Monday, May 20, 2013

Brecht: o teatro muito além do palco


14º SIMPÓSIO DA INTERNATIONAL BRECHT SOCIETY – 1º DIA

Ano que vem estará completando 30 anos que sou jornalista. Durante esse tempo já participei de muitos eventos, trabalhando ou apenas assistindo e posso dizer que existem coisas extremamente simples que anunciam a qualidade de qualquer congresso, simpósio, jornada. Entre estas estão: a forma como somos recebidos no momento da inscrição e, por incrível que pareça, a beleza e o cuidado com o material impresso, ou seja, o crachá, a programação, a pastinha, o bloco de anotações. Parece bobagem, mas minha experiência diz que não é. Se alguém tiver que escrever o seu nome com uma caneta hidrocor e colar uma etiqueta na sua camisa, desconfie. Outra coisa é o local do evento. Não importa se é no Brasil ou no exterior. Se a gente entra em um prédio bacana, bem cuidado, há uma maior probabilidade da palestra para a qual você se inscreveu valer a pena. Assim, sabendo que a abertura do Simpósio sobre Brecht ia ser na Reitoria já achei que era bom me arrumar um pouco. A prova de que estava certa foi encontrar o coordenador do Programa de Pós-graduação em Artes cênicas, João Pedro Gil, de terno. Ele mesmo, quando eu elogiei a elegância, já me cumprimentou dizendo que não era sempre. No mais, reparei no banner da entrada, nas camisetas daqueles alunos todos que pareciam muito animados em dar informações.
Também acho prenúncio de um bom evento a abertura ser curta, apesar da mesa repleta de nomes importantes da cultura, do teatro, da educação como o Reitor da UFRGS, Carlos Alexandre Neto, do Diretor do Instituto de Artes, Alfredo Nicolaievsky, de Mirna Spritzer que já foi parabenizada no começo por ter aceitado o desafio de fazer parte da organização. E, assim, o tom das palavras iniciais foi de satisfação em estar ali, com a humildade de quem se interessa por arte. Outro detalhe que também faz a diferença para um evento internacional é a quantidade de pessoas na plateia com fones de ouvido. Evidencia de que não se trata de apenas um convidado para garantir o status do encontro, mas de uma presença significativa de pessoas que se comunicam em idiomas diversos. Eu mesma pude ouvir alemão, inglês, espanhol e até auxiliar um dos convidados franceses a pedido de Susi Weber poucos minutos antes de tudo começar.
Com a palavra Miguel Rubio Zapata, do Peru. Diretor e dramaturgo do Grupo Cultural Yuachkani, ele fala sobre a influência de Brecht no teatro da América Latina e vai citando Enrique Buanaventura, Augusto Boal, Atahualpa, entre outros. Comenta sobre como o dramaturgo alemão Bertold Brecht inspirou seu próprio grupo ao propor um teatro que trouxesse à tona as contradições da sociedade, ao levá-los a observar a vida cotidiana e a se surpreender diante dela. Salienta os equívocos iniciais das interpretações da proposta de Brecht que levavam a falar de uma atuação a frio na tentativa de compreender o efeito de distanciamento. Aprofunda-se na busca de uma definição da presença cênica. O ator dirigindo-se aos espectadores com consciência plena de estar diante de uma cena. Enfatiza os elementos utilizados: a iluminação, o cenário, o figurino, os cartazes. Tudo para reforçar o objetivo do estranhamento. Destaca as propostas de Boal do teatro fórum, do invisível, do dramaturgo Brasileiro,  que, segundo ele, não atingiram apenas a América Latina, mas os cinco continentes, como o teatro do oprimido, incorporando a comunidade, fazendo com que o “espectador esteja preparado para ser ator de sua própria vida”. Cita a mensagem desse pela passagem do dia mundial do teatro em 2009, destacando o trecho que diz que “ao ver um mundo de opressores e oprimidos, temos obrigação de reinventar outro mundo. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida”. Toca na questão da teatralidade, o que me faz divagar em uma reflexão que me ocorre seguido: quem sou eu? Essa que senta aqui nessa cadeira escrevendo o que escuto porque sou jornalista? A que repete mantras na aula de yoga? A que ama cozinhar?  Quantos “personagens” existem em mim? Mas Zapata me puxa de volta para outro pensamento relevante. “O teatro não é só um exemplo, mas uma forma de vida.” Ele exemplifica com as consequências da montagem do seu grupo do espetáculo Galileu Galileu, apresentado em 1965, que acabou provocando a invasão do escritório pelo exército. O que me faz compreender melhor o que ele quer dizer com “atitude Brecht”, pois não se trata de fazer de conta, mas de introjetar os preceitos do dramaturgo alemão e agir. Ao falar do próprio grupo ele comenta os diferentes processos coletivos, a necessidade de beber de diversas fontes, de dialogar com o tempo do seu país, um tempo de violência, de corrupção que faz com que ele tenha dificuldade de falar sobre o assunto. “Não sou ator, mas teria que utilizar as técnicas de Brecht em meu próprio corpo para fazer do meu país”. E ainda sobre o fato de não atuar, Zapata conta que, em 1950, foi convidado para observar o teatro em Pequim e que, em um determinado momento, disseram a ele que poderia mostrar seus personagens. Ao explicar que não fazia isso, foi interpelado: “e como você ensina o que não sabe?”. Aspecto curioso para mostrar as diferenças do teatro oriental, no qual os mestres modelam seus atores e entregam seus personagens aos seus discípulos. Dito isso, ele relata os caminhos percorridos pelo grupo que presenciou um momento histórico de um país em convulsão, com mortos, executados. Uma realidade que exigiu dos atores uma presença diferente em cena e para isso eles recorreram às artes marciais, as danças orientais, aos personal trainners gerando uma confluência, uma energia diferente do cotidiano, fazendo os atores reconhecer os próprios corpos e colocando-os à disposição. A violência política mexendo com os pressupostos do trabalho do grupo, criando importantes desafios, tentando responder a pergunta: o que o teatro pode fazer nesse momento? Zapata comenta a importância do teatro do seu grupo atrelada ao surgimento da comissão da verdade em busca de justiça, devolvendo um olhar para eles como cidadãos, questionando como a violência os afetava, buscando sentido e pertinência ao trabalho. Ele explica que Brecht sempre foi uma influência constante, mas não a única. Para encerrar mostra em vídeo cenas de alguns espetáculos e não esconde os erros cometidos pelo grupo em alguns momentos, levando para determinados locais propostas que frustram as expectativas. “Pensamos estar sendo muito inovadores, mas devemos, antes de tudo, escutar a comunidade”.
A manhã termina e eu saio satisfeita por constatar mais uma vez a importância dessa arte que tanto me atrai, refletindo sobre o equívoco daqueles que pensam que dramaturgia é apenas o que está nas telas da TV e que para ser ator basta fazer caras e bocas. Esse pensamento vai totalmente ao encontro da placa (segurada por um ator na foto mostrada desde o início no telão), com a frase: “A burguesia quer do artista uma arte que corteje e adule o seu gosto medíocre”. 

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