O destino: Florianópolis. Com
passagens compradas já há algum tempo e hospedagem garantida, na véspera, minha
mãe diz que não conseguiu dormir a noite preocupada com os incêndios dos ônibus
que acontecem na cidade. Verifico com amigos que estiveram e outras que moram
por lá e elas me dizem que, apesar de ser uma situação delicada, não há o que
temer. Assim, começo a minha viagem com uma amiga que nunca havia andado de
avião. Eu viajei pela primeira vez aos
30 anos. Depois disso, não parei mais. Se tenho medo? Bem, minhas pernas
bambearam a caminho do primeiro avião que peguei na vida. Agora, já contabilizo
duas viagens sobre o oceano e muitas decolagens e aterrissagens. Então, lá
estávamos nós, dentro do avião, felizes por conseguir fazer algo juntas. Depois
dos avisos de que iríamos decolar, começam a fechar as portas dos bagageiros e
a pedir que as poltronas fiquem na posição vertical, etc, etc. Um dos
comissários aproxima-se de uma senhora idosa no lado oposto ao nosso, duas
filas à frente, que está de olhos fechados. Cutuca ela e diz: senhora..... Ela...
nada. Ele cutuca um pouco mais forte. Ela... nada. Na terceira cutucada, dá
para reparar que ele já está ficando um tanto angustiado. A senhora acorda e os
dois se surpreendem. Eu e minha amiga nos olhamos e rimos. Havíamos pensado a
mesma coisa. O que não seria um bom começo. Mas, no fim das contas, o voo é
bastante tranquilo.
Assim que chegamos, vamos para a
parada de ônibus. Afinal, havíamos planejado uma viagem econômica. Não demora,
começam as ofertas de transporte. Quando consideramos que o preço vale a pena,
entramos em um táxi com mais dois passageiros. O motorista não demora para falar sobre várias coisas ruins da cidade,
enquanto faz um zigue-zague maluco por entre os carros, numa velocidade assustadora.
“Por mim, explodiria essa ponte!”, disse ele enquanto olhávamos admiradas para
a Hercílio Luz. Argumenta que o dinheiro
gasto até agora para restaurá-la era um absurdo que daria para ter feito várias outras pontes. “Tinha um
japonês que disse que poderia trazer uma ponte inteira, igual a essa e colocar
aqui por muito menos, mas não quiseram. O japonês acabou aparecendo morto, isso
sim”. Frustrante ser recebida assim tendo
ainda em mãos o folheto turístico dizendo: “bem-vindos ao paraíso”. Felizmente,
o trajeto era curto e não demorou muito chegamos ao nosso hotel. Nossa aventura
pelo solo (?) catarinense estava apenas começando.
Devidamente hospedadas, sugiro
começarmos pela Barra da Lagoa. Uma praia que eu havia ido há poucos meses. Aproveitamos
o mar, a paisagem e vemos muitas mulheres de óculos dentro d’água. Na hora da
fome, não achamos tão simples achar um lugar barato. Mas, ao encontrarmos, os
lanches são muito bem feitos e somos muito bem tratadas. Com atenção e
gentileza. E será assim por toda a
viagem. Seremos chamadas de “queridas” várias vezes por pessoas de ambos os
sexos e das mais diferentes idades. Logo percebemos que é um hábito, mas isso
não quer dizer que, por isso, não seja extremamente agradável. Outra coisa que
nos alegrou foi o sistema de transporte, os terminais. Graças a eles logo
entendemos como ir de um canto a outro. Tivemos a chance de ver até uma das
vendedoras de passagens falando inglês com um casal de turistas e, quando
perguntei se ela sabia, ela disse que não, que aprendeu ali mesmo falando com
os estrangeiros que passam. Devido ao intenso calor, sentimos falta, porém, de
ar-condicionado nos ônibus.
Na primeira noite, saímos a pé. Querendo
informações sobre um lugar para comer, escolho uma senhora que atravessava a
rua. Ela para e começa a nos falar sobre de onde vinha, sobre a cidade, sobre
suas crenças, sem tomar fôlego. Enquanto minha amiga tenta ser gentil, eu
espero uma brecha para encerrar a conversa. Ela acaba, inclusive, nos dando o
seu endereço. Não seguimos a indicação dela, mas sua longa conversa e sua
tranquilidade a transforma em um dos personagens insólitos da nossa viagem. Outro,
acabou sendo um senhor que veio ao nosso encontro quando já aguardávamos o
ônibus para o centro em Jurerê Internacional. Uma praia de águas calmas que nos
permitiu um dos melhores banhos desses dias. Um breve passeio pelo calçadão
onde encontramos os doces de Pelotas, cidade da minha amiga, e nos dirigimos à
parada. Foi a única vez em que o ônibus custou para chegar. Já estávamos ali há
algum tempo, admirando as casas chiques em volta, quando um senhor aproxima e pergunta
se sabíamos onde ficava o Banco do Brasil. Não sei nem como a conversa começou.
Fato é que se tratava de um biólogo que tinha também uma formação em história e
ele nos dá uma aula sobre os Incas e um desbravador de terras estrangeiras que
partiu de Santa Catarina em direção a Machu Picchu antes mesmo de Francisco Pizarro.
O senhor, que chegara sem fôlego, distraiu-se conosco demonstrando seu
conhecimento.
Sem constrangimentos, nem medos,
vemos as pessoas se aproximarem criando durante toda a viagem uma sensação de segurança e tranquilidade. E é
assim que chegaremos a Campeche. Praia onde as vitrines nos atraem logo de cara
e conseguimos encontrar produtos com preços acessíveis mas, talvez o mais
importante: alguém que nos atende como há muito tempo não acontece comigo em
Porto Alegre. Quanto ao mar, é exatamente como eu me lembrava. Muito agitado.
Chega a ser engraçado, pois cada onda vem de uma direção diferente mas, mesmo
para quem tem medo como eu, é possível entrar na água. Estamos lá aproveitando
o sol quando chega um desses ambulantes que circulam pela praia oferecendo
coquetéis, caipirinhas e sucos. Não resisto. Ao me aproximar, vejo que quem
atende é um cara com pele morena, olhos verdes e um sorriso que mais parece um
teclado, como dizia a minha avó. Retorno com a bebida na mão e comento com a
minha amiga que gostaria de encontrar o Zulu que acabara de esbarrar em alguém
tão bonito quanto e nos divertimos olhando ele servir os drinks, conversar com
as pessoas. Penso no quanto ele ganharia se fosse descoberto, mas depois me dou
conta que, talvez, esse não seja o seu desejo, que ele poderia adorar estar ali
mesmo, naquela vida, sendo admirado apenas por clientes como eu.
À noite, saio na busca de um
lugar que havia pesquisado na internet antes mesmo de ir. Vi fotos, o local no
mapa, tudo. Assim, posso me deslocar em uma cidade que pouco conheço e ir a um
lugar onde nunca estive como sempre soubesse onde fica. Acabo tendo uma sensação
de reconhecimento apesar de nunca ter estado no lugar. A virtualidade faz isso.
Claro que pela web não tem como prever que os garçons serão tão atenciosos.
Escolhemos o prato feito por R$ 15,00. Foi a única refeição completa que
fizemos em cinco dias. Arroz, feijão, frango, salada, batatas e ovo fritos.
Tudo muito saboroso e com uma apresentação impecável. Ah, e tinha ainda música
ao vivo. Pena que chegamos ao final da tarde e acabamos não aproveitando tanto
a movimentação do lugar que deve acabar ficando bem cheio.
Dia seguinte, minha ideia era ir
a Praia Mole. Ao lermos as características já não temos tanta certeza: “corpos
sarados desfilam na areia...” Digo para minha amiga que será apenas por um dia
que invadiremos esse espaço. Fizemos bem. Na verdade, como toda praia tinha de
tudo, mas de vez em quando aparecia uns corpos masculinos que pareciam ter
passado no photoshop. Há tempos não via tanta “barriga tanquinho” por metro
quadrado. E quando menos esperávamos passa um carinha com uma menina que parecia
sua filha que desbancava o Rodrigo Santoro. No mais, a diversão era a narração
do campeonato de surf. Intrigadas em como os participantes conseguiam escutar
as ordens lá de dentro do mar e obedecer. Coisa que muitas outras pessoas não
faziam em relação às ordens dos salva-vidas para não ir tão para dentro.
Resultado: o salvamento de um casal. Minha amiga estava indignada. Eu, havia
ficado surpresa com a capacidade dos dois de nadar de costas, boiar, tentar
várias alternativas até que um surfista chegasse para ajudá-los, antes mesmo
dos profissionais da área. Na hora de ir embora, passamos por um grupo de
senhoras idosas na frente do pórtico que valia uma foto. Elas não estavam nem
aí para os tais corpos sarados. Era Domingo, dia de sol. Ou seja, engarrafamento
garantido. Para nossa sorte o ônibus não demora muito a chegar. De volta ao
hotel, com coisinhas para comer e aguardar o Oscar. Porém, o vinho nos faz
dormir muito antes.
Chega o dia do retorno. Teríamos
que sair do hotel às 14h. Difícil curtir a praia cuidando o relógio. Decidimos
pagar mais meia diária e esquecer da vida. Foi ótimo. Teria sido uma pena não
ter curtido a Praia da Armação. Calma com água limpa e sem ondas. Uma paisagem
de cinema. Perfeita para despedida. Mais uma vez, os ônibus parecem estar a
nossa disposição. Sem cuidar os horários, acertamos em cheio a hora de nos
deslocarmos. A não ser pela ida ao aeroporto em que concordamos em ir bem cedo
para não correr o risco de não chegar a tempo. Já sei por experiência anterior
que se perdêssemos o voo promocional custaria muito caro para conseguir outra
passagem e toda a economia que fizemos iria por água a baixo.
No aeroporto, a chuva começa. E
não uma chuvinha qualquer. Uma tempestade de raios e trovões. Não faço nenhum
comentário para não assustar minha amiga, mas ninguém gosta de voar assim. Já
passei por isso, mas não recomendo. Não deu outra. Turbulência. Nada que me
deixe nervosa. Aprendi a não dar muita importância e depois de vários dias fora
da rotina, andando para tantos lados, o cansaço é maior do que o medo. Para
contrabalançar, o piloto faz um poso perfeito e desliza nos solo gaúcho.
Chegamos. Despedimo-nos já falando das próximas viagens. É, acho que agora
minha amiga me entende: viajar vicia.
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