Monday, March 29, 2010

Meu orientador

Perfil - Edélcio Mostaço, Professor do Departamento e do Programa de Pós-graduação em Teatro

Doutor em Teatro pela USP (Universidade de São Paulo),
Edelcio Mostaço é professor da graduação e pós-graduação
do CEART/UDESC e atua principalmente nos temas:
história cultural e teatro, crítica e recepção,
intertextualidade cênica, teatro brasileiro,
pós-modernismo cênico, vida profissional

1) Há quanto tempo ministra aulas na Universidade e em quais disciplinas mais trabalhou? Que aulas ministra atualmente?
Prestei concurso para a UDESC em 2002. Na graduação, trabalhei com vários estágios de História do Teatro, Crítica e Estética. Porém já cheguei a ministrar Cenografia, porque a professora responsável estava em capacitação. Nos últimos anos tenho optado em ficar apenas com Estética, disciplina com a qual tenho maior afinidade. Na pós-graduação dei vários cursos diferentes, inclusive o Seminário de Pesquisa.

2) Falando um pouco sobre uma das suas áreas de trabalho, qual seria, na sua opinião, a finalidade da crítica?
A crítica de arte representa um depoimento de alguém que esteve presente ao evento artístico ou,
no caso de uma análise a posteriori, tenha se debruçado sobre um artista, um período ou um determinado tipo de técnica ou questão, por exemplo. No caso da crítica de teatro efetuada em jornal, um ramo do jornalismo opinativo, ou seja, alguém que assina uma coluna a respeito de certo     assunto. Sua finalidade é dialogar primeiramente com o leitor, e, secundariamente, com os artistas envolvidos no evento. Comentário ligeiro, opinativo e qualificado, é o que cabe nos atuais espaços disponíveis na grande imprensa; não cabendo ali o exercício do ensaísmo ou uma análise muito técnica, impossível de ser acompanhada pela média dos leitores. Dentro dessas circunstâncias, a crítica visa informar o leitor sobre o contexto onde o espetáculo nasceu, foi produzido e foi apresentado, tentando, na medida do possível, expandir sua apreensão do mesmo.
Estou falando da crítica bem intencionada, é claro. Há quem use o espaço para desagravos ou comentários pessoais alheios à finalidade não apenas da crítica como da imprensa em modo amplo.

3) Que motivos contribuem para a crítica teatral ocupar menos espaço em veiculos midiáticos de grande circulação? O povo tem tido menos interesse no teatro?

A pergunta é um pouco ambígua, uma vez que também a imprensa é mídia, assim como o rádio, a TV e a internet. De qualquer modo, é preciso partir de algumas evidências: com a desagregação da sociedade de massa, entre os anos 1950 e 1960, a própria mídia em geral conheceu uma expansão jamais imaginada, adentrando o que hoje é conhecido como globalização, a erupção da "sociedade do espetáculo", uma irremediável imersão nos avatares do capital. Ou seja, a mercadoria impôs-se sob todos os formatos e sob todos os campos, inclusive e principalmente sobre os setores culturais.     O que ainda existia enquanto artesanato ou livre exercício caducou e assitimos a ascenção das empresas especializadas, em cada uma das fases que intermediam a chamada matéria prima e o consumidor final. Temos assim uma proliferação de atravessadores: "gerentes", "nichos de atuação", "engenharia de produto" etc etc, uma enormidade de eufemismos para qualificar esse adensamento de manipulações que o produto cultural sofre.
Os veículos midiáticos acompanharam essa progressão em larga escala e, simultaneamente, necessitaram aumentar receitas para dar conta da sofisticação cada vez maior que seus produtos deveriam possuir para sobreviver nesse mercado altamente concorrencial. O aumento de receitas veio da publicidade e não da expansão do número de leitores. Se a lógica mercantil já existia, a partir de então ela tornou-se soberana, ditando o que deve ou não circular sob o formato de notícia. Dou um exemplo: uma grande indústria farmacêutica vai lançar um novo medicamento para combater dor no joelho. A estratégia de marketing se in icia com a divulgação junto aos órgãos de imprensa de uma série de doenças que acomentem os joelhos. Você vê isso na Veja, no Fantástico, na Folha, no site do MSN etc. Três meses depois começam a circular os anúncios do tal remédio milagroso que cura qualquer problema de joelho. A população foi, nesse caso, "sensibilizada" para correr em massa às drogarias.
Nesse ambiente altamente industrializado de notícias, informações e opiniões de especialistas, os números são tomados em milhões, em todos os sentidos da expressão. Razão pela qual falta espaço para tudo o que não se mova nesse padrão industrial de produção e consumo, como é o caso da arte, do teatro, do artesanato, da cultura imaterial etc.
Não sei se respondi a pergunta, mas tentei contextualizar o ambiente no qual assistimos, desde os anos 1970, um paulatino desaparecimento da crítica de arte nos grandes veículos de comunicação. E o surgimento de canais alternativos pa ra esse tipo de atividade, como os blogs e sites de internet, mas isso é outro capítulo...

4) Assistir a uma peça com o intuito de criticá-la certamente exige atenção apurada. Como você estabelece este olhar e o fazer a crítica em seguida?
É indispensável não dormir durante a apresentação... e procurar reunir a maior quantidade possível de informação prévia sobre o espetáculo. Costumo dizer aos alunos que assisto um espetáculo com um olho no palco e outro na platéia, como modo de tentar apreender, simultaneamente, os dois lados da equação ali formulada. Porque, afinal de contas, o crítico tem de levar em conta a reação da platéia. Falo isso dentro do contexto da crítica militante, diária, na qual o crítico chega a assistir mais de uma apresentação por dia (eu já cheguei a ver quatro peças num só dia e tinha cinco horas para escrever sobre elas).
Nesse nível de atuação, a experiência conta muito; além de um treino especial de memória, concentração e modo de manipular as informações no momento d e escrever. Isso nenhuma escola ensina, é o chamado traquejo adquirido no dia a dia.
Mas numa situação normal, a coisa é mais lenta. Você vê a peça num dia e dispõe de 24 ou 48 horas para entregar o texto, o que permite certa absorção mais lenta e algum trabalho de decantação, importantes para o ato reflexivo. De qualquer modo algumas condições prévias são indispensáveis ao crítico: cultura geral, cultura artística geral e particular, permanente atualização de informações em seu campo de trabalho, capacidade de síntese, estilo correto e claro, pensamento telegráfico.
A crítica dentro da academia, felizmente, se move a partir de outros padrões, bem mais lentos e bem menos sufocantes.

5) Você acha que a crítica interfere no fazer teatral? O artista absorve as opiniões do crítico sobre o que faz e costuma mudar sua forma de realizar o trabalho?
Depende muito do crítico e do artista, do modo como o arti sta se relaciona com a crítica. Se a coisa for levada em nível subjetivo, existem poucas chances de algo ocorrer. Mas se o artista respeita a opinião do crítico e possui uma relação menos subjetivada com seu trabalho, é frequente que ele mude ou procure se reorientar num trabalho posterior.

6) Existe um certo medo de "policiar" o trabalho dos artistas entre os críticos de teatro e, por isso, muitos deixam de achincalhar uma peça de um "figurão" ou procuram falar bem de um novo artista para procurar incentivá-lo?
Pessoalmente, não saberia o que responder, pois nunca vivi situações dessa natureza. Sempre
falei o que quis sobre qualquer artista de teatro que assisti, sem distinguir se era veterano ou novato. Faço apenas uma observação: criticar não é achincalhar. Nesse viés, entramos em outro departamento que não o da crítica de arte.

7) Existe uma estética teatral que, de certa maneira, rege a produção contemporânea do teatro brasileiro? Qual seria?
Não, ainda bem. Nada mais chato do que se ver dez peças iguais. Se, por um lado, não existe uma corrente estética dominante, por outro existem certos modismos, como, por exemplo, a "onda de fumaça" (toda peça tinha uma cena de névoa); a onda de nudez; de contra-luz na cena central; de coros cruzando a cena (imitação servil do Antunes); etc. Ultimamente está ressurgindo o "teatro de caixotinho", expressão que emprego para caracterizar aquelas peças de propaganda política em porta de fábrica dos anos 1960, feitas em cima de caixotes de cerveja.

8) Como você analisa a evolução das estéticas teatrais? Que tipo de fatores e ntram em consideração na construção de uma estética ou poética em determinado momento histórico?
Isso não é uma pergunta, mas um projeto de tese. Só respondo se você me der o site inteiro como espaço.

9) Uma de suas linhas de pesquisa aborda as infiltrações do tropicalismo no teatro. Como se observou essa influência da tropicália nas produções teatrais e em que período ocorreu?
Outra resposta longa. O tropicalismo foi um produto de época, marcado pelo contexto onde eclodiu; ou seja, os fatores sócioculturais e políticos daquele momento foram determinantes para que ele adquirisse o tônus que manifestou (meados dos anos 1960, ditadura militar, luta armada, fim do pacto populista). Houve o recurso de juntar a tecnologia de ponta com o artesanato, deglutindo influências e reprocessando dados. Foi um momento de antropofagia explícita. Existem, no meu entender, três encenações-chave para se situar o tropicalismo no teatro: "O rei da vela" (1967), Roda viva" (1968) e "Na selva das cidades" (1969), todas encenadas por José Celso Martinez Corrêa. A primeira é mais declaradamente política, pois apresenta o Brasil como uma grande hipoteca ao capital internacional, comandada por uma burguesia amoral e estúpida, no jogo social do salve-se quem puder. O espetáculo era muito violento contra esses padrões que, até hoje, ainda se manifestam aqui e ali (vide as circuntâncias que levaram à prisão o governador Arruda no DF).
"Roda viva" enfoca a vida de um cantor que, para sobreviver, necessita mudar de estilo por força da gravadora: passa de "cantor de protesto" a "cantor de iê-iê-iê", o gênero do primeiro Roberto Carlos. Ou seja, examina a situação da cultura num país periférico que, ou muda e adere à hegemonia, ou tem de morrer; que é o que ocorre ao final com o tal cantor. A terceira é um texto do jovem Brecht que enfoca a luta entre um rapaz pobre, vendedor de livraria, e um poderoso gangster de Chicago, dono de bordéis e contrabantista. A luta ocorre porque o gangster quer comprar a opinião do rapaz, e ele se recusa a vender a única coisa que possui de próprio. Há um teor metafísic o e trágico em jogo, pois trata-se da anulação da subjetividade o móvel do conflito.
As três peças, como se vê, falam do Brasil daquele momento, percebidas por diferentes olhares e distintos enfoques, mas tendo em comum a densidade dos conflitos abarcados, sempre envolvendo a esfera cultural. O tropicalismo foi esse intenso movimento de intelecção do Brasil à luz de suas intensidades, qualidades e diferenças. Roberto Schwarz tornou corrente a expressão "idéias fora do lugar", para flagrar a contradição entre o que se pensa e o que de fato existe numa dada situação. O Brasil, nesse caso, é uma idéia fora do lugar, pois não se ajusta a nenhuma das interpretações convencionais sobre ele. Há quem veja nessa metamorfose ambulante um problema. Eu, ao contrário, vejo uma virtude; pois reafirma a força do projeto frente à fragilidade da identidade. A reviravolta quando se espera o frente a frente; o outro lado quando se espera o mesmo; o desconhecido quando se pensa que se encontrou o próprio. Ou, em termos psicanalíticos, a sombra de Dionisos. O tropicalismo foi uma belíssima chacoalhada dionisíaca na cultura brasileira daquele momento.

10) O que você poderia nos falar sobre seu último projeto de pesquisa que aborda as implicações atuais do discurso antropofágico (termo emprestado dos modernistas) na produção contemporânea?
Penso que a antropofagia é um dos poucos traços genuinamente brasileiros enquanto paradigma cultural. A força dos ataques que sofreu revelam a medida de sua energia e presença. E também de seu triunfo, sob uma multip licidade de nomes hoje correntes: interculturalismo, hibridização, fronteirização, formação dialógica, semiosfera etc. São esses processos artísticos e os procedimentos que lhe são simétricos que constituem meu projeto de pesquisa, voltado especificamente para a cena contemporânea.

11) Não pude deixar de perceber um ponto curioso em seu currículo que trata de uma formação que obteve em acupuntura e medicina tradicional chinesa. Como surgiu esse interesse com práticas médicas orientais? Você também trabalha na área atualmente?
A certa altura de minha vida, também recebi "um chamado" do apelo natureba. Era o final dos anos 80 e eu, em paralelo às minhas atividades teatrais, enveredei pelas terapias alternativas. Iniciei uma formação em orgonoterapia (baseada em Reich) e, no meio do caminho, percebi que o buraco era mais embaixo: a energia só poderia ser manipulada sob intervenção mais diret a. Desisti de Reich e fui fazer um curso de medicina tradicional chinesa. Tornei-me acumputurista, abri consultório e escrevi uma monografia clínica. Desde que mudei para Florianópolis nunca mais toquei numa agulha, pois a UDESC absorve todas as minhas energias. Não pretendo voltar à clínica, mas dessa formação intensa r estou certo alargamento de consciência, certa compreensão holística, certo apelo ao pensamento figural e ideogramático, que constituem a base de todas as medicinas tradicionais.
Fonte: Centro de Artes, 29 de Março de 2010

Thursday, March 18, 2010

Cabarecht: uma noite que surpreenderia Bertold Brecht



Crítica? Imparcialidade? Sinto muito, mas não estou aqui para isso. Quero falar do espetáculo Cabarecht, mas decidi falar sobre teatro e, confesso que, até hoje, eu me surpreendo quantas coisas estão relacionadas com esta arte. Esta semana, estive no lançamento do Festival da Canção Francesa, organizado pela Aliança e eu e minha irmã comentávamos como é importante a presença cênica de um cantor. Concluímos que uma bela voz, sem performance, deve ir para o rádio.
Bem, mas com tantas atividades que temos hoje em dia, é preciso que algo nos “chame” para sair de casa por prazer. Neste caso, foi Zé Adão Barbosa. Embora ele não tenha sido a única razão, ele costuma ser a mais importante. Fui “patinho feio” na infância, tive uma ansiedade patológica na adolescência e briguei com meu lado depressivo até depois dos 30.  Bastou começar a fazer teatro com este ator-professor-diretor para me libertar de meus monstros internos. Hoje, eles andam por aí me deixando em paz o suficiente para que eu possa estar às vésperas de defender meu trabalho no mestrado de Artes Cênicas.
Chegamos, então, a segunda razão para eu ir ao Teatro São Pedro. O diretor Humberto Vieira. Não o conhecia antes de começar a buscar o título de mestre. Gostei dele como colega. E, em 2008, ofereci para ele um ingresso para ver Ariane Mnouchkine no Porto Alegre em cena, pois estava trabalhando como mediadora da Bienal do Mercosul e sabia que não sobraria energia para ir. Ele aceitou. Trouxe desta experiência, de presente para mim, a programação do espetáculo. Conquistou-me. Simples assim. Daí por diante fui percebendo que não conhecê-lo era mais uma das minhas tantas ignorâncias, mesmo para alguém tão interessada em teatro.
Razão três: Sandra Dani. Sou sua admiradora de longa data. Secretamente até 2008, eu diria, quando nossos “caminhos se cruzaram” no filme do Sergio Silva Quase um tango. Tive a chance de chegar mais pertinho. Coisa boa. Sei, sei... ainda não falei do espetáculo. Mas a bem da verdade para mim tudo isso importa. Porque estas pessoas sempre me fascinaram e para minha total felicidade fui conseguindo me aproximar delas. Gente que não se espanta quando de um choro profundo, passo para um sorriso e vice-versa (como diz minha mãe). Afinal, eles fazem isso, ou melhor, seus personagens, mas isso é apenas um detalhe.
No teatro, me senti acolhida, compreendida, terapiada. Assim, nunca ir ver um espetáculo será só ver um espetáculo. Ainda mais quando neste estiver reunidas tantas pessoas que eu admiro. E, se junta a isso, o espaço teatral do São Pedro, justamente no Foyer com todos os seus lustres e cortinas, onde ainda é permitido comer e beber... Com certeza é quase o paraíso. Falando nisso, entra para assistir o espetáculo Ivete Brandalise que entrevistou meu pai pouco antes dele morrer. Hoje, faz exatamente um ano. Entendem o que eu digo? A mente é assim. Nós somos assim. Multipartidos. Complexos.  E o teatro vem para nos dizer como em Cabarecht: que “a sensatez vá para o inferno!” Aliás, é para lá que eu irei se computarem o orgulho que fico de ver este mago das artes cênicas, meu mestre, perguntar se minha mãe, professora de francês, estava lá o vendo cantar e que isso o preocupava. Mas, acho que vou ter companhia. O olhar do diretor de Cabarecht para “seus” atores no palco era de admiração, mas creio que também de orgulho. E não é para menos. Que “time”! Os comentários? Todos favoráveis, claro. Zé Adão domina qualquer cena, não será uma língua estrangeira que o derrubará. Aliás, se minha pesquisa sobre Crítica teatral na era digital não fosse apenas teórica, eu usaria as novas tecnologias para elaborar um dueto entre ele e Elis Regina, uma cantora que sei que ele admira profundamente.  Olha... sou suspeita. Disse isto na primeira frase, mas acho que ele não faria feio.
Bem, mas voltemos ao “palco”. Zé Adão, Sandra Dani, Antônio Carlos Brunet e Cida Moreira ao piano cantam em alemão,  inglês, francês,  português, músicas do alemão Kurt Weill que fez dupla com o dramaturgo Brecht em vários espetáculos como “Ópera dos três vinténs”. Nada de lariri lalálá. As melodias são difíceis. As letras então.... Suas vozes, porém, encheram a sala e provocam aplausos constantes. Mas como disse minha irmã (a qual agradeço até na minha dissertação pela paciência de ouvir tanto sobre teatro): “este é o jeito de chegarmos de uma maneira mais branda a Brecht”. Não é que ela prestava mesmo atenção?
Para aqueles que esperavam algo mais acadêmico, cito Emanuel Kant: "Cada um chama de agradável o que o satisfaz; de Belo, o que lhe agrada; de bom o que aprecia ou aprova, aquilo a que confere um valor objetivo”.
E para quem acha que este meu texto não passa de um devaneio, recupero uma frase do próprio espetáculo para encerrar: “Sabemos que tudo é transitório e nada restará a não ser a poesia”.
Helena Mello
PS: Minha tia, irmã do meu pai, foi conosco. Ela acaba conversando com os motoristas de taxi. Este, ao ouvir o nome do espetáculo, perguntou: é gauchesco? Tinha compreendido Cabare-tchê.  Bem, a verdade é que o Rio Grande do Sul estava muito bem representado.
Ficha técnica:

Direção e roteiro: Humberto Vieira
Direção musical: Cida Moreira
Elenco: Cida Moreira, Sandra Dani, Antônio Carlos Brunet, Zé Adão Barbosa
Iluminação: Claudia De Bem
Programação visual: Humberto Vieira

Cabarecht:
Dias 10, 17 e 24 (quartas-feiras) e 30 de março (terça-feira)
Foyer Nobre do Theatro São Pedro - Praça Marechal Deodoro, s/n
Centro - Porto Alegre
Mais informações: 51 3227.5100 


Sunday, March 07, 2010

Deviam ter me dito: Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo

Interromper meu trabalho de mestrado não tem sido uma coisa que me dê prazer. Porque o tempo de tentar escapar deste compromisso já se foi. Agora, é preciso encarar e quando começo nada mais me diverte. O que parecia impossível acontece: a gente vai se acostumando com a idéia de que é preciso organizar as idéias e escrevê-las.

Digo isso apenas para explicar o que significou ter ido ver “Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo”. O convite veio de Daniela Aquino, minha colega de mestrado que também está passando por este processo, mas ainda encontra tempo para fazer outras milhares de coisas, inclusive, um espetáculo. Bem, confesso que encontrar outros colegas de mestrado no teatro já renderam boas risadas. Aquelas melhores em que rimos de nós mesmos. Só isso já trouxe uma leveza que há dias não sentia.

A porta do teatro Carlos Carvalho se abre e começamos a procurar lugares. O ambiente é impactante. Uma forte atmosfera de sala antiga, européia. Um grande abajour, poltronas, banquetas, uma mesa de jantar. Luz de velas. A música “Ne me quitte pas” sublinhava o cenário.

Bem, mas não pretendo descrever cena a cena. Nem sei se saberia fazer isso. Seria um relato impregnado pelas impressões que buscam na minha memória imagens e sensações. Só minhas. Quero, porém, falar sobre a trilha sonora. Absolutamente perfeita. Sei... sei. Isso não diz lá muita coisa. Então, vejamos. Há uma mistura de vozes, de músicas que falam de relacionamentos, de amor, de dor de cotovelo, de perda. Cada uma ao seu modo. Interpretadas por cantores com talentos diversos. Algumas reconheço de imediato. Fazem parte da trilha sonora da minha vida. Outras, faço apenas uma vaga idéia e outras nunca as ouvi, mas chegam aos meus ouvidos como velhas conhecidas. Ritmos diferentes, sexos diferentes e algo em comum.

Não há separação entre o público e as bailarinas. Estamos todos juntos naquela sala. Somos cúmplices do que acontece ali. A ponto de me deixar com medo de que minha ação de anotar algumas coisas para lembrar e escrever agora fosse interpretada como parte da cena. Principalmente quando a luz vinha em mim. Sim, ela vinha e ia. Atravessava a sala. Ia lá na bailarina e dava a volta. E a gente via tudo e não via nada. Mas assim mesmo podia sentir que tinha alguém deitado na cama lá no canto, alguém na cadeira do outro lado, alguém no chão. Meu olhar se divertia escolhendo o que eu queria ver, vendo o que eu escolhia.

Mas mesmo me sentindo envolvida pelo ambiente, me disperso enquanto Daniela lê um texto e uma bailarina faz uma “partitura”. Não entendo bem o texto, mas não sei se isso adiantaria. Não me arrebatou. Mas em todo resto do espetáculo, os movimentos das bailarinas, as músicas, a luz faziam eu buscar na minha memória as tantas vezes que sofri por amar, que fui feliz amando (antes de saber que não podia), que me senti vazia, que me desesperei. Até que tudo isso é interrompido por ela. Sim, ela mesma. Daniela Aquino que vestida de noiva cruza a sala em passos lentos, trêmula, olhar lacrimejante. E as lágrimas dela passam a ser as minhas e eu faço força para disfarçar, para não chorar, para não verem que eu choro. Eu que nunca me casei, que nunca me vesti de noiva...Mas ela cruza por outra colega que também é público e eu posso ver que também tem os olhos cheios d’água. E sinto alívio. Ah, não sou só eu que me emociono. E ela, a noiva, segue até um espelho e se altera e come bombons e destrói o buquê de rosas vermelhas e quase rasga o vestido. Só por esta cena já teria valido à pena ter ido até ali. Sua estética, sua vibração, está registrada na minha mente para sempre, junto aos amores que vivi.



Direção: Alessandra Chemello e Diego Mac

O espetáculo faz referência a Myrna pseudônimo através do qual o escritor respondia cartas e dava conselhos sentimentais aos leitores do jornal Diário da Noite, em 1949.

Projeto contemplado com o Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna 2008.

Elenco: Alessandra Chemello, Daniela Aquino, Fabi Vanoni e Joana Amaral