessoa escolhe qual parte vai acionar. Imediatamente, uma voz começa a dar pequenos trechos do texto.
Lembram do Tom Zé? Que deveria ser o primeiro a falar? Pois é...um dos mediadores resolve jogar para ele de novo a palavra. Este, porém, faz mais algumas colocações singelas: “bem, tirando o preço do calor...” Diz que levará para casa ótimas idéias, que mesmo as coisas que não se resolveram brilhantemente durante a apresentação foram muito interessantes. “Daria o meu cachê do show de hoje à noite só para estar aqui neste momento”. Acho melhor ele na ficar dando idéias...
Mais um tempo zanzando pelas áreas verdes da Universidade e volto para o Show do Apocalipse. Ótima voz, ótimos músicos.
Vamos para o encerramento. Um vídeo faz uma retrospectiva de todas as atividades realizadas naqueles cinco dias. É emocionante. A quantidade de pessoas na platéia assistindo aos painéis, os shows, as crianças circulando... Em poucos minutos, temos uma idéia da magnitude do evento. Discursos das autoridades. Entra o Bloconeco de Catim e sua banda navegante. Sobem ao palco. Corpos de pessoas com cabeças gigantes. Roupas coloridas. Dançam bolero, tango e outros ritmos.
Alcione Araújo pega a palavra. Fala sobre a persistência de todos naquela temperatura: “Se o calor estragou equipamento, imagina o meu cérebro que é muito mais sensível”. Diz que a estrela do evento é o público. Quando começo a pensar que ele está querendo agradar, ele diz: e não estou fazendo média. Comenta que ficou observando e que o público sabia exatamente a hora de rir. Destaca também os comentários e as perguntas feitas aos participantes. Mais uma vez, elogios para a coordenadora.
É a hora do show de Tom Zé. Enquanto ele se apresenta penso: que fascinante esta pessoa! Um homem pequeno, com uma aparência tão simples, traços brutos e tão carismático. Que exemplo de que a preocupação com a estética obsessiva com o  corpo é uma perda de tempo. Se a pessoa é autêntica, se transpassa energia é isso que todos vemos. É, exatamente, este o caso. Suas letras irreverentes e seu jeito anárquico no palco diverte e faz pensar. Conta várias histórias entre uma música e outra e assim termina, finalmente, esta jornada.  Ainda bem que um dos responsáveis pela Universidade já disse que Tânia Roosing ia descansar alguns dias e já ia começar a preparar 2011. 

Alô, alô Terezinha...Falta o sucesso da discoteca do Chacrinha.



Fui assistir ontem o filme Alô, Alô Terezinha, com uma jornalista, amiga minha há mais de dez anos. Acho que já comentei aqui. Somos bem diferentes em relação ao comportamento, mas temos princípios e uma ética que nos mantém unida desde que nos conhecemos. Fazia tempo que não a via e quando sobra um tempinho para ela sair e ir a um cinema, lá vamos nós. Ela que escolhe o filme. Foi assim que vi Homem Aranha, Arquivo X e outras coisas que, por conta própria não veria. Agora, ela até já começou a me advertir. Mas vou é pela companhia.
Fiquei incomodada durante o filme. Depois, aos poucos comecei a tentar entender o porquê.  Na minha cabeça ia assistir a um filme sobre o Chacrinha, mas não. O que a gente vê na tela, na maior parte do tempo, são os depoimentos das Chacretes na época. Até aí, tudo bem. Mas o filme explora o patético. A situação decadente em que se encontram agora. Aquelas mesmas mulheres jovens, sensuais, desejadas, agora, gordas, velhas e sem grana.
Deu para perceber que esta sensação desconfortável foi provocada. Era, sem dúvida, a intenção do diretor Nelson Hoineff. Fiquei até procurando razões nobres, do tipo: mostrar como perde quem tenta viver só do corpo, de uma circunstância, da juventude. Isto até acho bom. Afinal, a cada dia, a indústria da beleza força uma estética que aprisiona as mulheres ou as coloca para baixo. Aquela idéia de saber envelhecer parece coisa do passado (lembrei do Arriaga dizendo que devíamos ter orgulho das nossas cicatrizes). Não tenho nada contra aproveitar as fórmulas que ajudam a retardar as rugas, que garantem que a gente se mantenha com uma aparência cuidada. No entanto, não é isso que a gente vê. Aliás, principalmente nas camadas mais altas, as mulheres estão ficando deformadas. Bocas inchadas pelo botox, caras puxadas pelas cirurgias plásticas. Às vezes, me bate uma saudade daquele velhinha ajeitada, natural que eu via por aí.
Bem, mas o que acabou não me agradando é que se as Chacretes eram exploradas, foram novamente neste filme. Foi me dando uma tristeza de vê-las tão decadentes e sem a menor consciência disso. Ainda tentando manter a pose. A idéia de fazê-las voltar a fazer as mesmas dancinhas é de doer. A mesma coisa aconteceu com os calouros apresentados no filme. A maioria contando o quanto foi arrasador ser buzinado no programa e de seus sonhos (ainda) de serem transformados em cantores. Tem uma cena em que um deles canta em uma sacada, com uma afinação bastante razoável e faz contraponto com Agnaldo Timóteo em outro local, mas basta que o plano se abra para vermos que o primeiro está em uma favela e que os únicos aplausos vêm dos transeuntes de uma rua sem calçada.
Aparecem também alguns famosos. Fábio Junior, Ney Matogrosso, Baby Consuelo, Morais Moreira, Caetano e até o rei Roberto Carlos, mas mesmo estes são filmados de forma a passar uma imagem pobre, desgastada.
O programa para quem não sabe era uma zorra. O público ao vivo, as Chacretes em trajes decotados, Chacrinha sempre fantasiado e buzinando e correndo para todo lado. Atira farinha, atira bacalhau. O filme não mostra aquela famosa versão do quanto ele ajudou o início de carreira de muitos. Rapidamente, alguns falam que bastava a música aparecer no programa para virar um sucesso. Mas é só.
Valeu à pena ter visto até para que eu possa pensar sobre tudo isso que me desagradou. Afinal, como conversava minha irmã, o programa durava a tarde toda e era, naquela época, a única opção na TV. Minha amiga ainda disse: “sou feliz e não sabia. Agora, tenho canal acabo e outros programas para ver.” Em compensação, na minha cabeça ficou as imagens daquelas mulheres tão requisitadas antigamente e, agora (2007) fazendo força para sobreviver. Seria uma bela denúncia, um ótimo registro, se não tivesse ficado claro que elas não têm consciência de nada disso e buscam, ao dar seus depoimentos, aparecer pelo menos mais uma vez. Para quem gosta de filmes trash, eu recomendo.