Talvez, algumas pessoas, como eu, achem que tratar de
homofobia em uma época nazista seja tanta barbárie que acabe com certo receio
de ir ao teatro para ver Os homens do triângulo rosa. Por isso, foi preciso que alguns amigos
começassem a fazer comentários muito favoráveis para que eu me convencesse que
não poderia deixar de ir. Assim, preparada, fui surpreendida por um começo
quase cômico do espetáculo e a presença musical e marcante de Gisela Haybeche. Eu
conhecia sua voz de timbre aveludado das aulas do Departamento de Artes
cênicas, mas nunca tinha imaginado que ela poderia ficar quase irreconhecível
em um personagem glamoroso e, ao mesmo tempo, tão real. O figurino de Antonio
Rabadan contribui para isso. Mas, é a força, a confiança com que ela anda pelo
palco e a intensidade dos olhares que conquista.
Marcelo Adams e Gustavo Susin contracenam com desenvoltura e
firmeza nos papeis de homossexuais e levam, mesmo para os campos da época de
Hitler, um lado engraçado de uma forte relação amorosa. E é esse clima inicial
de cumplicidade, tão bem desenvolvido pela dupla que desperta todo o respeito e
empatia que torna o que está por vir ainda mais cruel.
Não tem como não achar que todos os elogios que eu havia
lido não foram suficientes para falar desse espetáculo feito com tanta
delicadeza, mas também com tanta garra pela Cia Teatro ao Quadrado. Com poucos
elementos cênicos (como o grande painel de pessoas aplaudindo) e ao mesmo tempo
tão fundamentais para criar toda a atmosfera de uma época tão sinistra, é preciso
uma direção corajosa como da Margarida Peixoto não só pela temática, mas pelas
cenas que, por vezes, lembram “Esperando Godot”, de Beckett, com o mesmo
non-sense tão carregado de sentido. Pelo tempo entre as falas. Pelo desafio de
prender o público deixando apenas o sentimento suspenso no ar.
Os homens do triângulo rosa não seria como é se não fosse a
atuação impecável de cada personagem desse
elenco composto também por Alex Limberger, Pedro Delgado e Edgar Rosa,
incluindo até mesmo o caminhar dos guardas e a postura que só pode vir da
rigidez e do ódio. Aliás, é um espetáculo cuja linguagem corporal preenche
todos os diálogos e tudo que não é dito. E o que vai sendo contado assim é tão
perturbador que eu me defendo buscando um olhar de espectador, de quem ainda se
fascina com esse poder da arte de nos fazer mergulhar em outro tempo e espaço. E,
ali, naquele palco, o teatro é mágico, mas, é também agonia.
Violentamente, Frederico Vasques nos transporta para aquele
momento da história, nos fazendo esquecer que estamos em um espaço cênico em
uma outra época, ainda que com tanto em comum. Sua contracenação com Marcelo
Adams é impecável e intensa, não tem sobras e mostra o patético do seu
personagem preso por um fio, o da intolerância. Já Marcelo Adams nos apresenta todas as
nuances de sentimentos tão profundos e antagônicos de quem não pode fugir do
que é, nem tão pouco revelar.
Assim, apesar de todas as histórias sobre o nazismo que já
vimos, esta peça, baseada no livro Bent, de Martin Sherman, nos atira para uma
realidade que não foi suficientemente relatada na história, provando que, por
mais terrível que possamos imaginar a força do preconceito nazista, este
conseguiu ser ainda pior ao tratar dos homossexuais. Não, não há como se
preparar para um espetáculo como esse porque ele é arrebatador por essa mistura
de violência e delicadeza, de crueldade e de afeto e por apontar tão duramente
o que o amor e a falta dele podem provocar na humanidade.