Tuesday, December 09, 2014

Buenos Aires, uma cidade para se comemorar!


Depois de Paris, Buenos Aires sempre foi a cidade preferida de minha mãe. Com quatro filhos, meus pais não tinham, exatamente, férias, mas, eventualmente, conseguiam roubar alguns dias para visitar a capital Argentina. Crescemos ouvindo histórias de seus dias caminhando pela 9 de julho, Corrientes, Suipacha, Santa Fé e sobre suas compras que, para nós, significavam pirulitos gigantes e chocolates suíços.
Não cansamos de contar aos amigos a história do dia em que minha mãe saiu do hotel, comprou toda uma roupa nova, uma peruca e, ao voltar, foi barrada por um recepcionista que não a reconheceu. Assim, acabamos querendo vir com eles algumas vezes e, nos últimos anos, tenho tido a chance de voltar seja sozinha ou em família.
Não dá para apagar esse afeto que tenho por essa cidade de ruas largas e prédios de arquitetura tão semelhante à francesa. O que, aliás, não é à-toa, já que muitos foram mesmo projetados por profissionais europeus. Por isso, entendo, perfeitamente, o desejo de minha mãe de ir comemorar o aniversário lá.
Menos de duas horas de Porto Alegre e estamos hospedadas em um hotel a poucas quadras do Obelisco. O que, como diz uma das minhas irmãs é a Tour Eiffel portenha. Descobri esse local na internet e temos sido bem acolhidos por uma diária menor do que muitos hotéis no interior do RS. Boa cama, bom banho e medialunas no café da manhã, entre outros tipos de bolo que minha mãe tanto adora.
No mais, é seguir pelas ruas planas e ver lindas praças, beber vinho e comer milanesas e empanadas. Sim, na hora de pagar pelas refeições sabemos que estamos muito distantes daqueles anos tão vantajosos para os brasileiros. Não importa se, no câmbio, cada real vale mais de três pesos, tudo também triplica de valor. Não vale mais a pena comprar nem roupas, nem sapatos, nada. Ainda é possível achar um pequeno objeto diferente e interessante por um valor razoável para não voltar de mãos vazias para os parentes e amigos. Mas, é só.
Tem sujeira nas ruas e, não é de agora. Assim como gente pedindo ou dormindo nas calçadas. Mas, o movimento intenso de gente nos bares e restaurantes até depois da meia-noite faz com que tenhamos a impressão de que estamos mais seguros do que em nossa própria cidade. Talvez, não seja bem assim. Talvez, seja mais uma questão de hábito que eles ainda mantenham como o cigarro, a leitura nas ruas e o costume de comprar flores ou ir ao teatro. Esses, aliás, em quantidades absurdas e com enormes filas. E, enquanto eles ganham toda a minha simpatia por esse desejo de cultura, o contrário não acontece. Eu, que busco sempre entender o comportamento alheio, observo o jeito nada sorridente dos argentinos de Buenos Aires e relevo o atendimento quase agressivo, principalmente nos mercados e serviços, o que transforma um simples sorvete em uma experiência de paciência e compreensão.
Sei que os argentinos estão ressentidos da sua situação e a enxurrada de brasileiros que transita para lá e para cá não é exatamente o que eles queriam, mas todo cidadão deve saber que turistas trazem divisas para o país e, mesmo que eu não esteja lá para resolver nenhum problema econômico e, nem mesmo para pensar no que significa essa alta inflação, nós também temos nossos próprios problemas e a vontade de escapar deles indo para a cidade vizinha.

E como acreditamos na vida após a morte e já doamos o corpo, fizemos um acordo de que quando uma de nós se for, a homenagem será, se for verão, derramar as lágrimas de saudade no mar ou, no inverno, com uma bela garrafa de vinho e Buenos Aires é sempre um bom destino para isso.  

Monday, December 01, 2014

Eles encontraram mais de 100 formas para o amor

Quando no início do espetáculo, anunciam o nome dos bailarinos e citam Denis Gosh, acho estranho. Afinal, sempre ouvi que profissionais da dança tinham que ser muito magros. Mas, precisou apenas alguns minutos de espetáculo para eu perceber que, não havia nada de errado nessa definição. Muito pelo contrário. Gosh dança muito e, se ele tem algum desejo de parecer mais magro, consegue no palco. Ele mantém uma leveza a cada passo e mostra também sua força, sustentando diversas vezes outras pessoas do grupo. Além disso, carrega do teatro toda a sua expressividade. Não é por acaso que ele assina a direção de elenco desses oito bailarinos (Aline Karpinski, Dani Dutra, Eduardo Richa, Fernando Faleiro, Joana Amaral, Juliana Rutkowski e Renata Teixeira) que, sendo tão únicos, parecem um só. E eles começam com uma música francesa, o que, é claro, me agrada. Mas, ao longo do espetáculo, ouvimos músicas de diversas nacionalidades. E não é só isso. Existe uma mistura de muitos estilos.  Eles mexem com o preconceito, com essa vigilância sobre o que devemos ou não ouvir e põem em cena músicas que, não raro, são rejeitadas justamente por quem frequenta teatro. Nesse espetáculo, não existe música brega ou de elite.  As escolhas são surpreendentes e a trilha é totalmente eclética.  
Sem nada de cenário, o palco totalmente nu, os bailarinos ocupam o espaço todo o tempo. Não todos. Aliás, um ponto alto de 100 formas para amor é, justamente, o jeito de “costurar” a coreografia de uma música para outra. Quem poderia imaginar aquelas emendas? Aquelas 100 formas de sair de cena? Só na mão de um diretor como Diego Mac tudo pode acabar tão bem conectado e apresentar essa perfeição cênica.
Existe também uma mescla de precisão e criatividade, duas características que, a princípio, nos parecem antagônicas. Em 100 formas de amor, elas estão em cada momento, em cada gesto que mantém tão presente a Macarena que o grupo já mostrou que pode ser poética. Mas, o grupo não mostra só o lado leve do amor, mas, também, os exageros da paixão e do ciúme. E, se grandes chefs de cozinha dizem que não se deve pegar um ingrediente e tentar fazê-lo ser outra coisa, as escolhas desse espetáculo mostram que, às vezes, uma música quer ser outra coisa. Assim, tem horas que, simplesmente, recordamos o que a música traz à memória e, em outras, somos completamente surpreendidos pela proposta dos coreógrafos. São muitos gestos, muitos movimentos, como o revezamento dos bailarinos durante a música Eduardo e Mônica. Nada é previsível na dramaturgia de Gui Malgarizi.
A maquiagem é singela, mas faz brilhar o rosto dos bailarinos, trazendo glamour e beleza, mas não vou fingir que sei como Fabrício Simões conseguiu aquele resultado de iluminação que dá poesia a cada momento, que destaca alguns pares em detrimento de outros e, depois, ilumina todos.
O figurino de Fabrício Rodrigues é sofisticado. As roupas parecem luxuosas e, embora nenhum bailarino esteja vestindo a mesma coisa, existe uma profunda harmonia.
Não consigo deixar de pensar que adoraria receber um abraço como tantos que vi e ser carregada por alguém daquela maneira. Aquela entrega já é o amor. E é justamente a música com esse nome, na versão de Maria Bethânia, que vai mexendo comigo, com a minha vontade de amar assim. Logo eu que já cantei tantas vezes com deboche essa música tão melodramática.
“Mas, tudo isso é pouco diante do que sinto” ... para dar uma pequena ideia da capacidade desse grupo em alternar ritmos, o que, sem dúvida,  exige muito e a gente sai do espetáculo pensando que outra música seria bom vê-los dançar. Que venha o 200 formas para o amor!


Wednesday, November 26, 2014

De filho para pai


Ambientes teatrais costumam reunir boas histórias e nem sempre elas estão no palco. É o caso de Paulo Fraga, pai de um dos alunos do Festival de Teatro Estudantil em Viamão que se aproximou para falar sobre a peça que ele havia gostado. Aos poucos, foi contando que havia começado a ver teatro somente há uns três anos quando veio para cidade. Com 55 anos, tanto divido até então na zona rural, conta que o primeiro filme que assistiu foi com seus amigos. Sentados em cima de vacas, olhavam o “cinema” projetado em um galpão, uma história do Teixeirinha.
Foi o filho Josué de 15 anos que o aproximou das apresentações na escola. Tendo participado de apenas quatro espetáculos até hoje conseguiu Destaque de Melhor ator em 2013 no espetáculo Memórias de um sargento de Milícias e foi indicado no Festival de teatro Municipal. Ele só dá motivos de orgulho ao pai que sempre que pode o acompanha. Foi assim que Paulo acabou participando do Curta Gaúcho Oxigênio. “Eles precisavam de alguém mais velho e eu estava lá”. Fraga conta que os filhos tocam vários instrumentos e, provando que os apoia nesse lado artístico, conta que, mesmo não tendo muitas posses, tem um bom investimento musical no quarto dos meninos. Segundo ele, fazem apresentações gratuitas em asilos e para crianças carentes.

Voltando a se referir ao espetáculo Maria Degolada apresentado no 2º Festival Estudantil de Teatro de Viamão, ele diz que se arrepia só de falar. “Meus filhos não foram classificados, mas eu tenho que admitir que esse espetáculo selecionado é muito bom”. Em seguida, já começa a fazer planos com Josué, que também está sempre presente e colaborando com os demais grupos participantes do festival, para fazer uma apresentação musical ainda nesse Natal. 

Friday, November 21, 2014

Quando o jornalismo vira teatro

O Mal-entendido, escrito em 1941 e publicado em 1944, pelo francês Albert Camus, foi uma tentativa do autor de criar uma tragédia moderna a partir de um “fait divers” que ele teria lido em um jornal em 1935. Para quem não sabe essa é uma expressão jornalística para os assuntos que não são categorizáveis nas editorias tradicionais como política, economia, etc, apresentando casos inexplicáveis e excepcionais. Mas, quem me conhece sabe que eu não gosto de ficar adiantando a história. Assim, o que posso dizer é que, para mim, será sempre fascinante essas situações em que “revelações” surgem como um golpe do destino. 
O espetáculo de Gilberto Fonseca e Daniel Colin (que também assina a dramaturgia) tem a coragem de apresentar ao público essa história intrincada e trágica. 
Fernanda Petit está irreconhecível no papel da filha, conseguindo oscilar entre um personagem que por vezes parece frio e em outros momentos à beira de um colapso. E não estou falando aqui só da sua aparência, cujo figurino de Antonio Rabadan tão bem caracteriza todos os atores, mas de sua atuação firme, segura e tão expressiva. Por conhecê-la mais de perto, sei que ela sofre para chegar a esse resultado e que duvida de si mesma, mas, acredito que seja exatamente por isso que ela consiga se colocar em cena tão inteira, tão outra. Contracenando com Gabriela Greco, elas mantêm a plateia sob suspense, gerando piedade e ao mesmo tempo asco. Só Elison Couto, a quem admiro e que têm a experiência de vários protagonistas, para conseguir ocupar espaço entre estas duas e acrescentar mais riqueza e energia a cada momento. Aliás, devo dizer que ele é um dos caras mais vivos e, com certeza, o mais morto que eu já vi nos palcos. 
Não é à-toa que Patrícia Maciel teve certa dificuldade de fazer com que sua participação em diversas cenas tivesse a mesma vibração. Não se trata de uma tarefa fácil. Até porque seu personagem não tem a mesma história para contar, não traz as mesmas sensações. Também acredito que falte mais mistério nesse personagem de Pedro Nambuco do serviçal que, tendo um papel tão contundente na história, poderia ser mais inconveniente, sorrateiro e menos caricato. 
A trilha sonora, em minha opinião, poderia ser mais sutil. Por vezes, escorrega para um terror que não condiz com o suspense. Ou, em alguns momentos, causa cortes que não deixam fluir as cenas. 
Agora, isso não diminui a competência do grupo Teatro de Areia na ocupação do Teatro de Arena que consegue transformar um espaço tão pequeno em um ambiente tão cheio de simbologia, criando uma forte atmosfera. Os elementos utilizados, a forma como os personagens interagem com eles merecem todos os elogios.
Creio que se Camus visse essa adaptação poderia até dizer que não tinha pensado em uma irmã tão agressiva, nem numa mãe tão sem esperança, mas ele teria que confessar que também não imaginara que fosse possível fazer tanto em um local tão restrito. E é essa a arte do teatro que é viva, mutante e deve ser vista por outros olhares. Assim, recomendo que aproveitem essa oportunidade de conhecer esse texto tão bem explorado por esse grupo e tirem suas próprias conclusões.

Saturday, November 15, 2014

Uma estrela amarela, um triângulo rosa e uma história para nunca mais esquecer


Talvez, algumas pessoas, como eu, achem que tratar de homofobia em uma época nazista seja tanta barbárie que acabe com certo receio de ir ao teatro para ver Os homens do triângulo rosa.  Por isso, foi preciso que alguns amigos começassem a fazer comentários muito favoráveis para que eu me convencesse que não poderia deixar de ir. Assim, preparada, fui surpreendida por um começo quase cômico do espetáculo e a presença musical e marcante de Gisela Haybeche. Eu conhecia sua voz de timbre aveludado das aulas do Departamento de Artes cênicas, mas nunca tinha imaginado que ela poderia ficar quase irreconhecível em um personagem glamoroso e, ao mesmo tempo, tão real. O figurino de Antonio Rabadan contribui para isso. Mas, é a força, a confiança com que ela anda pelo palco e a intensidade dos olhares que conquista.
Marcelo Adams e Gustavo Susin contracenam com desenvoltura e firmeza nos papeis de homossexuais e levam, mesmo para os campos da época de Hitler, um lado engraçado de uma forte relação amorosa. E é esse clima inicial de cumplicidade, tão bem desenvolvido pela dupla que desperta todo o respeito e empatia que torna o que está por vir ainda mais cruel.
Não tem como não achar que todos os elogios que eu havia lido não foram suficientes para falar desse espetáculo feito com tanta delicadeza, mas também com tanta garra pela Cia Teatro ao Quadrado. Com poucos elementos cênicos (como o grande painel de pessoas aplaudindo) e ao mesmo tempo tão fundamentais para criar toda a atmosfera de uma época tão sinistra, é preciso uma direção corajosa como da Margarida Peixoto não só pela temática, mas pelas cenas que, por vezes, lembram “Esperando Godot”, de Beckett, com o mesmo non-sense tão carregado de sentido. Pelo tempo entre as falas. Pelo desafio de prender o público deixando apenas o sentimento suspenso no ar.
Os homens do triângulo rosa não seria como é se não fosse a atuação impecável de cada personagem desse elenco composto também por Alex Limberger, Pedro Delgado e Edgar Rosa, incluindo até mesmo o caminhar dos guardas e a postura que só pode vir da rigidez e do ódio. Aliás, é um espetáculo cuja linguagem corporal preenche todos os diálogos e tudo que não é dito.  E o que vai sendo contado assim é tão perturbador que eu me defendo buscando um olhar de espectador, de quem ainda se fascina com esse poder da arte de nos fazer mergulhar em outro tempo e espaço. E, ali, naquele palco, o teatro é mágico, mas, é também agonia.
Violentamente, Frederico Vasques nos transporta para aquele momento da história, nos fazendo esquecer que estamos em um espaço cênico em uma outra época, ainda que com tanto em comum. Sua contracenação com Marcelo Adams é impecável e intensa, não tem sobras e mostra o patético do seu personagem preso por um fio, o da intolerância.  Já Marcelo Adams nos apresenta todas as nuances de sentimentos tão profundos e antagônicos de quem não pode fugir do que é, nem tão pouco revelar.
Assim, apesar de todas as histórias sobre o nazismo que já vimos, esta peça, baseada no livro Bent, de Martin Sherman, nos atira para uma realidade que não foi suficientemente relatada na história, provando que, por mais terrível que possamos imaginar a força do preconceito nazista, este conseguiu ser ainda pior ao tratar dos homossexuais. Não, não há como se preparar para um espetáculo como esse porque ele é arrebatador por essa mistura de violência e delicadeza, de crueldade e de afeto e por apontar tão duramente o que o amor e a falta dele podem provocar na humanidade.



Thursday, November 06, 2014

O milagre da Torre Eiffel

Eu acredito em milagres porque eles acontecem comigo. Estava na fila para subir na Torre Eiffel e uma senhora e uma criança de uns seis anos falavam em francês sobre de onde vinham todas as pessoas que estavam ali, fazendo uma lista de diversos países. Eu me meti na conversa e citei o Brasil. Começamos a conversar. O menino, muito sorridente e esperto, dizia que não precisaria de bilhete pois tinha uma “chave” e mostrava a sua pequena torre dourada em um chaveiro. Eu, já cansada por ter ido a pé do centro até lá, comentei sobre a energia do menino e disse que deveria ser a torre que lhe dava esse poder. Ele achou engraçado e fingia que ia me dar a torre e pegava de volta. Entramos no elevador e não nos vimos mais. Amaguei numa fila por um bom tempo pois tinha comprado o bilhete para a parte mais alta (e menor). Não fiquei muito tempo lá em cima pois já eram quatro horas da tarde e eu estava sem comer nem beber nada e o corpo dava indícios de exaustão. Saí procurando uma estação de metrô e, no caminho, encontrei um restaurante. Lembrei que minha mãe sempre sugere que se faça uma parada para recuperar as forças quando o caminho é longo e resolvi comer ali. Uma multidão passava pela minha frente a cada instante em direção a torre. Não demorou muito, surge a minha frente a mesma senhora e o menino, procurando um lugar para beber algo. O menino me vendo diz para a senhora que quer se sentar ali. Ficam os dois ao meu lado e começamos a conversar sobre as nossas viagens já que ela havia vindo do interior com o menino e também fazia programas turísticos. É ela que me ajuda depois a encontrar a estação e pegar o primeiro RER da minha viagem e chegar em pouco tempo ao meu destino. Bem, quem já esteve por lá sabe a gigantesca quantidade de pessoas que circula por ali e sendo o lugar mais visitado do mundo é o pior para marcar um encontro.  O propósito? Será sempre um mistério, mas, para mim, não deixa de ser um milagre.

Wednesday, October 01, 2014


  1. E lá se foi meu amigo Pierre Pitré, um dos franceses que desmente completamente aquela ideia de que eles não têm humor e que se sentem superiores aos demais. Tive o prazer de conviver com a sua intensa curiosidade por tudo, sua tentativa de aprender português, dizendo churrascô e tantas outras palavras. Hospedado aqui em casa, estava sempre disponível para toda e qualquer programação que inventássemos. Recebendo a gente lá, era incansável em tentar nos fazer sentir em casa, com todas as gentilezas possíveis, desde fazer questão de nos buscar no aeroporto até nos servir vários copos de vinho. Na última vez em que estivemos juntos, ele relembrou  momentos da sua vida e contava alegre as conquistas que fizera. Andou estrada a fora para nos mostrar alguns lugares do seu país. Ficou um bom tempo pendurado em uma linha telefônica só para descobrir se o albergue onde estava o meu sobrinho estaria aberto até ele voltar. A geografia fez com que convivêssemos pouco, mas em momentos marcantes para nós. Foi a casa que me acolheu na minha primeira vez em Paris e isso ficará para sempre em minha memória. Apesar do pouco tempo que tivemos juntos, deixa muita saudade e milhares de lembranças felizes de uma alma generosa e que sabia levar uma vida com a leveza que ela merece.

 http://youtu.be/fDio3_1AaJ8

Sunday, September 07, 2014

Músicas francesas na voz de um anjo gaúcho



Nos tempos de hoje, não deixa de ser estranho que uma pessoa jovem escolha o canto erudito. Sei de gente que pode achar chato. Para mim, ouvir uma voz de soprano me remete a um tempo passado, quem sabe a uma outra vida já que se tratava de músicas francesas? Fato é que as pinturas da sala, o espelho, o piano e o próprio figurino negro de Fernanda D’Almeida na Casa da Música também colaboravam para essa impressão.  Não é a primeira vez que a vejo, nem que escrevo sobre isso, mas dessa vez o repertório do recital chamado Melodies parecia escolhido para me agradar. Como se o simples fato daquela voz límpida, angelical já não o fizesse. É preciso também destacar o fato de que ela não se limita a emitir aqueles sons impecáveis, ela interpreta cada palavra e me humilha com a sua memória prodigiosa declamando antes cada letra em português. Foram dez músicas, todas decoradas nas duas línguas, acompanhadas ao piano por Arthur Wilkens, indo dez de uma canção sobre patinhos à Debussy.
Como se já não bastasse a figura de cabelos negros, a boca carnuda e seus olhos brilhantes, Fernanda tem presença cênica. É expressiva. Cresce quando está no palco, mesmo que seja um pequeno espaço lotado. Quem a conhece mais de perto comenta que ela fica bem diferente do dia-a-dia, mas, não é assim com todo artista? Para encerrar, ela escolhe a música “J’ai deux amants” (Eu tenho dois amantes) e enquanto canta gesticula, sorri, faz um olhar provocador e sensual e brinca com a plateia sobre o conteúdo da canção que chama os homens de bobos.

Minha prima, Doralice Alves, anda pela Europa e não pode assistir a filha. Mas, espero que o talento do seu outro filho, Marcelo Alves, no trato das imagens, assim como a filmagem da sua irmã Claudia D’Almeida possam dar uma ideia do que foi essa noite chuvosa em Porto Alegre, onde me senti um pouco em Paris. Será assim também no dia 25 de setembro no Festival da Canção Francesa quando voltarei a ouvi-la.  Fernanda D’Almeida foi uma das 10 selecionadas para esse evento que acompanho há anos e que vem reunindo grandes talentos que fazem essa ponte que existe para mim desde criança: Paris-Porto Alegre. 

Thursday, July 17, 2014

Cadeira vazia? Só se for a música.

Escrevo mais por vício, pois quando um espetáculo consegue lotar um lugar como a Reitoria (depois de já ter lotado o Teatro São Pedro) com um público entusiasmado, talvez, não haja muito mais a dizer. Mas, me atrai essa proposta de montar musicais que anda por aqui. E Lupicínio, em particular, me interessa. Eu conheci suas músicas mais na voz de Maria Bethânia e fiquei impressionada com a força das letras, com aquele sentimento todo. Mesmo assim, foi com surpresa que percebi que ainda há muitas letras desse incrível poeta.
Sou leiga no assunto, mas, neste espetáculo, todos parecem ter competência para cantar. Tirando alguns poucos momentos, em que alguns atores recebem suporte dos demais, em geral, as vozes enchem o espaço com força e delicadeza. Cintia Ferrer traz para a cena o seu carisma, o seu preparo corporal e a sua capacidade de fazer mais de um personagem, ou seja, sua presença cênica. Raul Voges, que eu conheci dançando lindamente com minha prima Angela Spiazzi em outro espetáculo, mostra que é capaz de cantar muito bem. Assim como Lucas Krug que imprime em sua voz e ao seu corpo uma expressividade trazida das experiências cênicas e um timbre que o permite não apenas cantar, mas interpretar as músicas. E se cito particularmente estes é porque os conheço pessoalmente ou de outros trabalhos, mas, não há dúvidas de que todos os demais formam um grupo competente musicalmente em cena.
Os painéis transformados em cenário são representativos da obra e da presença de Lupicínio em Porto Alegre. O figurino de Fabrizio Rodrigues parece adequado a cada integrante, trazendo, em alguns momentos, beleza à cena, como acontece no número de “Elis”. Aliás, a aparição de alguns outros artistas que fizeram parte da vida de Lupi, assim como alguns números femininos, sem dúvida, enriquecem a história a ser contada e o jogo com a linha do tempo mostrando Lupicínio menino, moço ou mais velho traz uma bela dinâmica.  Por escolhas como essas, nada vai diminuir o mérito desta produção gaúcha que obtém aplausos da plateia em cena aberta, que mostra a força e o potencial deste gênero no teatro. Porém, é justamente aqui que encontro uma certa fragilidade. Afinal, a música de Lupi é dramática. Cada palavra permite a visualização de uma cena. E, no entanto, isso não aparece. Sem querer, minha irmã destaca o único item que eu já pensava comentar quando diz: o prefeito Fortunatti estava no “show”.  E é isso que me faz buscar a definição de musical para saber se esta impressão que ficou para mim faz sentido.
É inegável que Artur José Pinto criou um roteiro que possui comentários inteligentes e frases engraçadas que ilustram a vida do boêmio. Mas, não chega a ser biográfico, não alinhava as histórias da vida do seu “protagonista”. Duas coisas evidenciam essa falta de teatralidade a qual me refiro: os “atores” cantarem, quase sempre, virados para o público e a visibilidade dos músicos. Não há como “entrar na história” se vejo mexerem nos instrumentos. Tanto é que um deles até canta uma das músicas. O que me fez ficar procurando quem estava cantando.  E como, a princípio, o que se chama de musical é um gênero onde a narrativa é apoiada em um conjunto de músicas coreografadas, a meu ver, o que acontece em Lupi é o contrário. São músicas, intercaladas por alguma narrativa ou simplesmente por uma espécie de “pano de fundo” com ações do elenco.
Não acho que para quem estava no teatro hoje à noite isso faça alguma diferença. Tanto é que o simples hino do Grêmio provoca fortes reações do público. Tanto a favor quanto contra. Creio que a maioria esperava ouvir boa música e nisso não foram decepcionados. Foi uma excelente escolha terminar o espetáculo levando o público a cantar “Se acaso você chegasse”.  Entretanto, se levar a risca o título “uma vida em estado de paixão”, devo dizer que vi mais eficiência do que emoção, mas que ainda assim sai do teatro com um sentimento muito favorável em relação ao que estamos conseguindo produzir por aqui. E não tenho a menor dúvida de que este é um dos gêneros teatrais mais difíceis de ser montado e que exige muito mais do que lindas vozes.



Monday, June 09, 2014

Nico Nicolaiewsky: a vida interrompida de um personagem eterno.

“Eram duas caveiras que se amavam e que a meia-noite se encontravam....” Esse é apenas um dos trechos das muitas músicas que estão na cabeça de todos os que assistiram Tangos e Tragédias. O espetáculo criado, em 1984, por Nico Nicolaiewsky e Hique Gomez, chegou a entrar em sua 30ª temporada no dia 9 de janeiro, no Teatro São Pedro, com todos os ingressos praticamente vendidos, mas teve que ser cancelado. Nico Nicolaiewsky que estava hospitalizado no Moinhos de Vento, desde o dia 23 e lutava contra uma leucemia mielóide aguda não resistiu. No dia 7 de fevereiro, a cidade amanheceu de luto com a notícia da morte, aos 56 anos, do ator.
Nelson Nicolaiewsky, seu nome de batismo, nasceu no dia 9 de junho de 1957, em Porto Alegre. Estudou piano desde os 7 anos e, e aos 13, foi aprovado em um teste no Instituto de Belas Artes da UFRGS, onde seguiu seus estudos até os 16 anos. Na década de 1970, aos 21 anos, foi um dos fundadores do “Musical Saracura” um dos mais importantes grupos do Rio Grande do Sul que, infelizmente, teve um único Cd gravado antes de se dissolver.  Em 1984, o Tangos e Tragédias recém estava começando as apresentações quando Nico foi para o Rio de Janeiro, morando lá durante 10 anos e estudando com o maestro Hans-Joachim Koellreuter.
Ao retornar ao Rio Grande do Sul, lançou dois discos solo: Nico Nicolaiewsky (1996) e As Sete Caras da Verdade (2002). O primeiro contém valsas e canções líricas e virou trilha do filme Amores, de Domingos de Oliveira. O segundo consiste em uma ópera-cômica. Em 2007, Nico Nicolaiewsky lançou seu terceiro disco, intitulado Onde Está o Amor? que, diferente dos anteriores, contém músicas de caráter mais pop. O disco foi produzido por John Ulhoa, guitarrista da banda Pato Fu, e além de composições próprias, inclusive canções do Musical Saracura, como "Marcou Bobeira" e "Flor", o repertório incluía releituras de clássicos da música brasileira como "Maluco Beleza" de Raul Seixas, "Ana Júlia" dos Los Hermanos e "Dia de Domingo" de Tim Maia. Conhecido em todo o Rio Grande do Sul, o ator participou de programas da RBS TV e da Rede Globo, como o Galpão Crioulo, tradicional atração de música regionalista do estado. Um dos seus últimos trabalhos foi o espetáculo de 2013 "Música de Camelô", onde cantava sozinho ao piano, canções populares como "Ai Se Eu Te Pego", de Michel Teló, e "Tô Nem Aí", da cantora Luka, Mas foi com o Tangos & Tragédias que conquistou reconhecimento nacional.
Tangos & Tragédias era um espetáculo que reunia música, humor, teatro e muita interação com o público. Os recursos cênicos eram garantidos pela ficção construída em torno dos dois personagens: o Maestro Plestkaya (Nico Nicolaiewsky) e o violinista Kraunus Sang (Hique Gomez), artistas vindos de um país imaginário chamado Sbørnia. Todas as músicas escolhidas, canções brasileiras e sucessos da música internacional, passavam pela comicidade dos dois, criando um espetáculo capaz de agradar diferentes plateias e faixas etárias. O espetáculo foi encenado nos mais importantes teatros do Brasil e recebeu uma versão integral para língua espanhola, apresentada na Argentina, Equador, Colômbia e Espanha. Em 2003, em Portugal, Tangos e Tragédias foi escolhido pelo público como o melhor espetáculo durante o Festival Internacional de Teatro de Almada e, em 2004, como "Espetáculo de Honra". Em 2007, voltaram para uma semana no teatro Tívoli e rápida turnê pelo país. Nesse mesmo ano, o espetáculo foi lançado em DVD.  Em 2011, foi eleito o Melhor Show Popular do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte. As aventuras dos personagens Kraunus Sang e maestro Plestkaya também viraram filme, a animação “Até Que a Sbórnia nos Separe”, do cineasta Otto Guerra, exibida no Festival de Gramado de 2013.
Tangos e Tragédias: as razões do seu sucesso
O espetáculo, que criava todo um contexto imaginário sobre a cidade batizada pelos artistas de Sbórnia, não obteve sucesso logo no início. Durante dois anos foi apresentado em barzinhos de Porto Alegre para pequenas plateias. Só em 1986 faz a primeira apresentação no palco do Instituto Goethe de Porto Alegre com a participação de Dilmar Messias, ator e diretor que encarnou Frantz, um dos primeiros (serão muitos artistas ao longo das três décadas) “sbornianos célebres”. Ainda assim, poucas pessoas assistiram essa primeira temporada. Isso não impediu, porém, que no ano seguinte eles estreassem no Rio e em São Paulo e que em 1988, fizessem a primeira estreia da temporada de verão no palco mais importante de Porto Alegre, o Theatro São Pedro. Hique Gomez atribui o início do sucesso de Tangos e Tragédias a uma entrevista no programa do Jô Soares onde, ao longo dos anos de 1990, eles farão 14 aparições e irão garantir a presença em massa dos porto-alegrenses.
Tratando com humor grandes temas como o amor impossível, a dor-de-cotovelo e outras tragédias do ser humano, Tangos & Tragédias reunia música, humor, teatro e muita interação com o público que insistia em retornar cada vez que o espetáculo entrava em cartaz. Apesar das plateias lotadas, não era difícil encontrar em Porto Alegre quem nunca tivesse visto Tangos e Tragédias, mas poucas pessoas haviam visto apenas uma vez. E o que tornava esse espetáculo tão atraente para o público? Afinal, eram poucos elementos de cenário, apenas dois artistas no palco, um figurino simples e uma maquiagem caricata para reforçar os tipos e, apesar de algumas atualizações, as falas e as canções eram praticamente as mesmas. Para compreender esse fato é preciso destacar a multiplicidade de talentos de Nico Nicolaiewsky. Sua formação musical clássica aliada a sua sensibilidade de identificar o valor da música popular. Nico era músico, cantor, compositor e ator. Afora isso, havia seu indiscutível carisma no papel de maestro, conduzindo homens, mulheres e crianças a cantar junto com a dupla.
De forma irônica, mas sem nunca desrespeitar, debochar ou tentar fazer graça com os equívocos dos presentes, eles conquistavam o público. Os personagens seguiam um roteiro em que um assumia a liderança e o outro reforçava suas ironias. Um maestro que tocava acordeom e que contava histórias trágicas, cheias de emoção, no papel de líder, e Kraunus Sang (Hique Gomez), apoiando ou até mesmo contrariando simplesmente com gestos ou com mudanças de fisionomia e seus olhos expressivos, formando uma cumplicidade profunda e arrebatadora. É a partir dessa simbiose que surge a grande força cênica que é transmitida nas entrelinhas do que é ou não, dito. Nos momentos de tensão dos intervalos entre as notas. Na expectativa do público do que àqueles dois pretendiam fazer no próximo instante. Na capacidade deles de sustentarem esse suspense como longas notas de um instrumento para finalizar com alguma atitude brusca, uma fala simples, levando o público às gargalhadas. E essa mistura entre a qualidade musical dos dois artistas e esse humor ora ingênuo, ora arguto e corrosivo, essa ironia implacável, associada à sutileza das frases poéticas, isso tudo foi construindo esse sucesso que só se torna possível quando atinge o público e esse faz reverberar o quanto é divertido e agradável ver Tangos e Tragédias. Não uma, mas duas, três, dez vezes. Porque as piadas podiam ser as mesmas, mas havia o caráter de improviso a cada apresentação, o que ocorre sempre que o espetáculo valoriza a interação com o público. Não importa se era previsível que alguém seria chamado ao palco. Afinal, ninguém, nem mesmo eles, sabia quem seria convidado a participar e isso tornava aquele momento único. O que Nico Nicolaiewsky e Hique Gomez sabiam fazer com perfeição era valorizar o efêmero. O público percebia que, independente de todos os ensaios, eles estavam ali presentes, inteiros, executando as melodias com o prazer de uma primeira vez, mas com a eficiência de quem aprendeu a dominar uma platéia.
Talvez, seja importante considerar também que, por mais emocionantes e interessantes que fossem suas apresentações, provavelmente eles não teriam atingido o mesmo sucesso sem todo o imaginário criado em torno da cidade fictícia de onde teriam vindo esses dois talentosos artistas. Citadas pelos dois durante o espetáculo, as características da Sbórnia, seu povo e seus costumes foram rompendo o espaço cênico e, aos poucos, fazendo parte da cultura dos gaúchos. Apresentada no palco, a dança chamada por eles de Copérnico (em que os braços e as mãos ficam imóveis e só a cabeça se movimenta), tornou-se conhecida em Porto Alegre. Aparentemente “non-sense”, a história da Sbórnia trazia traços da realidade econômica e social vigente no Brasil e todos os dados sobre o seu sistema político, o turismo, a moeda oficial da Sbórnia vinham carregados de críticas ao país. Na história do espetáculo, contada pelos próprios autores em seu espaço de divulgação, é difícil identificar o que é real ou foi criado apenas para fazer graça e é justamente essa mescla que torna tudo tão interessante. Não há dúvidas, porém, de que muitas ideias levadas ao palco surgiram a partir das experiências reais dos seus autores. Um exemplo disso, é o relato de Nico Nicolaiewsky sobre o plano de levar para fora do teatro a encenação do Tangos e Tragédias.
Lembro da primeira vez que saímos tocando do teatro para a rua. Nós íamos terminar o show, como sempre, saindo do palco e entrando no camarim. Acontece que o camarim estava trancado e nós não tínhamos para onde ir (o palco nesse teatro – Teatro Cândido Mendes no Rio de Janeiro – dava direto para o camarim, não tinha corredor), então começamos a sair do palco pela única saída que restava que era a saída para a rua e o povo nos seguindo e cantando. Aí nós continuamos a tocar e fomos até a praça. E o povo nos seguindo. A partir daí fazemos igualzinho em todos os shows como se fosse pela primeira vez.”(NICOLAIEWSKY, Nico)
Fato é que, durante muitos anos, Porto Alegre teve a chance de presenciar um espetáculo a céu aberto em uma das áreas mais nobres da cidade, na Praça da Matriz. Juntavam-se àqueles que haviam comprado ingresso, pessoas só para assistirem a essa pequena parte, que já sabiam que, no final, Pletskaya e Kraunnus Sang arrastariam centenas de pessoas para fora e se dirigiam para o local só para assistir essa pequena parte. Assim, a proposta artística de Nico Nicolaiewsky e Hique Gomez foi levada, literalmente, muito além das paredes do Theatro São Pedro, onde também seria, finalmente, a despedida do Maestro.
Uma enorme faixa preta foi colocada na fachada. Lá, os amigos e pessoas de todas as áreas importantes da cidade foram dar adeus ao artista. O governador Tarso Genro decretou luto oficial de três dias e visitou o local, que pela primeira vez sediava um velório, para também prestar homenagem ao músico. Grandes nomes da música e do teatro foram confortar a família e amigos de Nico como os músicos Nelson Coelho de Castro, Vagner Cunha, Thedy Correa, Sady Homrich, o escritor Luis Fernando Verissimo e a mulher Lucia, o diretor Zé Adão Barbosa, os atores Zé Victor Castiel, Rogério Beretta, a diretora e coreógrafa Carlota Albuquerque e os maestros Antônio Borges-Cunha e Tiago Flores. O caixão estava no fosso que separa o palco da plateia, coberto por um pano preto com a Estrela de Davi, conforme a tradição judaica. Sobre esse, uma manta que Nico ganhou de presente do pai com notas musicais e teclas de piano. No palco, foram colocados uma cadeira vazia e um piano no qual algumas pessoas tocaram como Simone Rasslan, Arthur de Faria e Fernando Pezão. Hique Gomez emocionou tocando violino e anunciando a criação do instituto de “Artes Sbornianas” para preservar a obra do parceiro com quem dividiu 30 anos de palco. Sua filha, a escritora Clara Averbuck escreveu: Eu sempre estive lá, então acho que nunca cheguei a realmente dizer o tanto que eu admiro o trabalho que o Nico e o meu pai fizeram, como aquele espetáculo foi mágico, como era lindo, como me surpreende e deleita a capacidade dele de tocar absolutamente todo o tipo de pessoa, como era um imenso gerador de alegria para todos que assistiam com o incrível poder transformador das coisas feitas com o coração, capazes de fazer multidões entrarem em catarse. Eu sei todas as letras de todas as músicas há anos, sei todos os timings das piadas, tudo. Faz parte de mim. Faz parte de quem eu sou. E eu nunca pensei que fosse terminar. Esse ano, no dia da estreia, meu pai esqueceu um apetrecho fundamental para o cabelo do Kraunus e eu e minha mãe fomos correndo levar no Theatro. O Nico estava fazendo uns acertos com o Levitan e o Pezão, a Gran Orchestra da Sbornia, já prontos pra entrar no palco. Quando me viu, largou o acordeon e me deu um abraço tão apertado e querido que eu quis ficar para ver o espetáculo mais uma vez. Pensei: ah, depois eu vejo. Vai ter sempre. O Tangos nunca vai acabar E não vai mesmo. O Tangos e Tragédias está eternizado no coração de cada um que viu, de cada um que conheceu, de cada um que, nesses 30 anos, saiu cheio de alegria daquele e de outros teatros pelo Brasil e pelo mundo. Agora cabe a nós espalhar e registrar ainda mais a genialidade desse espetáculo que tocou tanta gente. Obrigada, Nico, por tudo. A música nunca vai morrer...”
Durante todo o dia, o teatro esteve lotado não só de pessoas conhecidas, mas de tantos outros que apenas queriam homenagear o artista. As pessoas se acomodavam nas mesmas poltronas onde assistiram tantas vezes ao espetáculo musical e humorístico Tangos & Tragédias, fenômeno de popularidade sem precedentes no Rio Grande do Sul. A sala que sempre estivera repleta de música e risos era, naquele momento, local de silêncio, emoção e lágrimas na despedida de um artista que, embora tenha sido consagrado em um único papel, era reconhecido no meio musical como um compositor de indiscutível talento.

Artur Faria, músico e amigo de Nico, também escreveria nas redes sociais: “Hoje eu pus pedras brancas sobre a terra úmida embaixo da qual jazia o corpo morto do meu amigo. Hoje, e ontem, eu toquei pra ele, com outros amigos nossos, e não tocamos nada, só tocamos. Só deixar a música sair, a música que viesse, música nenhuma, música qualquer. Hoje, e ontem, eu tinha certeza de que ele ia dizer pra gente, com aquele riso de orelha a orelha, o tom mais agudo na voz, meio falando meio rindo: - Baaaaaaah, mas vocês bem que podiam ter ensaiado, né?”(FARIA, Artur, 2014). 


Monday, April 28, 2014

Cazuza: um cometa que cruzou os céus do Brasil

Não, eu não o conheci. Nem mesmo morávamos na mesma cidade. Mas, acho um privilégio ter sido contemporânea desse artista brasileiro. E o melhor comentário que posso fazer sobre o Cazuza – Pro dia Nascer feliz, o musical é que ele me fez sentir uma saudade ... Li essa semana que a vida de uma pessoa deve ser avaliada pelas lembranças que deixa. Nesse caso, nem preciso comentar o que significa. Acho que deve ser extremamente complicado para um ator representar o papel de alguém que causou um impacto tão profundo. Creio, no entanto, que todos que viram o espetáculo ficaram impressionados com a semelhança (não física) de Emílio Dantas com o original. E, embora a gente sempre escute que, ao interpretar uma pessoa real, não se deve buscar ficar igual a ela, é uma delícia poder rever os trejeitos, o jeito de falar, andar, cantar de alguém tão singular. Entre os outros atores, destaco Susana Ribeiro no papel de Lucinha Araújo, mãe do Cazuza. Assim como Marieta Severo no filme, a atriz soube levar à cena esse rigor de uma educação tradicional associada a um amor infinito e a aguda percepção de que estava diante de um ser que não lhe pertencia. O trabalho do ator Marcelo Varzea no papel de seu pai também sublinha as cenas com a dramaticidade que nos leva a sentir os desejos e o amor de todo pai. Severo em relação às atitudes inconsequentes do filho e amoroso diante das suas fragilidades. Sua atuação é sutil, mas dá todo o apoio para o protagonista. Fabiano Medeiros (Ney Matogrosso e Guto Graça Mello), também se destaca no personagem de Ney Matogrosso, principalmente, no seu solo apresentando uma das músicas do Cazuza gravadas pelo cantor. Os demais atores sustentam bem as cenas e mesmo que alguns façam caricaturas de gente importante como o Caetano, isso torna a peça divertida, mas é o protagonista que brilha. E, como nem tudo é perfeito, uma das atrizes tem uma voz anasalada, que eu odeio. Nem me importo em saber se quem ela representa possui a mesma voz. Não faço a menor questão de ver alguém assim cantando em cena.
Não tenho dúvidas de que fazer um musical é difícil. São muitos elementos. Exige uma integração de todos os atores, assim como competência vocal. A direção de João Fonseca traz uma dinâmica agradável e intercala trechos da vida de Cazuza com várias canções e, atenta ao enredo, às vezes, deixo de perceber a força da música. Ao mesmo tempo, fica a impressão de que sem elas, a parte “dramática” não se sustentaria. Ficamos diante de um show que não é do Cazuza, mas que nos remete às suas apresentações. Suas letras, suas músicas são de uma riqueza... Podemos ter nossas preferências, mas não há como não gostar de alguma. Não tinha como não me emocionar. Várias canções me levam para o passado, mexem com emoções que tanto me questionaram. Eu, criada por uma família aparentemente tradicional, jogada naquele universo da contravenção de Cazuza, da sua irreverência, do seu desejo incontrolável de liberdade. E enquanto no palco a energia cresce, acho interessante observar a plateia nos musicais. Ninguém se mexe. Creio que ninguém canta também. Tenho que parar para me dar conta de que isso até faz sentido, pois não é um show. Mas, era certo que estavam gostando. Aplaudiam cada número em cena aberta.
O figurino se ajustava perfeitamente a cada personagem, da forma bem realista. Já o cenário, explorava mais uma vez as plataformas elevadas. Não chegava a atrapalhar, mas também pouco acrescentava.   
Vemos no palco, a mesma mudança que vimos na vida. A doença ganhando terreno na vida de Cazuza, mas sem tirar o seu humor, a sua irreverência. E tudo vai ficando mais triste, mais pesado e eu penso: como eles vão conseguir finalizar isso sem resumir Cazuza à Aids? E eles conseguem. Trazem todos os atores ao palco, junto com o Cazuza do início, o Cazuza que ficou, que canta para nós até hoje. Falam também da Sociedade criada por sua mãe e tantas crianças fazendo com que Cazuza seja muito além de um cantor que deixa uma obra musical, mas que ainda hoje transforma a vida desses seres que representam o futuro.
Como jornalista, gosto da inclusão da cena da entrevista com Zeca Camargo quando ele revela, finalmente, que tem a Síndrome. Aliás, o texto de Aloísio de Abreu soube sintetizar o espírito, o senso de humor de Cazuza, o que leva a plateia a rir de várias cenas. Já a direção musical de Daniel Rocha também ganha reconhecimento do público pelos aplausos após cada número. Não posso esquecer de mencionar a banda que os acompanha. Impecável.
No fim, todos levantam, gritam, aplaudem. Os atores agradecem a forma como o teatro os recebeu. Infelizmente, eu não posso fazer a mesma coisa. Quando a Fernanda Petit comentou sobre Cazuza, o musical, a minha verba era curta. Assim comprei um ingresso para Galeria Alta à direita. É claro que não esperava uma visão perfeita do palco, mas acabei sentada do lado de um canhão de luz e por mais afeto que tenha ao meu professor de iluminação Nilton Filho não tinha nenhuma intenção de sentir um calor na orelha cada vez que o técnico tivesse que jogar a luz no palco. Ele mesmo me advertiu que eu não poderia me mexer, pois atrapalharia. Imagina eu ofuscando o Cazuza? Assim, no intervalo, vendo cadeiras vazias, resolvi mudar de lugar. Falei com uma das moças responsáveis e ela disse que teríamos que esperar recomeçar para ver quais cadeiras sobrariam. A estratégia não parecia dar certo já que outras pessoas também buscavam melhores posições. Tentei sentar em um lugar que me parecia vago. Não era. Ao tentar sair, uma moça me disse que aquele não era mesmo o meu lugar. E eu pensei: nem o dela. Afinal, quem vai assistir Cazuza com uma mentalidade mesquinha ou grosseira, definitivamente não está à altura desse grande poeta. Assisti mais de hora do espetáculo em pé. Mas, sabia que me distrairia o suficiente para esquecer o desconforto.
Concordo, totalmente, com sua mãe: Cazuza era um sol e chorei por ele, por mim, por nós. Afinal, ele se foi em 1990 e o que mudou de lá para cá? No Brasil, que precisa mostrar sua cara, quase nada. Felizmente, tivemos alguns avanços contra a Aids e todo o preconceito que havia em relação a ela.  Embora Cazuza tenha adiado contar o que tinha para evitar, principalmente, a pena das pessoas, é impossível não pensar o quão trágico foi o que aconteceu com ele. Ou conosco. Afinal, que falta nos faz um artista com o poder de dizer tanto através da poesia. De ser absolutamente contundente, sem chegar a agredir. Não tem como não pensar na perda que sua partida significou para a música. Quantas letras incríveis ele poderia ter feito? Músicas que falassem de amor, de indignação, de todos os conflitos da alma. Não. Eu não vejo ninguém ocupar esse espaço e sinto as lágrimas escorrerem ao pensar que vida breve... Que vida intensa... Que vida imensa!

http://youtu.be/IOSwTcUIreU



Tuesday, February 18, 2014

Apunhalada pela arte



Fui ver Eros Impuro porque conhecia o diretor. Quer dizer... virtualmente.  Encontrei o jornalista e dramaturgo Sergio Maggio pela internet quando fazia minha pesquisa de mestrado sobre crítica teatral. A partir de então, eu e o morador de Brasília, mantemos contato on line e foi assim que soube que ele estaria em Porto Alegre.  Como sempre, fiz questão de não ler nada sobre o espetáculo.  E, embora muita gente ache isso estranho, eu fico ainda mais admirada dessa necessidade de precisar de explicações sobre a arte. Para mim, comentários e críticas, exatamente como esse, são válidos para aprofundar impressões, usufruir outro olhar, mas gosto de ser surpreendida e é assim que descubro que a peça se trata de um monólogo do ator Jones de Abreu. É preciso dizer, porém, que ele trava intensos diálogos com outros personagens das histórias que ele narra. E a intensidade com que faz isso é presente desde o primeiro momento, quando ele passa a desenhar um rosto enquanto encara alguém na plateia. O fato de ele estar em um ateliê já torna tudo mais curioso. Afinal, quem me conhece sabe que gosto dessa mistura das artes cênicas com as artes plásticas. Quanto ao tema, não fica muito claro, para mim, logo de início. O ator nos leva aos poucos para sua vivência com os modelos que pousam para ele e provocam suas reflexões. Ao falar de sexo, prazer e culpa, ele vai provocando em mim um sentimento de desconforto que me faz lembrar meu professor e cineasta Sergio Silva que sempre me advertia que o filme que ele iria passar continha cenas picantes e que iriam perturbar minha sensibilidade originária de uma educação rígida. E esse sentimento vai me acompanhar até o final, dividido com a percepção da força da atuação desse único homem no palco que é capaz de se dividir em outros personagens, discutir com seres “invisíveis”, alternando momentos de fragilidade, raiva, lucidez e loucura.  Eu poderia falar dos vídeos, da sua contracenação com uma projeção, da luz ou da trilha, mas são suas palavras que criam imagens provocantes numa mistura de pornografia e poesia... ”escorregava as mãos por entre seus desejos”. Essa oscilação entre um mundo pervertido de crime e castigo vai se intensificando, fruto do entendimento do abuso, do desrespeito, das memórias de uma infância corrompida.  Ao sair, suspiro e tomo consciência de que o espetáculo não tem a intenção de chocar pura e simplesmente. Ele é, antes de tudo, uma denúncia que está no próprio texto do ator que diz: “a minha arte é o meu punhal”. 

Saturday, January 25, 2014

Porque nunca haverá outra Elis

Fui ver Elis, a musical, como vou ver tudo.  Sem saber o diretor, nem o elenco. A história? Bem, essa eu conheço um pouco. Afinal, nós, gaúchos, costumamos acompanhar mais de perto o que aconteceu com essa menina de 12 anos que cantou pela primeira vez em um programa da Rádio Farroupilha e, mais tarde, foi trabalhar na Rádio Gaúcha.
O lugar escolhido na hora da compra pela internet poucos dias antes, graças aos novos amigos cariocas que conheciam o teatro, não podia ser melhor.  Chegamos à 5ª fila exatamente às 17h. Horário interessante que permite que muitas pessoas de mais idade lá estejam. Sabia que a atriz Lilian Menezes era “apenas” uma substituta de Laila Garin, mas como não a conhecia, não fazia diferença. Logo no inicio, não consigo ver semelhanças com o tipo físico, nem com a voz da própria. Mas, logo me lembro de tudo que sempre leio sobre essa questão de fazer alguém que realmente existiu e da importância justamente de não mimetizar. Porém, à medida que a história evolui vejo trejeitos, gestos tão característicos daquela que acabou sendo conhecida com a maior cantora do Brasil. E aquele modo de sorrir fechando os olhos que a identificava. Na execução que arrebatou uma multidão de “Arrastão”, música de Edu Lins e Vinícius de Moraes, um dos grandes sucessos de Elis, ela ainda não se parecia, mas, isso não diminuiu a genialidade da ideia de projetar a plateia da época e colocar a atriz de costas para o público. Talvez, vinda do diretor Dennis Carvalho.
A obra retrata bem o temperamento da cantora, o impacto que sua voz causava em Miele, dono da boate do Beco das Garrafas em Copacabana, onde ela fez diversas apresentações  e Ronaldo Bôscoli, seu futuro marido. Esse interpretado por Felipe Camargo que, não raro, roubava a cena com um jeito malandro, quase calhorda e sua relação estreita com o alcoolismo e outras mulheres. Ele consegue mostrar porque, apesar disso, Elis era tão apaixonada por ele que, no início, fazia questão de desdenhá-la, falando de sua origem humilde e de seu jeito de vestir interiorano. Enquanto o via em cena, pensava na vez que também estava no Rio e o vi em um dos espaços culturais da cidade e me esforcei para vencer a timidez e ir falar com ele. Eram os tempos dos Anos Dourados na Globo e ele tinha me impressionado com seu jeito meigo contracenando com Malu Mader.
Até uma boa parte do espetáculo pensava que quase não havia cenário. Entretanto, logo me dou conta que precisava rever meu conceito. Afinal, aqueles painéis, banquetas, projeções já podem ser considerados assim. Na boate do Miele letreiros com letras apagadas me dão a ideia do cuidado que tiveram com os detalhes. Além disso, todos cantam muito bem. E isso que contei 19 pessoas em cena. Os números de dança coreografados por Alonso Barros, são ótimos e o jeito de entrar de “peixinho” no palco só podia me lembrar a coreógrafa Carlota Albuquerque e minha prima Angela Spiazzi.
Os momentos de gravação com Tom Jobim são divertidos e o ator Leo Diniz, mesmo não se parecendo fisicamente com o maestro, captou perfeitamente o seu jeito de ser perfeccionista.
Quase 19h, todos entram em cena e numa plataforma com o fundo branco, e figurinos hippies de Marília Carneiro, cantam “Eu quero uma casa no campo...”. E eu que achava que já havia ouvido essa música até a exaustão, sinto meu corpo arrepiar inteiro enquanto fecham-se as cortinas para o intervalo.
Fato real ou não, pois, o espetáculo não pretende ser um documentário, vemos uma cena do encontro de Elis com Henfil que, até então, tinha debochado dela em suas caricaturas por ela ter cantado em eventos militares. O que sabemos foi totalmente contra a sua vontade. Vou às lágrimas quando ela canta para ele “O bêbado e a equilibrista”, que corre para o telefone a avisa o irmão Betinho que “já existe o hino. Agora, só falta a revolução”.  Não é à toa que quem assina o texto é Nelson Motta, junto com Patrícia Andrade. Aliás, como todo musical, a equipe técnica é bem grande.
O difícil foi ver o filho do Ivan Lins, o ator Claudio Lins, ótimo em cena por sinal, no papel de César Camargo Mariano, quando minha memória havia sido levada para a época em que o pai ainda tinha sua idade. Ah, e mesmo fora de ordem não posso deixar de comentar a contracenação divertida e intensa com o ator que fez o papel de Jair Soares que com seu jeito irreverente parece entender o gênio da “pimentinha”.  
A segunda parte do espetáculo já é outro momento da vida de Elis, do seu engajamento maior com questões políticas e seus posicionamentos. Tudo isso colocado no palco de uma maneira criativa e interessante, mesmo usando recursos tão simples como homens fardados e a bandeira do Brasil. A forma como a coreografia dos mesmos é executada e a música da Hora do Brasil mexe com qualquer um que tenha vivido parte dessa história. Aliás, tudo nesse espetáculo mostra que é possível usar os mesmos recursos de outra maneira e cantar velhas canções provocando novas emoções. O que, sem dúvida, acontece enquanto “Elis” canta “Como nossos pais”.
E o espetáculo oscila entre momentos com todos no palco, várias ações até o resgate de um momento real da sua vida, ao colocá-la sozinha no palco para uma entrevista. Apenas uma cadeira e a luz sob ela respondendo às questões que revelam sua ansiedade e seu desejo de atingir às pessoas de alguma forma com a sua arte. Não há como não se emocionar quando ela conta que o médico disse que sua voz salvou o seu filho doente. Toda a sua fragilidade surge nesse momento em que ela diz: “A mim não interessa ser uma boa cantora a mais. Quero usar o dom que a mãe natureza me deu para diminuir a angústia de alguém. Essa ideia é que pode dar sentido ao meu trabalho.”.
E do meu lado a moradora do Rio que não só me incentivou a ir, mas me levou até lá, não cansa de elogiar, mesmo não conhecendo várias das músicas. O que prova que não importa o quanto você sabe da vida de Elis Regina, se é ou não fã, o espetáculo vale por si mesmo.
E, embora eu não entenda quase nada de luz, fiquei muito impressionada com a presença significativa da luz certa, nos momentos certos, fazendo o que eu chamo de “sublinhar as cenas”, o chamado desenho de luz de Maneco Quinderê.
De minha parte, gostei que não tivessem chegado à morte da cantora, mas mostrado apenas seu desejo de querer sempre mais e de não querer  ficar à sombra dos homens que foram tão importantes em sua vida.

O teatro cheio aplaudia em pé e cantava junto com o elenco “como se fora brincadeira de roda...” e quem estava lá revive um pouco do que foi a história dessa mulher tão talentosa, tão guerreira e, no fundo, a gente sabe que por melhor que seja a atriz, nunca haverá outra mulher como Elis Regina Carvalho Costa, mesmo que ela tenha vivido apenas 36 anos. 

Friday, January 10, 2014

So in love is so perfect!

Se é para cumprir promessas, que seja como essa que eu fiz para o Dudu Sperb de ir vê-lo cantar as canções de Cole Porter. Ficou ainda melhor quando a minha prima Angela Spiazzi disse que também iria e me ofereceu carona. Não sabíamos que precisava de reserva e quando chegamos parecia não haver mais mesas. Houve certa demora para que todos fossem acomodados no MEME, local onde já comemorei meu aniversário. O que significa que é um espaço agradável, com ótimo atendimento e coisas deliciosas. Queria poder dizer que já havia imaginado que aquele garoto que frequentava a mesma escola que eu, cantaria tão bem. Mas, não apenas isso. Interpretaria as canções, pois Dudu não é apenas para ouvido, mas para ser visto. Ele abre o show dando algumas informações sobre Cole Porter, explicando que suas músicas foram feitas para a Broadway e o tornaram um dos cantores mais populares do século XX. No início, ouvimos letras que massageiam o ego como You are the one, Easy to Love e You are the top. Afinal, quem não gostaria de ouvir: Você é camembert? Na sequência, mais músicas de amor absolutamente cheias de elogios às amadas. E eu, que costumo desconfiar dessas misturas de músicas estrangeiras com nacionais, tive que dar o braço a torcer com a escolha de Noel Rosa, Lupcínio Rodrigues, Vinícius de Moraes e me surpreender completamente com a beleza da música de Totonho Villeroy sobre Porto Alegre: Povoada de águas. Não há dúvidas de que a escolha do repertório é o resultado da percepção de alguém que tem uma sensibilidade profunda. Por isso foi muito bom ver nessa lista a música Luiza, que sempre me tocou. Talvez por frases como “eu sei que debaixo dessa neve mora um coração” e como lembrou Dudu Sperb, feita por Tom Jobim para a novela Brilhante. E são muitas as informações que o cantor vai repassando entre as músicas. Sobre a vinda de Cole Porter ao Brasil, sobre a origem da música Quem há de dizer de Lupicínio Rodrigues e tantas outras que eu não vou revelar para não estragar a surpresa, embora não haja palavras capazes de transmitir a delícia de escutar e ver o carisma desse artista.  Acompanhado do pianista Michel Dorfman, Dudu Sperb, mesmo enfrentando o barulho de um alarme de um carro que disparou por boa parte do show, consegue ser divertido, contando detalhes da criação de cada música e mostrando o seu talento, enquanto o menino que assiste de pé na porta balbucia as letras, balançando a cabeça, de olhos fechados. E nessa linha de romance, ele canta Extase de Ivan Lins e Chico Buarque, o que para Dudu é uma espécie de versão de Garota de Ipanema.  Nesse caso chamada Renata Maria que, como a outra, deve ter mesmo existido, já que é um nome bem estranho para uma mulher imaginária. E por alguns momentos, eu vejo de novo em minha mente, aquele mesmo menino dos tempos de escola, quando ele fala de uns gatinhos de uma amiga que estão para doação. Em seguida, ele volta a demonstrar todo o ritmo e me transporta aos grandes musicais americanos com essas composições que criam imagens diante de nós. Eu, que só o tinha visto cantar em francês, agora já não tenho mais dúvidas de que ele poderá cantar na língua que quiser. Mas, não posso esconder que I Love Paris com esse timbre que, por vezes, me faz lembrar Edith Piaf, me faz querer comemorar meu próximo aniversário onde Dudu Sperb estiver se apresentando.