Sunday, April 17, 2016

A linguagem universal das mães

Queria ver Língua Mãe Mameloschn desde a estreia em junho do ano passado, curiosa com o trabalho dos atores que conheço. Mas, não havia conseguido. Hoje, vencendo o calor e o cansaço e, durante um momento tão significante para o Brasil, lá estava eu e minha irmã, Vera Mello.
Porém, depois de assistir, percebo que não somos só nós que vamos aos espetáculos, mas estes também vêm até nós. Afinal, justamente esta semana, o assunto com a minha própria mãe foi a superproteção e o fato de que mesmo, apesar dos meus 53 anos, ela segue me dizendo o que fazer. E, provavelmente, os terapeutas possam explicar por que o que provoca a nossa ira na vida real, faz com que a gente se divirta tanto na ficção e não deve ser à-toa que a peça começa justamente falando destes estudiosos da mente humana.
Lingua Mãe Mameloschn, dirigido por Mirah Laline, não é uma comédia. Longe disso. Entretanto, como não rir ao ver ali personagens que nos são tão familiares? A vó, a mãe e a filha em seus diálogos quase ininterruptos em um misto de impaciência, rebeldia, mágoa, afeto.
Imediatamente, relaciono a cena com uma história contada pela minha prima, ainda ontem, sobre a partida da sua filha exatamente para a Alemanha (onde o espetáculo foi apresentado recentemente). Com uma boa dose de teatralidade, ela me dizia que aflita com a partida da filha, a agente de viagens sugeriu que ela acompanhasse o voo da filha em um site, o que ela começou a fazer de forma um tanto obsessiva. Até o momento em que ela colocou o número do voo e leu: voo não encontrado. Pronto. Imediatamente, começou a pensar que a aeronave havia caído. E em um diálogo consigo mesma disse: “não...se tivesse acontecido isso teriam me ligado. Mas, será que ela deu o meu número? Talvez, eles tenham sido obrigados a retornar e por isso não aparece” A partir daí, já não conseguiu dormir. Foi tomar um chá, mas sempre com o notebook para averiguar se a informação se modificava. Nada. Nisso, chega o outro filho e pergunta porque ela está acordada àquela hora e ela se põe a chorar loucamente recontando a história. O filho tenta acalmá-la e pede o número do voo. Ela vai buscar o papel onde anotou ainda chorando. Ele verifica e lá está: avião sobrevoando o oceano. Ela havia pesquisado invertendo os números do voo.
E é por essas e por outras que logo quero saber quem é Marianna Salzmann, pois, em tempo de vazamento de informações e escutas, a impressão que fico ao sair do teatro, é que ela está investigando a minha família. Surpresa: a dramaturga nasceu na Rússia e mudou-se para a Alemanha quando criança. Isso só confirma aquela máxima: mãe só muda de endereço.
Importante ressaltar que a peça não trata “apenas” das relações familiares, mas discute as questões de nacionalidade, religião, política, hábitos e cultura. Não de forma doutrinária ou acadêmica, mas entre os diálogos travados pelas atrizes Ida Celina Weber Silveira, Mirna Spritzer e Valquíria Cardoso. Aliás, a grande força do espetáculo está no texto e fazia muito tempo que não via no palco atrizes tão capazes de expressar, principalmente através das palavras, os sentimentos de seus personagens. Dicção, entonação, pausas, ritmo. Tudo aquilo que é preciso para que os espectadores se deliciem na plateia. Aliás, quem é essa atriz que assume o papel da filha com todas as suas nuances? Quem sabe a Ida, que conheci fazendo justamente o papel de minha mãe no filme Quase um tango de Sergio Silva, possa nos apresentar? E baseada no que já assisti dessa atriz gaúcha tão especial, considero que sua atuação mereça destaque. Não poucas vezes me peguei tentando ver por trás daquela senhora idosa, com um caminhar, gestos e um tom de voz tão peculiar, a minha amiga e, devo admitir, não foi fácil.
Bem, e embora o Lipsen Lipsen tenha feito um vídeo comentando que havia ido a Alemanha somente para tocar pequenos trechos, a música executada ao vivo terá sempre um impacto favorável nas cenas e não por acaso é ele que assina a trilha original. E, eu diria que sua presença entre cadeiras, um sofá e outros elementos desse cenário minimalista, mas funcional de Rodrigo Shalako, com certeza, valia a passagem. E, assim espero que muito mais gente ainda possa assistir a Língua Mãe Mameloshn, principalmente as mães que pensam que seus filhos “estão à mercê das drogas, do terrorismo ou do olho do furacão”, ou simplesmente possam decidir não voltar. Não é, prima?

Friday, January 08, 2016

A arte nunca nos deixará nus


Dizem os pesquisadores e críticos que um espetáculo de teatro não acaba quando termina. A frase pode parecer um pouco estranha, mas, quase todos nós já passamos pela experiência de ver uma peça e depois ir para um bar bater papo e discutir o que foi visto. Poucas coisas são tão divertidas e interessantes. Tem gente que concorda. Tem gente que discorda. Tem gente que nem viu o que a gente viu. Tem gente que vê coisas que a gente nem sabia que estavam lá. Mas, se tem uma coisa que compreendi desde que comecei a estudar teatro, é que a gente aprende muito com tudo isso. Então, o convite do Plínio Mósca para irmos à casa dele depois do espetáculo Um conto para um rei tonto, em cartaz na Casa de Cultura Mário Quintana, do diretor Igor Ramos, além de ser uma enorme gentileza, era imperdível. A sua casa já vale a visita. Digna de um diretor que fez parte dos seus estudos na França, cheia de elementos cênicos de várias outras partes do Brasil, além de uma coleção de galinhas e outra de xícaras. E foi nesse ambiente que começamos a falar sobre a sobrevivência no teatro e fora dele. Afinal, subir no palco paga as contas? Confesso que entre os meus amigos não sei de ninguém. Todos fazem alguma outra atividade. E por que esse foi o primeiro assunto? Porque no grupo que se apresentou hoje está Josué Fraga, de 16 anos, que, apesar do nítido talento, está prestes a se afastar da cena por pelo menos um ano para fazer um curso pré-vestibular, cujo objetivo não é ingressar na faculdade de Artes cênicas porque a família teme pelo seu futuro financeiro. O que me restou foi dar alguns palpites e acreditar que, mesmo que ele precise tomar uma certa distância, o teatro estará sempre no seu caminho. Caso contrário, como não se abalar com essa ruptura de um ator capaz de dominar seu personagem de bobo da corte, fazendo jus ao seu chapéu de cinco pontas e guizos? Esse personagem com papel fundamental nessa história recontada pelo Grupo Experimental de teatro que traz também no elenco Larissa Vaz, Mariana Fagundes. Um texto já tão conhecido, mas exposto de forma intrigante em que um rei escuta a história do outro rei vaidoso que acaba desfilando nu. Essa fábula que eu já ouvi tantas e tantas vezes, mas nunca nessa versão e muito menos nessa marcação cênica tão clara e definida em que os atores seguem no palco mesmo quando não fazem parte da cena. Desse figurino cheio de cores e brilhos que são uma das provas do cuidado que o diretor tem com todos os seus trabalhos. E como é bom poder ver tomar forma aquela fantasia do nosso imaginário na figura da ama feita pela Juliana Johann. E, cuidado, não simpatize com a costureira inescrupulosa que finge costurar o tecido invisível no ar com a eficiência dos melhores costureiros parisienses, papel da Renata Severo. Dá para sentir que é um trabalho conjunto, resultado de um processo de trabalho que vai buscando encontrar um único rumo para pessoas diferentes, com características distintas. E, mesmo depois de ouvir todos os ajustes que o nosso anfitrião e a mestre em letras e dramaturga premiada, Natasha Centenaro, sugeriram ao diretor do espetáculo que ouvia atentamente, em relação ao ritmo da peça, ao figurino, à luz e algumas características dos personagens e falas (com os quais concordo com quase todos) o que fica na minha memória é um mergulho nesse universo das artes, no prazer de compartilhar sentimentos e ideias e a visão de uma bandeja cheia de brigadeiros. Sim, porque, não só a arte, mas os amigos artistas também nos alimentam.