14º SIMPÓSIO DA
INTERNATIONAL BRECHT SOCIETY – 1º DIA
Ano
que vem estará completando 30 anos que sou jornalista. Durante esse tempo já
participei de muitos eventos, trabalhando ou apenas assistindo e posso dizer
que existem coisas extremamente simples que anunciam a qualidade de qualquer
congresso, simpósio, jornada. Entre estas estão: a forma como somos recebidos
no momento da inscrição e, por incrível que pareça, a beleza e o cuidado com o
material impresso, ou seja, o crachá, a programação, a pastinha, o bloco de
anotações. Parece bobagem, mas minha experiência diz que não é. Se alguém tiver
que escrever o seu nome com uma caneta hidrocor e colar uma etiqueta na sua camisa,
desconfie. Outra coisa é o local do evento. Não importa se é no Brasil ou no
exterior. Se a gente entra em um prédio bacana, bem cuidado, há uma maior
probabilidade da palestra para a qual você se inscreveu valer a pena. Assim,
sabendo que a abertura do Simpósio sobre Brecht ia ser na Reitoria já achei que
era bom me arrumar um pouco. A prova de que estava certa foi encontrar o
coordenador do Programa de Pós-graduação em Artes cênicas, João Pedro Gil, de
terno. Ele mesmo, quando eu elogiei a elegância, já me cumprimentou dizendo que
não era sempre. No mais, reparei no banner da entrada, nas camisetas daqueles
alunos todos que pareciam muito animados em dar informações.
Também
acho prenúncio de um bom evento a abertura ser curta, apesar da mesa repleta de
nomes importantes da cultura, do teatro, da educação como o Reitor da UFRGS,
Carlos Alexandre Neto, do Diretor do Instituto de Artes, Alfredo Nicolaievsky, de
Mirna Spritzer que já foi parabenizada no começo por ter aceitado o desafio de
fazer parte da organização. E, assim, o tom das palavras iniciais foi de
satisfação em estar ali, com a humildade de quem se interessa por arte. Outro
detalhe que também faz a diferença para um evento internacional é a quantidade
de pessoas na plateia com fones de ouvido. Evidencia de que não se trata de
apenas um convidado para garantir o status do encontro, mas de uma presença
significativa de pessoas que se comunicam em idiomas diversos. Eu mesma pude
ouvir alemão, inglês, espanhol e até auxiliar um dos convidados franceses a
pedido de Susi Weber poucos minutos antes de tudo começar.
Com
a palavra Miguel Rubio Zapata, do Peru. Diretor e dramaturgo do Grupo Cultural
Yuachkani, ele fala sobre a influência de Brecht no teatro da América Latina e
vai citando Enrique Buanaventura, Augusto Boal, Atahualpa, entre outros.
Comenta sobre como o dramaturgo alemão Bertold Brecht inspirou seu próprio grupo
ao propor um teatro que trouxesse à tona as contradições da sociedade, ao
levá-los a observar a vida cotidiana e a se surpreender diante dela. Salienta
os equívocos iniciais das interpretações da proposta de Brecht que levavam a
falar de uma atuação a frio na tentativa de compreender o efeito de
distanciamento. Aprofunda-se na busca de uma definição da presença cênica. O
ator dirigindo-se aos espectadores com consciência plena de estar diante de uma
cena. Enfatiza os elementos utilizados: a iluminação, o cenário, o figurino, os
cartazes. Tudo para reforçar o objetivo do estranhamento. Destaca as propostas
de Boal do teatro fórum, do invisível, do dramaturgo Brasileiro, que, segundo ele, não atingiram apenas a
América Latina, mas os cinco continentes, como o teatro do oprimido,
incorporando a comunidade, fazendo com que o “espectador esteja preparado para
ser ator de sua própria vida”. Cita a mensagem desse pela passagem do dia
mundial do teatro em 2009, destacando o trecho que diz que “ao ver um mundo de
opressores e oprimidos, temos obrigação de reinventar outro mundo. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no
palco e na vida”. Toca na
questão da teatralidade, o que me faz divagar em uma reflexão que me ocorre
seguido: quem sou eu? Essa que senta aqui nessa cadeira escrevendo o que escuto
porque sou jornalista? A que repete mantras na aula de yoga? A que ama
cozinhar? Quantos “personagens” existem
em mim? Mas Zapata me puxa de volta para outro pensamento relevante. “O teatro
não é só um exemplo, mas uma forma de vida.” Ele exemplifica com as
consequências da montagem do seu grupo do espetáculo Galileu Galileu,
apresentado em 1965, que acabou provocando a invasão do escritório pelo
exército. O que me faz compreender melhor o que ele quer dizer com “atitude
Brecht”, pois não se trata de fazer de conta, mas de introjetar os preceitos do
dramaturgo alemão e agir. Ao falar do próprio grupo ele comenta os diferentes
processos coletivos, a necessidade de beber de diversas fontes, de dialogar com
o tempo do seu país, um tempo de violência, de corrupção que faz com que ele
tenha dificuldade de falar sobre o assunto. “Não sou ator, mas teria que
utilizar as técnicas de Brecht em meu próprio corpo para fazer do meu país”. E
ainda sobre o fato de não atuar, Zapata conta que, em 1950, foi convidado para observar
o teatro em Pequim e que, em um determinado momento, disseram a ele que poderia
mostrar seus personagens. Ao explicar que não fazia isso, foi interpelado: “e
como você ensina o que não sabe?”. Aspecto curioso para mostrar as diferenças
do teatro oriental, no qual os mestres modelam seus atores e entregam seus
personagens aos seus discípulos. Dito isso, ele relata os caminhos percorridos
pelo grupo que presenciou um momento histórico de um país em convulsão, com
mortos, executados. Uma realidade que exigiu dos atores uma presença diferente
em cena e para isso eles recorreram às artes marciais, as danças orientais, aos
personal trainners gerando uma confluência, uma energia diferente do cotidiano,
fazendo os atores reconhecer os próprios corpos e colocando-os à disposição. A
violência política mexendo com os pressupostos do trabalho do grupo, criando
importantes desafios, tentando responder a pergunta: o que o teatro pode fazer
nesse momento? Zapata comenta a importância do teatro do seu grupo atrelada ao
surgimento da comissão da verdade em busca de justiça, devolvendo um olhar para
eles como cidadãos, questionando como a violência os afetava, buscando sentido
e pertinência ao trabalho. Ele explica que Brecht sempre foi uma influência
constante, mas não a única. Para encerrar mostra em vídeo cenas de alguns
espetáculos e não esconde os erros cometidos pelo grupo em alguns momentos, levando
para determinados locais propostas que frustram as expectativas. “Pensamos
estar sendo muito inovadores, mas devemos, antes de tudo, escutar a comunidade”.
A
manhã termina e eu saio satisfeita por constatar mais uma vez a importância dessa
arte que tanto me atrai, refletindo sobre o equívoco daqueles que pensam que
dramaturgia é apenas o que está nas telas da TV e que para ser ator basta fazer
caras e bocas. Esse pensamento vai totalmente ao encontro da placa (segurada
por um ator na foto mostrada desde o início no telão), com a frase: “A
burguesia quer do artista uma arte que corteje e adule o seu gosto medíocre”.
No comments:
Post a Comment