Muita gente comentando sobre o
filme Intocáveis. Deixei o tempo
passar sem escrever nada, mas acabei tendo vontade de registrar algumas impressões.
Porque não é sempre, não tem sido tão constante como eu gostaria, ter algo que
me motive como nesse caso.
Primeiro: não gosto da cena
inicial. Por quê? Bem, porque é uma
enganação de uma situação crítica, de emergência. Um trote. E essas coisas
nunca foram do meu agrado. Porém, é uma cena incrível, muito significativa.
Nela já reside a cumplicidade dos dois personagens principais, na maneira como eles
encaram a situação terrível em que se encontra um tetraplégico. E é ela que já
começa a nos dizer que não se trata de uma história para sentirmos pena. Nisso
reside a maestria desse filme.
A fotografia do filme é linda.
Não é escura. Não trabalha com tons de desgraça, tristeza, pesares. O fato de
um dos personagens ser rico e quase todas as cenas se passarem nesse ambiente
de luxo fica impressionando nossos olhos e, pelo menos para mim, saber que eles
estão em Paris também reforça essa sensação. Porém, não é isso o verdadeiro
valor dos Intocáveis. Ao contrário. É o olhar que eles fazem para dentro de si
mesmos, e entre eles, que nos toca. Além disso, o filme mantém, na maior parte,
um tom cômico. As coisas mais graves e dramáticas aparecem de forma levemente
engraçada. E sem que percebamos estamos rindo daquele corpo inerte, daquela
incapacitação. Por sadismo? Não. Mas porque o filme consegue nos passar que não
é somente naquilo que se restringe o protagonista. Talvez fosse antes de ele
estabelecer a relação com seu cuidador que é o verdadeiro foco. E por que ela
se estabelece? Pela necessidade. De ambos. Coloca a desigualdade social em
paralelo com a incapacidade física. De certa forma, ambos carecem de
mobilidade. E a medica que a relação deles vai se aprofundando, as cenas vão
sendo apresentadas como sopros de vida, nas duas vidas. E nós podemos sentir o
afeto crescendo e trazendo expectativas para os dois.
Não há nada de patético. Eles se
divertem e dançam, trocam confidências. Entre carros de luxos, ambientes
incríveis e críticas ao mercado da arte, os dois atores nos encantam com suas
performances que são devidamente reforçadas por todos os demais personagens do
filme que seguem a mesma forma de atuar em que olhares e sorrisos dizem mais do
que todas as palavras. Aliás, tirando raros momentos de conversas mais longas,
o filme explora de modo perfeito pequenos gestos e expressões.
Nenhum aspecto é esquecido. Sexo,
morte, drogas tudo é trazido à-tona sem discursos moralistas nem lados
fúnebres. São temas que vão aparecendo aos poucos, na medida em que a relação
se intensifica. Assim, enquanto tanto se fala em acessibilidade e inclusão social,
os Intocáveis dá uma aula, mostrando que não são apenas rampas e portas que
farão com que qualquer pessoa que tenha algum problema físico ou interior se
sinta pertencente a algo. É preciso troca. É preciso atenção. É preciso ver no
outro tudo que ele é além da sua incapacitação. O filme faz isso parecer fácil
e saímos dele mexidos com tanta sutileza, com tanto sentimento. Saber que se
trata uma história verídica só valoriza a força dessa obra que soube captar de
maneira genial esse relacionamento improvável. Creio que é por tudo isso que ninguém sai do
cinema intocado.