Wednesday, December 30, 2009

Novo ano, velha retrospectiva

Todo ano é a mesma coisa. Quando anunciam a retrospectiva na televisão fico interessada. Acho que é uma maneira de me informar rapidamente de coisas que acabaram passando despercebidas enquanto eu me ocupava com meus próprios assuntos. Porém, o que acontece é que nos primeiros minutos já observo que só foram destacadas as notícias ruins. A ênfase é nas tragédias. A única exceção sempre foi para o esporte. Vitórias do futebol e dos atletas. Só.
Não sei por que me surpreendo. Se o ano todo, a imprensa faz isso porque nos últimos dias ia fazer de outra forma? Não estou dizendo que as notícias são falsas, que tudo aquilo não aconteceu. Nem tem como. As imagens estão lá para provar. Esta, aliás, foi uma característica das coisas divulgadas este ano. Mas tenho absoluta certeza de que existem boas ações, conquistas em outras áreas. Afinal, são milhares de pessoas destinando energia e suor no trabalho, nas escolas, defendendo a natureza, as crianças, os animais, etc. Nada de bom resulta disso tudo? Alguém pode, realmente, acreditar nisso?
Só não entendo o que leva a direção da dita maior emissora do país a repetir sempre o mesmo formato. Qual é o objetivo de encher a cabeça das pessoas no final do ano com tudo que roubaram, com tudo que foi destruído, com todas as mortes, assassinatos? Depois, querem que na virada do ano como se nada tivesse acontecido a gente comece a cantar: “hoje é um novo dia, de um novo tempo...” Não de acordo com a retrospectiva que eles fazem todos os anos.
Pena que não segui com a idéia que tive no ano passado de fazer minha própria retrospectiva. Ir anotando, ao longo do ano, as coisas que me chamavam a atenção. As boas ações, as descobertas, os avanços na medicina. Gente que surpreendeu, que mostrou o valor da vida, do amor, da arte.  Esta, talvez, seja uma das razões pela qual acabei tendo tanto interesse no teatro. Saber que neste mesmo mundo em que tanta coisa ruim fica acontecendo, existem pessoas capazes de nos fazer por algumas horas que sejam entrar em outro universo e nos fazer pensar e sentir é algo que me arrebata.
Se o ano de 2009 tivesse, realmente, sido como acabei de ver, eu não estaria com este otimismo. Mesmo que faça até uma forcinha para ficar alienada de algumas situações políticas que, muitas vezes, sugam toda a minha energia e fé no ser humano, não haveria como ficar tão distante de tantas catástrofes. O que estes editores parecem que esquecem é que para condensar tantas informações em tão pouco tempo é preciso contrabalançar. Falar de TUDO um pouco. Porque a vida de qualquer um não foi só as enchentes ou a gripe A ou o dinheiro na cueca. Em 365 dias vivemos também momentos de alegria, solidariedade, otimismo, diversão, amor, sexo, amizade. Momentos tão verdadeiros e significativos quanto qualquer guerra no exterior ou seca aqui no Sul. Se eu, que não paro para preparar um programa destes sei disso porque eles parecem não saber?
Bem, mas antes que você se contamine com este tipo de comunicação equivocada e fique meio sem expectativas, sugiro que você se concentre em algo, uma única coisa que representa que existem pessoas do bem, fazendo algo para o melhor e que estas ações vão trazer resultados. Alguns, já em 2010. Além disso, acredito que a gente possa até mesmo pensar só em si, em sua própria felicidade, nas suas próprias metas, porque se todos fizerem isso não tenho a menor dúvida de que o mundo também vai apresentar melhoras. Independente do que diga a próxima retrospectiva.

Amanhã
(Guilherme Arantes)
Amanhã será um lindo dia, da mais louca alegria

Que se possa imaginar, amanhã redobrada a força

Pra cima que não cessa, há de vingar

Amanhã mais nenhum mistério, acima do ilusório

O astro rei vai brilhar, amanhã a luminosidade

Alheia a qualquer vontade, há de imperar, há de imperar

Amanhã está toda a esperança por menor que pareça

O que existe é pra festejar, amanhã apesar de hoje

Ser a estrada que surge, pra de trilhar

Amanhã mesmo que uns não queiram será de outros que esperam

Ver o dia raiar, amanhã ódios aplacados temores abrandados

Será pleno, será pleno...

Friday, December 25, 2009

Mario Quintana e eu






Não lembro quando li pela primeira vez Mario Quintana. Mas sei que Ricardo Silvestrin, outro poeta, teve muito a ver com isso e que bastou ler o primeiro poema para me apaixonar. Adorava o jeito dele escrever. Decorava. Guardava para mostrar para os amigos. Aquela ironia cortante contrastando com um jeito ingênuo, inteligente e divertido. Uma palavra que não usamos muito atualmente: lucidez. Por mais labiríntico que fosse o seu pensamento era ao mesmo tempo de uma clareza impressionante!
Em quase meio século de vida (a minha) ele é um dos meus dois ídolos. O outro, para quem ainda não sabe, é o Caetano. Sim. Tenho uma queda pelos poetas. Uma vez, fiquei lá de boca aberta, numa fila, espiando Mario Quintana. Aguardando minha vez de pegar um autógrafo. Claro que quando estava bem na sua frente, tudo que disse foi o meu nome e só porque ele me pediu. Quintana veio fazendo parte da minha vida, me constituindo enquanto pessoa. Aguçando minha sensibilidade. Nas aulas de teatro, era comum eu recorrer aos seus versos para as improvisações. Também, seu texto sozinho já trazia dramaticidade. Um dos que lembro ter usado foi:


Da vez primeira em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha...

Hoje, dos meus cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada...
Arde um toco de vela amarelada...
Como único bem que me ficou!

Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!
Pois dessa m
ão avaramente adunca,
Não haverão de arrancar a luz
sagrada!

Aves da Noite! Asas do Horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!



Há anos atrás, resolvi que comemoraria meu aniversário no lugar onde ele havia morado (antigo Majestic hoje Casa de Cultura Mário Quintana) e pedi para os convidados decorarem algum de seus textos. Meu irmão (que já não está entre nós) foi o único que atendeu a meu pedido e declamou:


O tempo

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
 
Quando se vê, já são seis horas!
 
Quando de vê, já é sexta-feira!
 
Quando se vê, já é natal...
 
Quando se vê, já terminou o ano...
 
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
 
Quando se vê passaram 50 anos!
 
Agora é tarde demais para ser reprovado...
 
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
 
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...
 
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
 
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
 
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
 
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.


Fiquei impressionada com sua memória e com sua apropriação de cada palavra, mas devia entender que era um poeta falando de outro poeta, pois, meu irmão também passou a vida escrevendo seus versos. Naquele dia, este texto já fez sentido e agora ainda mais...E foi por isso que no dia em que ele partiu, eu fiz questão de me despedir com um poema deste importante autor gaúcho. Lembro que um primo meu me perguntou se eu conseguiria ler e eu garanti que sim. Lembro que a emoção era enorme mas que diante de uma multidão, lia alto e firme, sabendo que esta era uma boa maneira de prestar minha homenagem. Agora, porém, não consigo trazer à memória o nome do poema.
Acabo de ler em um blog uma entrevista de Lau Siqueira, em 1987, publicada no Jornal O Norte sua resposta a pergunta de por que ele não se casou. Claro que a resposta foi típica deste poeta que me encanta: “Como é que vou saber porque é que não casei. Deve ter sido por causa dos astros, né? Vamos culpar os astros (risos).” E foi assim que me dei conta de que ao menos isso eu e Quintana temos em comum. Também culpo os astros pela solteirice. Ah, e tem também nossa paixão pelas palavras. Aliás, o que parece não ter faltado em nossas vidas foram paixões. 

Wednesday, December 02, 2009

Mulheres frágeis em corpos fortes


Sim, inverto o título do espetáculo do grupo Gaia propositalmente, é claro! Tenho lá minhas razões. Vejamos: você sai para ver um espetáculo de dança contemporânea. Então, você sabe que, a princípio, não vai ver sapatilhas de ponta, nem frufrus. Mas você espera que haja música e, no entanto, as intérpretes (é este o termo para aquelas três mulheres) se movimentam ao som do conteúdo de estações de rádio. Ou seja, pode ser uma propaganda uma entrevista, a participação de uma ouvinte ou até mesmo a narração de um jogo de futebol. Ah, mas você pode achar que não dá para dançar com isso. Sinal que você não foi assistir ao espetáculo. Se lá estivesse ficaria sabendo que os movimentos podem surgir até mesmo dos ruídos do rádio. Não quero parecer pretensiosa, mas já sabia.

Há muitos anos atrás (mais de 20, com certeza), não sei exatamente como, acabei indo fazer aulas com uma professora que tinha a exata noção de que o corpo podia ser estimulado pelos mais diversos sons. E não estou falando aqui de corpos esguios e ágeis, mas de todos os tipos. Lembro ainda que ela fazia propostas de deslocamentos, colocava vários estilos de músicas, mas não nos orientava quanto ao movimento. Muitas vezes, sugeria que fechássemos os olhos e deixássemos que a música nos levasse pela sala vazia, pelo chão, pelas paredes, o que sempre acontecia. Foi nesta época que descobri o quanto não usufruímos da nossa capacidade corporal de movimento, como somos rígidos, como repetimos sempre os mesmos gestos, quando, na verdade, somos todos capazes de muito, mas muito mais. Ontem, isso tudo me voltou à memória ao assistir ao espetáculo. E, agora, sendo mesmo pretensiosa, confesso que fiquei com vontade de estar no palco também.
O cenário era simples, mas, nem por isso menos impressionante esteticamente. Pequenos retângulos brancos, caídos do teto e espalhados pelo palco e o dividindo em três. Não fiquei surpresa ao ver na ficha técnica que era de Élcio Rossini, o mesmo que na Bienal de 2005, quando fui mediadora, colocou uma grande bola branca, transparente em exposição, provocando as mais diferentes reações. Bem, mas voltando ao espetáculo, era possível sentir uma separação, mesmo sem ler o folder entregue pelo grupo no qual fala em três pedaços. Três coreógrafos: Alecs Dall’Omo, Diego Mac e Paulo Guimarães. Três interprétes: Roberta Savian, Daniela Aquino e Alessandra Chemello. Ao mesmo tempo, também era visível uma unidade.
Bom, mas devo dizer que também teve música. Clássica, popular. “Cotidiano” de Chico Buarque mexe comigo. Imediatamente, vem a minha memória meu irmão (que já se foi) escutando esta música a todo o volume em uma vitrola na minha casa. Emendava com “Você não entende nada” de Caetano. Era um impacto quando ele dizia: “eu como, eu como, eu como” e já ligava na frase seguinte que começava por “você”. São lembranças especiais pra mim. Muito pessoais para um texto escrito para falar de Mulheres fortes em corpos frágeis, mas, ao mesmo tempo, demonstra que a arte é assim: provoca.

Por que inverti o nome? Porque senti durante o espetáculo a sensualidade, a tensão a neurose daquelas mulheres que pareciam se questionar sobre o seu lugar no mundo. Ao mesmo tempo, somente corpos intensamente preparados são capazes daquelas performances, daquela intensidade de movimentos. Aliás, isso fica claro no final. Em um momento, temos a impressão de que o espetáculo chegou ao fim. Alguém toma a iniciativa e aplaude. Os outros seguem. A interpretação, porém, continua. Mais aplausos. Mas a platéia não sabe o que deve fazer. Até passou pela minha cabeça que devíamos ir embora, mas não seria eu a fazer isso. Roberta Savian faz uma pequena pausa na sua concentração de movimentos para dizer ao público que é exatamente isso que temos que fazer para dar fim ao espetáculo. Foi uma tentativa muito interessante de fugir as convenções de como terminar um espetáculo, mas esbarrou nelas.

Obs: Daniela Aquino, minha colega de mestrado, mais uma vez absolutamente linda e expressiva em cena.