Wednesday, December 30, 2009

Novo ano, velha retrospectiva

Todo ano é a mesma coisa. Quando anunciam a retrospectiva na televisão fico interessada. Acho que é uma maneira de me informar rapidamente de coisas que acabaram passando despercebidas enquanto eu me ocupava com meus próprios assuntos. Porém, o que acontece é que nos primeiros minutos já observo que só foram destacadas as notícias ruins. A ênfase é nas tragédias. A única exceção sempre foi para o esporte. Vitórias do futebol e dos atletas. Só.
Não sei por que me surpreendo. Se o ano todo, a imprensa faz isso porque nos últimos dias ia fazer de outra forma? Não estou dizendo que as notícias são falsas, que tudo aquilo não aconteceu. Nem tem como. As imagens estão lá para provar. Esta, aliás, foi uma característica das coisas divulgadas este ano. Mas tenho absoluta certeza de que existem boas ações, conquistas em outras áreas. Afinal, são milhares de pessoas destinando energia e suor no trabalho, nas escolas, defendendo a natureza, as crianças, os animais, etc. Nada de bom resulta disso tudo? Alguém pode, realmente, acreditar nisso?
Só não entendo o que leva a direção da dita maior emissora do país a repetir sempre o mesmo formato. Qual é o objetivo de encher a cabeça das pessoas no final do ano com tudo que roubaram, com tudo que foi destruído, com todas as mortes, assassinatos? Depois, querem que na virada do ano como se nada tivesse acontecido a gente comece a cantar: “hoje é um novo dia, de um novo tempo...” Não de acordo com a retrospectiva que eles fazem todos os anos.
Pena que não segui com a idéia que tive no ano passado de fazer minha própria retrospectiva. Ir anotando, ao longo do ano, as coisas que me chamavam a atenção. As boas ações, as descobertas, os avanços na medicina. Gente que surpreendeu, que mostrou o valor da vida, do amor, da arte.  Esta, talvez, seja uma das razões pela qual acabei tendo tanto interesse no teatro. Saber que neste mesmo mundo em que tanta coisa ruim fica acontecendo, existem pessoas capazes de nos fazer por algumas horas que sejam entrar em outro universo e nos fazer pensar e sentir é algo que me arrebata.
Se o ano de 2009 tivesse, realmente, sido como acabei de ver, eu não estaria com este otimismo. Mesmo que faça até uma forcinha para ficar alienada de algumas situações políticas que, muitas vezes, sugam toda a minha energia e fé no ser humano, não haveria como ficar tão distante de tantas catástrofes. O que estes editores parecem que esquecem é que para condensar tantas informações em tão pouco tempo é preciso contrabalançar. Falar de TUDO um pouco. Porque a vida de qualquer um não foi só as enchentes ou a gripe A ou o dinheiro na cueca. Em 365 dias vivemos também momentos de alegria, solidariedade, otimismo, diversão, amor, sexo, amizade. Momentos tão verdadeiros e significativos quanto qualquer guerra no exterior ou seca aqui no Sul. Se eu, que não paro para preparar um programa destes sei disso porque eles parecem não saber?
Bem, mas antes que você se contamine com este tipo de comunicação equivocada e fique meio sem expectativas, sugiro que você se concentre em algo, uma única coisa que representa que existem pessoas do bem, fazendo algo para o melhor e que estas ações vão trazer resultados. Alguns, já em 2010. Além disso, acredito que a gente possa até mesmo pensar só em si, em sua própria felicidade, nas suas próprias metas, porque se todos fizerem isso não tenho a menor dúvida de que o mundo também vai apresentar melhoras. Independente do que diga a próxima retrospectiva.

Amanhã
(Guilherme Arantes)
Amanhã será um lindo dia, da mais louca alegria

Que se possa imaginar, amanhã redobrada a força

Pra cima que não cessa, há de vingar

Amanhã mais nenhum mistério, acima do ilusório

O astro rei vai brilhar, amanhã a luminosidade

Alheia a qualquer vontade, há de imperar, há de imperar

Amanhã está toda a esperança por menor que pareça

O que existe é pra festejar, amanhã apesar de hoje

Ser a estrada que surge, pra de trilhar

Amanhã mesmo que uns não queiram será de outros que esperam

Ver o dia raiar, amanhã ódios aplacados temores abrandados

Será pleno, será pleno...

Friday, December 25, 2009

Mario Quintana e eu






Não lembro quando li pela primeira vez Mario Quintana. Mas sei que Ricardo Silvestrin, outro poeta, teve muito a ver com isso e que bastou ler o primeiro poema para me apaixonar. Adorava o jeito dele escrever. Decorava. Guardava para mostrar para os amigos. Aquela ironia cortante contrastando com um jeito ingênuo, inteligente e divertido. Uma palavra que não usamos muito atualmente: lucidez. Por mais labiríntico que fosse o seu pensamento era ao mesmo tempo de uma clareza impressionante!
Em quase meio século de vida (a minha) ele é um dos meus dois ídolos. O outro, para quem ainda não sabe, é o Caetano. Sim. Tenho uma queda pelos poetas. Uma vez, fiquei lá de boca aberta, numa fila, espiando Mario Quintana. Aguardando minha vez de pegar um autógrafo. Claro que quando estava bem na sua frente, tudo que disse foi o meu nome e só porque ele me pediu. Quintana veio fazendo parte da minha vida, me constituindo enquanto pessoa. Aguçando minha sensibilidade. Nas aulas de teatro, era comum eu recorrer aos seus versos para as improvisações. Também, seu texto sozinho já trazia dramaticidade. Um dos que lembro ter usado foi:


Da vez primeira em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha...

Hoje, dos meus cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada...
Arde um toco de vela amarelada...
Como único bem que me ficou!

Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!
Pois dessa m
ão avaramente adunca,
Não haverão de arrancar a luz
sagrada!

Aves da Noite! Asas do Horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!



Há anos atrás, resolvi que comemoraria meu aniversário no lugar onde ele havia morado (antigo Majestic hoje Casa de Cultura Mário Quintana) e pedi para os convidados decorarem algum de seus textos. Meu irmão (que já não está entre nós) foi o único que atendeu a meu pedido e declamou:


O tempo

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
 
Quando se vê, já são seis horas!
 
Quando de vê, já é sexta-feira!
 
Quando se vê, já é natal...
 
Quando se vê, já terminou o ano...
 
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
 
Quando se vê passaram 50 anos!
 
Agora é tarde demais para ser reprovado...
 
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
 
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...
 
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
 
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
 
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
 
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.


Fiquei impressionada com sua memória e com sua apropriação de cada palavra, mas devia entender que era um poeta falando de outro poeta, pois, meu irmão também passou a vida escrevendo seus versos. Naquele dia, este texto já fez sentido e agora ainda mais...E foi por isso que no dia em que ele partiu, eu fiz questão de me despedir com um poema deste importante autor gaúcho. Lembro que um primo meu me perguntou se eu conseguiria ler e eu garanti que sim. Lembro que a emoção era enorme mas que diante de uma multidão, lia alto e firme, sabendo que esta era uma boa maneira de prestar minha homenagem. Agora, porém, não consigo trazer à memória o nome do poema.
Acabo de ler em um blog uma entrevista de Lau Siqueira, em 1987, publicada no Jornal O Norte sua resposta a pergunta de por que ele não se casou. Claro que a resposta foi típica deste poeta que me encanta: “Como é que vou saber porque é que não casei. Deve ter sido por causa dos astros, né? Vamos culpar os astros (risos).” E foi assim que me dei conta de que ao menos isso eu e Quintana temos em comum. Também culpo os astros pela solteirice. Ah, e tem também nossa paixão pelas palavras. Aliás, o que parece não ter faltado em nossas vidas foram paixões. 

Wednesday, December 02, 2009

Mulheres frágeis em corpos fortes


Sim, inverto o título do espetáculo do grupo Gaia propositalmente, é claro! Tenho lá minhas razões. Vejamos: você sai para ver um espetáculo de dança contemporânea. Então, você sabe que, a princípio, não vai ver sapatilhas de ponta, nem frufrus. Mas você espera que haja música e, no entanto, as intérpretes (é este o termo para aquelas três mulheres) se movimentam ao som do conteúdo de estações de rádio. Ou seja, pode ser uma propaganda uma entrevista, a participação de uma ouvinte ou até mesmo a narração de um jogo de futebol. Ah, mas você pode achar que não dá para dançar com isso. Sinal que você não foi assistir ao espetáculo. Se lá estivesse ficaria sabendo que os movimentos podem surgir até mesmo dos ruídos do rádio. Não quero parecer pretensiosa, mas já sabia.

Há muitos anos atrás (mais de 20, com certeza), não sei exatamente como, acabei indo fazer aulas com uma professora que tinha a exata noção de que o corpo podia ser estimulado pelos mais diversos sons. E não estou falando aqui de corpos esguios e ágeis, mas de todos os tipos. Lembro ainda que ela fazia propostas de deslocamentos, colocava vários estilos de músicas, mas não nos orientava quanto ao movimento. Muitas vezes, sugeria que fechássemos os olhos e deixássemos que a música nos levasse pela sala vazia, pelo chão, pelas paredes, o que sempre acontecia. Foi nesta época que descobri o quanto não usufruímos da nossa capacidade corporal de movimento, como somos rígidos, como repetimos sempre os mesmos gestos, quando, na verdade, somos todos capazes de muito, mas muito mais. Ontem, isso tudo me voltou à memória ao assistir ao espetáculo. E, agora, sendo mesmo pretensiosa, confesso que fiquei com vontade de estar no palco também.
O cenário era simples, mas, nem por isso menos impressionante esteticamente. Pequenos retângulos brancos, caídos do teto e espalhados pelo palco e o dividindo em três. Não fiquei surpresa ao ver na ficha técnica que era de Élcio Rossini, o mesmo que na Bienal de 2005, quando fui mediadora, colocou uma grande bola branca, transparente em exposição, provocando as mais diferentes reações. Bem, mas voltando ao espetáculo, era possível sentir uma separação, mesmo sem ler o folder entregue pelo grupo no qual fala em três pedaços. Três coreógrafos: Alecs Dall’Omo, Diego Mac e Paulo Guimarães. Três interprétes: Roberta Savian, Daniela Aquino e Alessandra Chemello. Ao mesmo tempo, também era visível uma unidade.
Bom, mas devo dizer que também teve música. Clássica, popular. “Cotidiano” de Chico Buarque mexe comigo. Imediatamente, vem a minha memória meu irmão (que já se foi) escutando esta música a todo o volume em uma vitrola na minha casa. Emendava com “Você não entende nada” de Caetano. Era um impacto quando ele dizia: “eu como, eu como, eu como” e já ligava na frase seguinte que começava por “você”. São lembranças especiais pra mim. Muito pessoais para um texto escrito para falar de Mulheres fortes em corpos frágeis, mas, ao mesmo tempo, demonstra que a arte é assim: provoca.

Por que inverti o nome? Porque senti durante o espetáculo a sensualidade, a tensão a neurose daquelas mulheres que pareciam se questionar sobre o seu lugar no mundo. Ao mesmo tempo, somente corpos intensamente preparados são capazes daquelas performances, daquela intensidade de movimentos. Aliás, isso fica claro no final. Em um momento, temos a impressão de que o espetáculo chegou ao fim. Alguém toma a iniciativa e aplaude. Os outros seguem. A interpretação, porém, continua. Mais aplausos. Mas a platéia não sabe o que deve fazer. Até passou pela minha cabeça que devíamos ir embora, mas não seria eu a fazer isso. Roberta Savian faz uma pequena pausa na sua concentração de movimentos para dizer ao público que é exatamente isso que temos que fazer para dar fim ao espetáculo. Foi uma tentativa muito interessante de fugir as convenções de como terminar um espetáculo, mas esbarrou nelas.

Obs: Daniela Aquino, minha colega de mestrado, mais uma vez absolutamente linda e expressiva em cena.

Sunday, November 22, 2009

O Vendedor de Palavras: o conforto de um bom espetáculo




Teatro de rua, a princípio, não é confortável. Pode ser ótimo, pode ser divertido, mas confortável, não é. Porém, de nada adianta estar na melhor poltrona do teatro perfeito se o espetáculo não presta. Vamos acabar dando a qüinquagésima olhada no lustre para nos distrairmos. Aliás, era este o número de apresentações de O Vendedor de palavras, espetáculo de rua a que fui assistir no Parque Farroupilha.
Para mim, estar ao livre é sinônimo de liberdade. É verdade que em Porto Alegre não é fácil o clima não atrapalhar. Se não é a chuva,  é um calor úmido bem desagradável. Pior ainda para os atores que até o último minuto não sabem se vai ser possível apresentar o espetáculo. Mas eles estavam lá. E, diferente do que eu imaginara, com cenário a ser montado. Poucas coisas, mas com uma característica que eu aprecio muito: objetos que se transformam em outros. Então, em poucos minutos estávamos olhando para uma estante cheia de livros que iria se transformar em um píer. Outros pequenos detalhes e as cenas estavam completas.
O nome do espetáculo, para mim que sou jornalista, já me atraia muito. Atiçava minha curiosidade. Haveria um jeito de pagar minhas dívidas só com palavras? Não precisaria ser contratada por uma grande empresa? Ser escritora? Bem, teria que pagar para ver, quer dizer, neste caso, só ficar para ver já que não cobravam nada. A peça é baseada na crônica de Fábio Reynol, jornalista também. Provavelmente por isso eu tenha gostado da idéia.  
Levei o afilhado de minha irmã comigo. Ele não tem ainda o hábito de ver teatro, então, me perguntou quando começaria o show. Eu expliquei que não era um show. Que era um espetáculo. Uma palavra que também serve para show. Mas que nós íamos ver uma peça. É... usar as palavras não é assim tão fácil. Ainda mais, quando logo no início, um dos atores fala justamente que vai fazer um “show de teatro”. Fui desmentida.
O Vendedor de palavras começa com certa improvisação, chamando o público com música. Uma melodia agradável e comunicativa. Aos poucos vai sendo contada a história. Uma? Não várias. A dos avós, a dos pais e a do menino protagonista e sua amada. Dois atores fazem todos os personagens: Carlos Alexandre e Fernanda Beppler. E é um prazer ver que nenhum se destaca. Ambos são ótimos em cena. Confesso que me divirto muito com o sotaque alemão da Fernanda. Com certeza não é fácil manter esta fala diferenciada de um jeito tão bem feito, ainda mais quando se faz mais de um personagem. Já conhecia Carlos Alexandre da Comédia dos Erros, então, quando o vi, sabia o que podia esperar.  Seus personagens são carismáticos e convincentes. Desculpem. Não sei falar de atuação sem usar adjetivos. Talvez, se eu pudesse comprar algumas palavras... Pronto! Nem achei clientela para vender as minhas e já estou pensando em comprar! Era só no que eu pensava quando começaram a oferecer o significado de “histriônico” a cinqüenta centavos. Claro que eu queria. Ainda bem que lá pelas tantas do espetáculo a palavra foi revelada. Por isso, passo adiante também de graça. Histriônico é engraçadinho!
As mudanças de figurino acontecem diante de nós. Nem por isso, eles deixam de nos convencer. Ao contrário. Todos os personagens estão definidos. São divertidos e inteligentes. Preciso dizer que adoro esta combinação. Algo que faça rir e pensar ao mesmo tempo, não é perfeito? E é justamente o que fazem algumas falas como: “Por que eu sozinho vou ler para o mundo se o mundo inteiro pode ler sozinho?”
A coordenadora do Instituto Estadual de Artes cênicas, Rosa Campus Velho, estava lá e agüentou firme os 40 minutos de espetáculo. Espero que ela tenha achado que valia a pena. Eu saí com uma palavra a mais e com certeza muito mais pensamentos. Bom, acho que devo dizer que histriônico pode ser também bobo, ridículo, comediante, charlatão...Desta vez, vou doar as minhas palavras, mas na próxima...
O vendedor de palavras é o primeiro espetáculo do Grupo Mototóti e foi contemplado com o Prêmio FUNARTE de Teatro Myriam Muniz 2008 – Ministério da Cultura.


Concepção e Atuação: Carlos Alexandre e Fernanda Beppler
Direção: Arlete Cunha
Dramaturgia: Rodrigo Monteiro
Trilha Sonora Original: Fernanda Beppler
Cenografia: O Grupo com a colaboração de Zoé Degani
Máscaras e Boneco - criação e confecção: Paulo Martins Fontes e Eduardo Custódio
Figurinos: Coca Serpa
Desing Gráfico: Carlos Alexandre
Produção e Realização: Grupo Mototóti



Wednesday, November 04, 2009

O vestido rosa-choque que parou uma universidade



RUTH DE AQUINO

RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br
Um microvestido rosa-choque que deixava entrever a calcinha parou uma universidade paulista na quinta-feira dia 22 de outubro. A excitação causada por uma estudante de turismo de 20 anos, ao subir a rampa, incendiou o campus: cerca de 700 alunos e alunas ficaram histéricos a ponto de o coordenador do curso pedir a Geyse que fosse embora, com um jaleco branco cobrindo seu corpo. A PM a escoltou e usou spray de pimenta para afastar a multidão ensandecida que a xingava de “p...”, “p...”.
As imagens, gravadas por celulares dos alunos, foram parar no YouTube na quarta-feira dia 28. O vídeo provoca constrangimento pela violência e pela hipocrisia. A turba ignara de universitários é a mesma que baba ao dar chibatadas em adúlteras nos estádios em países muçulmanos fundamentalistas.
A estudante pivô das cenas dantescas, incompatíveis com uma universidade que deveria ser um centro de tolerância, se apresenta no Orkut como “Michele” ou “Loirão”. Mora com os pais, um irmão e duas irmãs em Diadema, na Grande São Paulo. Estuda à noite. Está no 1o ano. No dia do tumulto, chegou à Universidade Bandeirante, campus de São Bernardo, depois de uma hora de ônibus. O pai, supervisor de serviços, paga a faculdade: R$ 310 por mês. A mãe é dona de casa.
Dias depois do tumulto, começou a circular na faculdade um rumor forte. Segundo colegas, a estudante, nas horas vagas, trabalharia como prostituta ou atriz pornô. Seria uma das estrelas conhecida como Babalu Brasileirinha, bissexual e bilíngue, disponível 24 horas por dia. A “Michelle” do site (mesmo nome divulgado pela estudante em seu blog pessoal) tem 1,69 metro de altura, 58 quilos, 90 centímetros de busto e 96 centímetros de quadris. Ela anuncia seus serviços em siglas inglesas intraduzíveis numa revista familiar de notícias.
Acessei o site e assisti aos vídeos. Eles são hard. Os olhos, o nariz e a boca se parecem muito com os da estudante. Mas pode ser uma sósia. A história de que a estudante seria prostituta foi encampada em comentários na internet recebidos por epoca.com.br. Uma assessora da faculdade comentou comigo ao telefone que “tudo isso está parecendo uma promoção pessoal”. Se estiverem difamando Geyse, ela terá sofrido um duplo ataque.
As imagens da humilhação pública da estudante foram
parar no YouTube. Nada justifica os ataques de ódio
Mesmo que fosse de fato uma atriz pornô, isso não serviria de atenuante para os atos de covardia e preconceito ocorridos na Uniban. Seus colegas disseram que ela não vestia trajes apropriados para uma universidade. Hoje, é impossível definir “traje apropriado” para universitários. Na PUC – universidade católica – do Rio de Janeiro, moças andam de shortinho, microssaia, top com ou sem sutiã, rapazes desfilam de bermuda, camisa regata, sandálias havaianas. Tem muito corpo de fora nas universidades e isso nunca foi motivo para ataques de ódio.
Sabe-se que garotas de programa estão “infiltradas” em diversos estabelecimentos acima de qualquer suspeita. O que determina a explosão de intolerância? A grife do vestuário? A cor? Rosa-choque é brega? Os alunos disseram que a moça rebolava. É proibido rebolar?
Digamos que Geyse fosse ousada demais. Se a loura com maquiagem de noite e unhas vermelhas chocasse seus colegas pela aparência, uma reclamação formal na diretoria pedindo discrição talvez fosse suficiente. Mesmo assim, muito estranha num país que cultua a nudez e se diz liberal.
Inaceitável foi o motim moralista que fez a faculdade parecer o presídio do Carandiru. Em catarse coletiva, centenas de jovens brandindo celulares urravam nas rampas, pulavam muros, gargalhavam, jogavam papel higiênico no pátio central. Sem a PM, Geyse corria risco de ser linchada fisicamente.
Os agressores – que espalham que a estudante seria atriz pornô – devem ser os mesmos que visitam sites adultos e se valem dos serviços de prostitutas. Só não as querem jamais sentadas na carteira ao lado.
A estudante ficará traumatizada? Ou célebre e rica? Geyse pode ganhar indenização, escrever um livro, posar para a Playboy e inspirar um filme. Esta é a vida como ela é.

Monday, November 02, 2009

Um fim com cara de recomeço

Último dia – tema Arte e convergência das Mídias
Tom Zé entra no circo. As poucas pessoas que já chegaram, enfrentando novamente o calor, batem palmas, gritam. Rápida abertura e a palavra vai para ele. Ao  invés de começar a discursar, ele comenta a distribuição no espaço. Reclama da separação entre o palco e a platéia, da distribuição das cadeiras até dos óculos escuros de Alcione Araújo. Diz que estes criam uma separação. Com o que eu concordo profundamente. Não tem coisa mais irritante para mim do que ver um apresentador de TV de óculos escuros. Eu nunca esqueço de tirar os meus quando falo com alguém pela primeira vez, não importa se o sol me ofusque.
Tom Zé faz todos trocarem os lugares. Mexe nas cadeiras. “Assim fica mais alegre para as pessoas”.  Ao perceber um certo burburinho,  diz que as pessoas têm que saber que tem dia bom para falar e dia bom para ouvir e que aquele era um dia bom para ouvir. Comenta que viu os currículos das pessoas no site, ficou impressionado e decidiu que vai ficar tomando nota do que eles vão dizer (que nem eu).  Assim, a palavra vai para Alckmar Santos.
Alckmar é daqueles que consegue transitar entre as áreas exatas e humanísticas. Tenho uma certa inveja. Formado em engenharia eletrônica, fez mestrado em teoria literária e doutorado, adivinhem onde? Paris. E Julia Kistreva foi a sua orientadora. É...Tom Zé deve ter mesmo razão. Mas o calor tá pegando e vendo o número de folhas que ele tem nas mãos fico um pouco apreensiva. Acho que lendo meus pensamentos, ele comenta: “trago várias folhas, mas só vale mesmo a primeira”. Ufa! Começa a falar de um conceito interessante: o atraso do progresso. Diz que muita gente fala da saturação tecnológica e tenta discutir se é bom ou é mau. Se a exposição avassaladora a que estamos sendo submetidos é benéfica ou nociva. No entanto, diz ele, não se trata disso. Sempre foram os dois. Segundo ele existe, os tecnólogos positivistas que ignoram que os estrangulamentos que a grande quantidade de informações vêm provocando, assim como, em contrapartida, tem o discurso catastrofista. Para ele, a causa dos atrasos ao progresso é a paralisia diante de tantas informações, a acumulação. (Cai um microfone. Tom Zé vai lá e junta). “Está muito difícil falar de gêneros literários”. Há muita coisa acontecendo, muitos tipos distintos que dificultam o trabalho didático. Com medo de extrapolar seu tempo, ele decide parar por aqui.
É a vez de Constanza Mekis. Esqueçam tudo que vocês pensavam que sabiam sobre uma bibliotecária. Vemos no palco dois bonecos grandes de pano. Ela fala em espanhol o que não me ajuda muito, principalmente, quando o calor rouba de mim grande parte da minha atenção. Mas não importa. Na medida em que ela vai mostrando os slides sobre como auxiliar, programar, facilitar a leitura ela vai trazendo outros elementos. Uma “Julieta” sob ao palco e procura o seu Romeu. Pouco depois, ela pega um acordeon (ou sanfona, não faço a menor idéia da diferença) e toca a música “Meu coração...não sei por que....” Só que a letra está mudada e fala sobre o professor não saber integrar a leitura. Vai trocando de música. As letras alteradas falam de livros, de leitura, etc. Uma show-woman. Mamãe eu quero agora é Leer yo quiero! Mais um pouco e ela aparece com uma bola, onde em cada “gomo” tem um poema e sugere que o professor de educação física possa trabalhar também a leitura. Ela é a prova viva de que não importa o que a gente faça, desde que ame, vai fazer bem. Parece satisfeita por que estão pensando, agora, não só em implementar as bibliotecas, mas também mantê-las. Falando, assim, em sustentabilidade. Não satisfeita, aparece com um pão e entrega para a coordenadora do evento e diz: “teremos que ler como se come, todos os dias, até que nos faça crescer”. Eu já estava impressionada com a performance dela, mas ela ainda parte para a dança. Tenta tirar os demais do palco para acompanhá-la. O único que aceita é Alcione Araújo que, por sinal, não faz feio.
A próxima a falar é Emily Short. Uma moça vestida de preto (ai, que calor) cujo tema é Ficção interativa. Traduzindo: uma história da qual o leitor pode participar. Os leitores recebem instruções para saber o que fazer. “Temos um novo tipo de contação de história. Não sabemos ainda o que acontecerá com tudo isso no futuro. Não vai ser literatura, não vai ser romance, não vai ser filme, nem jogos, mas algo novo, mas será algo que terá tanto valor quanto às outras formas de arte”. Emily diz que é um erro esperar a mesma coisa. Explica que para criar estas novas propostas, sempre é usada uma mais antiga. Mas que quando estas amadurecerem não vão mais precisar destes modelos. “As grandes histórias do futuro ainda não estão aqui”. Os leitores devem confiar que o autor levará a algo interessante, diz ela. Mesmo que a escolha leve a um final infeliz, este terá um significado. O leitor se perguntará: o que é permitido que eu faça? Quais as escolhas que tenho? Começa a apresentar um exemplo chamado Photopia. Pessoas estão em um carro e o motorista está bêbado. Causam um acidente e uma morte. O leitor ao perceber o que levou a esta situação decide jogar novamente, tentando fazer as coisas serem diferentes, melhores. Porém, ele não sabe que não importa o que faça, ele não conseguirá impedir a batida. A história não tem um objetivo moral. Ao contrário, quer mostrar que é impossível evitar o acidente, não importa o que ele faça. A história só termina quando ele aceita o inevitável. Quando para de tentar mudar o rumo dos acontecimentos. Outra história que ela apresenta se chama Faith. Uma rainha está esperando um bebê e este irá morrer devido a ações da corte. O leitor poderá tentará impedir, mas perceberá que cada ação tem um preço. Que não há como proteger o bebê sem causar danos a outras pessoas. Ele terá que mentir, trair e, às vezes, matar. A questão que se impõe nesta ficção interativa é até onde é aceitável agir para tentar proteger uma vida? Qual sofrimento é pior? “A interação encoraja o leitor a pensar sobre suas crenças.” Para cada leitor a história é diferente. Este tipo de obra não representa a morte do autor. Não é um substituto do livro. A ficção interativa permite uma relação sem igual em outras mídias. “Isto também deve ser arte”. Pareceu bastante interessante o trabalho que Emily desenvolve, por isso, divulgo o site dela para quem deseje maiores informações: www.emilyshort.com
O próximo a falar é Pedro Bandeira. Começa dizendo que é impossível, hoje, dizer: eu acompanho tudo que está acontecendo, que nem os jovens estão conseguindo fazer isso. Diz que para falar sobre as discussões sobre os avanços tecnológicos vai começar por uma parábola e conta a seguinte história:
Há muito tempo, um rico mercador grego tinha um empregado chamado Tim, um escravo sem grande força ou habilidades, mas com uma sabedoria singular.
Então, um dia, o rico fazendeiro, quis colocar à prova as qualidades de seu empregado. E disse:
– Toma, Tim. Aqui está esse saco cheio de moedas. Corre ao mercado e compre lá a pior comida que houver, seja o que for, para um banquete. Mas, não tentes me enganar.
Pouco tempo depois, Tim voltou com um prato coberto por um pano e o pôs sobre a mesa. Quando o mercador levantou o pano, ficou surpreso:
– Língua?
Tim baixou os olhos e respondeu:
– A língua, senhor, é o que há de pior no mundo. É a fonte de todas as intrigas, o início de todos os processos. A mãe de todas as discussões. É a língua que separa a humanidade, divide os povos. É ela quem mente, esconde, engana, blasfema, insulta, se acovarda, xinga, destrói, vende, corrompe. Com a língua dizemos “morre”, “eu te odeio”, “você é um infeliz”, “você é um incapaz”. A língua é o órgão da mentira, da discórdia, dos desentendimentos. Aí está, senhor, porque a língua é a pior comida do mundo.
– Muito bem, Tim! Tu realmente cumpriste tua missão. Tome agora esta sacola de moedas e me traga a melhor comida do mundo.
Mais uma vez, passou algum tempo e o empregado estava de volta, trazendo um prato coberto por um pano de linho fino.
O mercador recebeu-o com um sorriso e disse:
– Já sei o que há de pior. Vejamos agora o que há de melhor...
Após levantar o pano, o mercador ficou indignado com o que viu:
– Que brincadeira de mau gosto! Língua? Outra vez? Tu não disseste que isso era o que havia de pior?
O escravo, humilde, baixou a cabeça e explicou-se:
– O que há de melhor que a língua? A língua é que nos une a todos quando falamos. Sem a língua não poderíamos nos comunicar completamente. A língua é o órgão de verdade e da razão. Graças a ela é que se constroem as cidades, casas e tudo o que há. É com ela que expressamos o nosso amor. Com a língua se ensina, se instrui, se reza, se explica, se canta, se elogia, se demonstra e se afirma. Com a língua dizemos: “querido”, “amor”, como também “Deus”, “sim”, “tudo vai dar certo”, “obrigado”, “eu te amo”, etc. A língua é órgão do diálogo. É a língua que torna eternas as idéias dos grandes salmistas e as idéias dos grandes escritores.

Achei fantástico. Não há dúvidas de que é preciso astúcia para ocupar os 15 minutos de fala com uma história dessas e deixar tão claro a sua opinião e provocar uma bela reflexão. Importante dizer que Pedro Bandeira interpretou os dois personagens, fazendo trejeitos corporais e mudando a voz. Uma esquete teatral.
Nilton Azevedo começa. Ele se desloca em uma cadeira de rodas destas automáticas e diz que as pessoas não devem ocupar as vagas de trânsito para deficientes e nem entrar na parte reservada para os mesmos no banheiro. Mostra uma texto que se chama Ata-me. Um sistema onde cada imagem de um corpo conta uma história. Ao mexer o mouse, a pessoa escolhe qual parte vai acionar. Imediatamente, uma voz começa a dar pequenos trechos do texto.
Lembram do Tom Zé? Que deveria ser o primeiro a falar? Pois é...um dos mediadores resolve jogar para ele de novo a palavra. Este, porém, faz mais algumas colocações singelas: “bem, tirando o preço do calor...” Diz que levará para casa ótimas idéias, que mesmo as coisas que não se resolveram brilhantemente durante a apresentação foram muito interessantes. “Daria o meu cachê do show de hoje à noite só para estar aqui neste momento”. Acho melhor ele na ficar dando idéias...
Mais um tempo zanzando pelas áreas verdes da Universidade e volto para o Show do Apocalipse. Ótima voz, ótimos músicos.
Vamos para o encerramento. Um vídeo faz uma retrospectiva de todas as atividades realizadas naqueles cinco dias. É emocionante. A quantidade de pessoas na platéia assistindo aos painéis, os shows, as crianças circulando... Em poucos minutos, temos uma idéia da magnitude do evento. Discursos das autoridades. Entra o Bloconeco de Catim e sua banda navegante. Sobem ao palco. Corpos de pessoas com cabeças gigantes. Roupas coloridas. Dançam bolero, tango e outros ritmos.
Alcione Araújo pega a palavra. Fala sobre a persistência de todos naquela temperatura: “Se o calor estragou equipamento, imagina o meu cérebro que é muito mais sensível”. Diz que a estrela do evento é o público. Quando começo a pensar que ele está querendo agradar, ele diz: e não estou fazendo média. Comenta que ficou observando e que o público sabia exatamente a hora de rir. Destaca também os comentários e as perguntas feitas aos participantes. Mais uma vez, elogios para a coordenadora.
É a hora do show de Tom Zé. Enquanto ele se apresenta penso: que fascinante esta pessoa! Um homem pequeno, com uma aparência tão simples, traços brutos e tão carismático. Que exemplo de que a preocupação com a estética obsessiva com o  corpo é uma perda de tempo. Se a pessoa é autêntica, se transpassa energia é isso que todos vemos. É, exatamente, este o caso. Suas letras irreverentes e seu jeito anárquico no palco diverte e faz pensar. Conta várias histórias entre uma música e outra e assim termina, finalmente, esta jornada.  Ainda bem que um dos responsáveis pela Universidade já disse que Tânia Roosing ia descansar alguns dias e já ia começar a preparar 2011. 

Alô, alô Terezinha...Falta o sucesso da discoteca do Chacrinha.



Fui assistir ontem o filme Alô, Alô Terezinha, com uma jornalista, amiga minha há mais de dez anos. Acho que já comentei aqui. Somos bem diferentes em relação ao comportamento, mas temos princípios e uma ética que nos mantém unida desde que nos conhecemos. Fazia tempo que não a via e quando sobra um tempinho para ela sair e ir a um cinema, lá vamos nós. Ela que escolhe o filme. Foi assim que vi Homem Aranha, Arquivo X e outras coisas que, por conta própria não veria. Agora, ela até já começou a me advertir. Mas vou é pela companhia.
Fiquei incomodada durante o filme. Depois, aos poucos comecei a tentar entender o porquê.  Na minha cabeça ia assistir a um filme sobre o Chacrinha, mas não. O que a gente vê na tela, na maior parte do tempo, são os depoimentos das Chacretes na época. Até aí, tudo bem. Mas o filme explora o patético. A situação decadente em que se encontram agora. Aquelas mesmas mulheres jovens, sensuais, desejadas, agora, gordas, velhas e sem grana.
Deu para perceber que esta sensação desconfortável foi provocada. Era, sem dúvida, a intenção do diretor Nelson Hoineff. Fiquei até procurando razões nobres, do tipo: mostrar como perde quem tenta viver só do corpo, de uma circunstância, da juventude. Isto até acho bom. Afinal, a cada dia, a indústria da beleza força uma estética que aprisiona as mulheres ou as coloca para baixo. Aquela idéia de saber envelhecer parece coisa do passado (lembrei do Arriaga dizendo que devíamos ter orgulho das nossas cicatrizes). Não tenho nada contra aproveitar as fórmulas que ajudam a retardar as rugas, que garantem que a gente se mantenha com uma aparência cuidada. No entanto, não é isso que a gente vê. Aliás, principalmente nas camadas mais altas, as mulheres estão ficando deformadas. Bocas inchadas pelo botox, caras puxadas pelas cirurgias plásticas. Às vezes, me bate uma saudade daquele velhinha ajeitada, natural que eu via por aí.
Bem, mas o que acabou não me agradando é que se as Chacretes eram exploradas, foram novamente neste filme. Foi me dando uma tristeza de vê-las tão decadentes e sem a menor consciência disso. Ainda tentando manter a pose. A idéia de fazê-las voltar a fazer as mesmas dancinhas é de doer. A mesma coisa aconteceu com os calouros apresentados no filme. A maioria contando o quanto foi arrasador ser buzinado no programa e de seus sonhos (ainda) de serem transformados em cantores. Tem uma cena em que um deles canta em uma sacada, com uma afinação bastante razoável e faz contraponto com Agnaldo Timóteo em outro local, mas basta que o plano se abra para vermos que o primeiro está em uma favela e que os únicos aplausos vêm dos transeuntes de uma rua sem calçada.
Aparecem também alguns famosos. Fábio Junior, Ney Matogrosso, Baby Consuelo, Morais Moreira, Caetano e até o rei Roberto Carlos, mas mesmo estes são filmados de forma a passar uma imagem pobre, desgastada.
O programa para quem não sabe era uma zorra. O público ao vivo, as Chacretes em trajes decotados, Chacrinha sempre fantasiado e buzinando e correndo para todo lado. Atira farinha, atira bacalhau. O filme não mostra aquela famosa versão do quanto ele ajudou o início de carreira de muitos. Rapidamente, alguns falam que bastava a música aparecer no programa para virar um sucesso. Mas é só.
Valeu à pena ter visto até para que eu possa pensar sobre tudo isso que me desagradou. Afinal, como conversava minha irmã, o programa durava a tarde toda e era, naquela época, a única opção na TV. Minha amiga ainda disse: “sou feliz e não sabia. Agora, tenho canal acabo e outros programas para ver.” Em compensação, na minha cabeça ficou as imagens daquelas mulheres tão requisitadas antigamente e, agora (2007) fazendo força para sobreviver. Seria uma bela denúncia, um ótimo registro, se não tivesse ficado claro que elas não têm consciência de nada disso e buscam, ao dar seus depoimentos, aparecer pelo menos mais uma vez. Para quem gosta de filmes trash, eu recomendo.

Saturday, October 31, 2009

Da frustração a fruição

3º dia. O plano era chegar atrasada. Sim, sou destas que planeja o atraso. Queria levar minha mãe à rodoviária. Com mais de 75 anos, ela segue trabalhando, divulgando os Jogos Boole (www.jogosboole.com.br), criados pelo meu pai. Já tinha feito os contatos com as escolas que queria, feito algumas vendas, o que a faz trair a língua que ama e dizer: “yes,yes,yes”, enquanto comemora a ação bem sucedida. Não podia se permitir ficar até o final da semana por aqui. Mas como as atividades da Jornada começam as 14h, achei que ainda teria muito que assistir. Só que não foi bem assim.

Frustração um – o tema de hoje era Literatura, teatro, música e novas tecnologias. Faltava apenas a fala de Eloy Fritsch e isso porque ele teve problemas com a tecnologia (estava demorando...). Assim mesmo o que vejo é interessante. Na tela Clair de lune, tocada virtualmente. Logo depois, Fritsch recupera informações históricas. As primeiras experiências da música eletrônica. Chega na música acusmática (como dizia uma amiga minha: é para comer ou para passar no cabelo?) Fala em cinema para o ouvido. Divertida esta imagem. Chega no rock, nos Beatles e Pink Floyd. Mas é quando ele fala em Rick Waykemann que meu interesse aumenta. Daí, ele cita Jean Michel Jarre. Bem lembro o impacto que estes nomes causaram na época. Também, não foi à toa. Frisch diz que este último levou três milhões e 500 mil pessoas para ouvir sua música em Moscou em 1981. O maior número até hoje. Mostra instrumentos sendo tocados por dedos em telas planas. Penso na importância dos dedos, do toque para esta época tecnológica. Claro...Não sou eu que falo todo tempo em digital? Apresenta novas interfaces com vídeos do youtube como a escada piano, uma experiência em Estocolmo e termina com o piano controlado por ondas cerebrais de Eduardo Miranda, na Inglaterra. Ok. Também não sei como isso funciona. Entrem aí no Google e pesquisem, ora bolas (expressão da mesma época de “bananices”)!

Fruição um - Vai falar Alcione Araújo. Bem, preciso dizer que bastaram algumas horas para que este cineasta me conquistasse e, olha que não me acho tão fácil assim. Azar é o dele. Ele nem abriu a boca e minha expectativa já e grande. Vai falar de que? Teatro o que, segundo ele, trata-se de gente imitando gente para a gente ver. Só que salienta: “Na contemporaneidade, este homem incorporou a tecnologia no seu dia-à-dia”. O que ele quer dizer com isso? Ele explica: O personagem do teatro de hoje pode ser um transplantado e a história pode ser ele amar a pessoa que quem doou o coração amava. Uma nova situação provocada pela tecnologia. E agora vem uma parte que me traz certo deleite. A ciência ficou sendo vista como ameaça. Assim, como marcianos atacariam a Terra com suas novas tecnologias. Nosso imaginário ficou impregnado de temores, mas não é a tecnologia que traz perigos. Estes estão com o homem. Questões relacionadas ao caráter, a moral, a ética do ser humano. Fora do Brasil, a atitude é  ainda mais reacionária, sendo proibidas as pesquisas com células tronco. Não precisamos ter medo da ciência, mas do próprio homem. A arte não está ameaçada. Ela é antropofágica. É capaz de digerir as tecnologias. A ciência é tão revolucionária quanto à arte. A arte é preocupada com a criação da subjetividade. “Nós artistas não temos medo do formato livro desaparecer. Devemos ter medo é de nós mesmos.” Terminado o painel, a parte das perguntas também trouxe algumas informações interessantes, mas, vou pular para que não tenha que me estender muito mais porque o melhor ainda está por vir. Registro apenas algumas frases:
- A tecnologia ajuda a elaborar o texto quanto a sua mecânica, mas, não interfere na criatividade.
- Há mais caminhos para as manifestações artísiticas
- O livro se repotencializa.
- Temos que manter uma vigilância crítica para o tipo de discurso que tem um objetivo apenas comercial do tipo: o futuro é hoje.
- A morte tem a sua função. Prorrogar a existência de alguém artificialmente não se justifica. Há um ponto final.
Bom, mas, me sinto obrigada a voltar para a fala de Alcione Araújo que foi solicitado a responder o que ele achava sobre espetáculos teatrais multimídias e se ele considerava que a tecnologia podia substitui o ator. Sobre isso, Alcione diz que a ideia de teatralidade é mais complexa. O ator nunca é o outro, nem apenas ele. Esta é a grandeza do ator. Comenta a torcida curiosa e perversa, oculta e incofessa que quer que o ator erre. Segundo ele, o risco é parte incorporada do espetáculo. Um ator pode morrer em cena.

Frustração dois – Terminado o painel, a idéia permanecer por lá até a conferência das 20h o que, certamente, parecia ser muito tempo. Descubro, porém, que haverá o Café literário e me dirijo para o Centro de Convivência. Chego em um mini-shopping, com farmácia, lojas de sapatos, acessórios, biquinis e uma espécie de praça de alimentação. Em uma das paredes um imenso logo, escrito RU. Dá para acreditar? Não demorou muito para o encontro começar. Tezza seria o entrevistado por Loyola e Fischer. Prometia. Mas houve um pequeno problema. Nem todas as pessoas estavam ali para ouvir outros e muito menos interessados em fazer silêncio. A acústica do espaço não é boa e assim, era um zumzumzum irritante. Desisti.
Fruição dois - Volto para a área do circo. Paso pelo espaço da imprensa e vejo uns braços gesticulando do outro lado dos vidros. Reconheço Ricardo (Silvestrin) dando uma entrevista pra a Rádio UPF. Desculpe, eu sei, estou falando de novo nele, mas fazer o quê? É a única pessoa que (re)conheço neste universo tão incrível de pessoas e, com isso, percebo que só agora tenho, realmente, uma turma. São meus colegas de mestrado. Na escola, meu boletim vivia com recomendações do tipo: “precisa se relacionar melhor com os colegas”. Na universidade, me dava bem com todos. Fui até representante do Centro Acadêmico, mas não fiz, realmente, amigos. Foi preciso eu escolher a arte para encontrar meus iguais. Iguais? Nada. Somos todos tão absolutamente diferentes e, no entanto, temos tanto em comum e recorro a um texto que me fez pensar direto neles: “Meus objetivos são todos subjetivos”. Preciso dizer de quem?  

Fruição três – Vou para o circo. Está quase na hora do show. Não tinha nenhuma expectativa. Para mim, era apenas uma forma de passar o tempo. No palco o grupo Repercussão. Começam com Trenzinho caipira de Vila Lobos. Não sei por que, mas esta música sempre mexeu comigo. Passam para Asa branca, o frevo Vassourinhas e Brasileirinho. Um dos músicos no palco apresenta o grupo. “Ele é professor aqui da UFP”, me diz a menina que conheci aqui no primeiro dia. Logo vi. A cada música ele acrescentava informações sobre os compositores, os instrumentos, etc. Sandro Cartier explica que se trata de um projeto chamado No baú a música do Brasil. Minha atenção se volta para a moça que traduz tudo que ouvimos em Libras. Está lá desde o primeiro dia, mas fico imaginando como será explicar aquelas palavras típicas da linguagem popular deste país tão grande. Sou surpreendida pela questão sobre qual seria o único ritmo gaúcho por excelência. Quem arrisca a responder, erra feio. A resposta vem do professor: O bugil! Nunca pensei... “Este é um projeto educacional  que queremos levar para as escolas falando sobre compositores, intérpretes, gêneros, resgatando canções”.
Fruição 4 - Antes da conferência de Arriaga, sobem ao palco 23 integrantes de Alta Floresta, Mato Grosso que vieram para a jornada. Enquanto isso, contava para a minha nova amiga uma parte da minha vida e lembrava de uma viagem que havia feito na época de faculdade para Salvador para participar de um encontro de Comunicação. “54 horas de viagem de ônibus”, digo a ela. Quando a coordenadora do evento pergunta ao grupo quantas horas elas levaram para chegar ali, a resposta foi: 54 horas. Até parece história de mentiroso! Uma das professoras fala pelas demais. Diz que esteve no evento em 2007 e que prometeu que sozinha não voltava mais, queria que outras pessoas também tivessem a oportunidade de participar (entendo perfeitamente este sentimento).

Deleite único
Guilherme Arriaga é chamado ao palco. Tenho um sério problema para associar o nome as pessoas e até ali não tinha me dado conta de que estava diante do roteirista de 21 gramas e Babel, para citar só estes dois. Fala do seu orgulho em estar ali, do quanto é importante reunir mais de cinco mil pessoas para falar de literatura. Tem um jeito simpático e expressivo de se comunicar e vai conquistando rapidamente o público, eu, inclusive. Para isso, comenta suas experiências no Brasil. Um contato com Octávio Araújo que tinha um projeto de organização de bibliotecas nas favelas do Rio de Janeiro, com a intenção de alterar o quadro de violência, usando a literatura. Outra experiência era relacionada a idéia de levar livros às prisões, pois lendo os presidiários eram livres. Comenta o privilégio que é estar em uma universidade e poder resgatar a leitura, o que para ele permite encontrar a nós mesmos.
Pede que lhe alcancem um livro. Diz que é um objeto perfeito. Guarda no bolso. Coloca embaixo do braço. Diz que ao fazer isso mostramos que o livro é NOSSO. Dá para marcar, dobrar e...atirar (lança o livro de em direção ao público). São objetos resistentes, observa.
“A arte coloca luz em lugares onde não imaginávamos que havia algo. Faz a gente pensar em lugares que não teríamos visto. O ato de ler pode ser subversivo.” Quanto a preocupação dos jovens não lerem mais, ele afirma: “Se assim fosse, não haveria um Harry Potter”.Arriaga comenta que as pessoas que estão no evento escrevem todos os dias e que os jovens não vão deixar de ler.Para ele, um escritor pode trabalhar em muitos meios e revela que se ele não escreve as histórias trancam na sua garganta. Defende que um roteiro (nem gosta desta palavra) já é literatura, já é uma obra. Tudo que é dito pelos atores está escrito e conta de uma situação em que os atores queriam improvisar e outro mais experiente disse: “por que tu achas que vais conseguir em cinco minutos um texto que foi escrito em três anos?”
Suas colocações ficavam cada vez mais interessantes e a expectativa em relação ao que ainda iria ser dito ia aumentando, porém, ele parou e disse que queria as perguntas. Surpresa na platéia. Jà? Como estas não vieram ele seguiu dizendo existe uma palavra em linguagem patagônica que significa um homem e uma mulher sentados um em frente ao outro e não se atrevendo a dizer o que sentem. Fala que as peles que acariciamos ficam em nossos dedos, que o momento se perde. “O ato de escrever é finito, mas o ato de ler é INFINITO. Fala que em uma ocasião uma pessoa disse para ele: li seu livro em três horas, o que lhe gerou uma certa tristeza. Cinco anos para escrever e apenas três horas de leitura? Um amigo dele, no entanto, lhe disse: “Se tu juntares três horas de um leitor, com três horas de outro leitor e daí por diante, tu vais completar os cinco anos.”
Arriaga diz que na escrita não há resultado, não há progresso. Exemplifica dizendo que se assim fosse o último livro de Garcia Marques seria melhor do que os anteriores. Conta que o escritor convive com o medo permanente de que não tenha mais o que escrever. É um terror permanente. E insiste: alguma pergunta? Ah, se eu soubesse que ele estava tão desejoso de questões...
O diretor, autor pede para todos olharem suas mãos. O espanhol atrapalha e grande parte da platéia se dá as mãos. Eu, por exemplo. Ele entende o engano. Afirma: “Haverá um momento em que estas mãos serão mãos de cadáver. Por isso, devemos acariciar tudo que queremos, golpear tudo, escrito tudo. Diz que mantém caveiras ao lado do seu computador de diversos materiais para lembrar que ele tem que construir uma obra.
“O que passa se não lemos Shakespeare?” Nada. Cita vários outros grandes autores e a resposta é sempre a mesma: nada. O problema, diz ele, é que quando os lemos se passa tudo.
Lendo sabemos que outros seres humanos têm momentos semelhantes aos nossos. Todos os seres humanos necessitam compreender as experiências dos outros.
Questionado sobre as adaptações de livros para o cinema, ele diz que estas rompem com o que o leitor imaginou quando leu a obra e isso o desaponta. Diz que passou por uma experiência assim com um livro seu. Considera que, por isso, os piores livros permitem as melhores adaptações. Diz que o livro As pontes de Madison não presta, mas, que o filme é grandioso.
Sim. As perguntas chegaram. Querem saber porque a morte se faz tão presente na sua obra. Pensei que isso já estava respondido. Mas Arriaga vai além: todos vamos morrer. Falar da morte não é falar da morte é saber que há um fim, que precisamos viver com mais intensidade.
Mostra a sua careca dizendo que esta foi a língua da morte passando sobre a sua cabeça para dizer que ela virá. Diz que devemos ser orgulhosos das nossas cicatrizes. Busca empatia no público praticamente feminino dizendo que a celulite também é apenas uma destas cicatrizes da vida.
Voltando a questão do valor literário do roteiro, ele diz que quando os arquitetos fazem uma planta, os músicos, uma partitura já é uma obra, por que com o cinema seria diferente? O texto de Shakespeare já não é uma obra antes de ser encenado?
Por que se interessou pela literatura? “Tinha uma paixão enlouquecida pelas mulheres”. Precisava entender como resolver situações amorosas, diz ele.Conta que aos 13 anos montou Romeu e Julieta na escola e que este  personagem o ensinou a como tratar as mulheres. “A partir daí comecei a entender que a literatura era imprescindível”.  Acredita que esta possa contestar e transformar a realidade. Cita Paulo Freire.
Sobre como pensou em 21 gramas, ele diz que o filme se baseia em uma experiência pessoal. Uma membrana do seu próprio coração estava inflamada e, talvez, ele pudesse precisar de um transplante. Só imaginar viver com o órgão de outra pessoa já provocava muitos questionamentos. Depois, viu um atropelamento onde uma pessoa morreu. Viu quando o policial pegou o documento da vítima e tirou de dentro uma foto dele com uma mulher e uma menina e pensou que naquele momento aquelas mulheres teriam que viver sem aquele homem, sem aquele marido, sem aquele pai. (Neste momento, já sinto arrepios na minha própria pele e fico feliz de que apenas palavras possam ter este efeito). Estas coisas, ajudaram a criar 21 gramas. Quanto a sua estrutura surgiu da observação de que o passado nunca vêm de forma ordenada.
E o cinema produzido com elenco virtual? “Não gostaria de atores virtuais, assim como não acho interessante sexo virtual”.
 “Estamos cada vez mais vinculados a seres não reais ou se são reais não são presença de carne e osso. A função da arte é devolver a cada um dos sujeitos seu valor como pessoa”.
Arriaga conclui dizendo: “Todo o escritor precisa de ajuda. Não quero que os meus livros morram. Por favor, me ajudem a completar os cinco anos que levei para escrever.”
Impactante. Como já disse antes, fico extremamente satisfeita de que as palavras, as quais sempre me dediquei, tem o poder de mexer tanto com a gente. Provocar novos sentimentos e, por que não, atitudes. Arriaga me deu a sacudida interna de que estava precisando. Aliás, acho que fez isso com toda a sua platéia. Minha nova amiga diz algo que define a impressão que tive: “ele parece uma pessoa amorosa”. Saimos as duas comentando nossas vidas e incertezas. Mais uma vez, ela me dá uma carona em seu fusquinha, me deixando na porta da frente. Ainda bem que sei aproveitar estes momentos com a intensidade que eles merecem. Serei mais feliz quando conseguir parar de temer a reação alheia e ir naturalmente ao encontro daqueles que me são verdadeiramente importantes sem medos, quando não for mais “desconcertante rever o grande amor”.
(continua...)

Tuesday, October 27, 2009

Entre o paraíso e o inferno

Segundo dia de Jornada. O tema: Jornalismo, cinema e internet. Quem me conhece sabe, discutir estas três coisas juntas com gente talentosa e competente? Tudo indicava que seria o paraíso. Até chegar lá e sentir o calor do circo. Tinha esquecido o que era ficar dentro de uma lona daquelas. Logo eu que jamais me agasalho e estou sempre esbaforida. Pensei em me abanar com um bolo de papel que tinha na mão, mas, ia ser desgastante. Resolvi usar minhas práticas de yoga para abstrair a temperatura e registrar o que estava sendo dito.

Antes da abertura do painel, mais algumas manifestações dos organizadores e dos responsáveis pelo evento. Logo em seguida, o apresentador diz que vai falar sobre as “grandes estrelas desta tarde”. Acho a imagem engraçada... Pensar em Ricardo Silvestrin como uma estrela ou mesmo Jorge Furtado que conheci no início de sua jornada no cinema é estranho para mim. Mesmo que eu seja uma das primeiras pessoas a reconhecer que ambos merecem todo o crédito que recebem.

Ignácio de Loyola Brandão pega o microfone e já recebe o carinho da platéia. Começa a dizer que ainda não sabe o que vai cantar este ano (pressuponho que ele tenha cantado em outros), mas que estão se preparando. Fala que já chegou a pessoa que vai ensaiá-los: Vanuza, fazendo referência ao fiasco que a cantora fez no Congresso. Humor meio negro para o meu gosto. Em seguida começa a contar uma história com a qual me identifico. Diz que a matemática o perseguiu, o torturou e quase o destruiu, mas um professor conseguiu ver o potencial que ele tinha. Diz que deixou para o último dia fazer sua matrícula e que na fila do clássico, voltado para as áreas humanas, tinha 80 pessoas e que na fila do científico, das áreas exatas, apenas 4, então acabou se inscrevendo neste. Ficou cinco anos fazendo algo que era para ser feito em três: “Porque tudo que eu faço, faço bem.” Em 1956, com 20 anos, estava em Araraquara e tinha um exame oral da disciplina que tanto temia. Segundo ele, o professor havia perguntado: “De quanto você precisa?” E ele: 9,7. Nesta situação, o professor sugeriu que ele fosse para o tudo ou nada. E disse que ele devia fazer uma equação. Para Loyola podia ser hieróglifo ou aramaico que daria no mesmo. Mas, segundo ele, a platéia estava formada por lindas meninas e ele pensou: “tudo menos a vergonha”. Começou, então, a escrever todos os símbolos matemáticos que vinham a sua cabeça até chegar ao símbolo do PI. Conta que tinha um cara fazendo o teste para física e que ele pediu mais espaço para que ele pudesse continuar escrevendo a sua equação. Colocou um resultado: 540 cdq (como queria demonstrar) e jogou o giz em um gesto teatral. Sua nota? 10. E não acreditando no resultado, questionou o professor que teria respondido: É 10. 10 pelo delírio, 10 pela loucura, 10 pela imaginação, terminando por dizer: Vai embora. Ignácio, o seu mundo é o da fantasia! Acho que não preciso comentar o quanto de performance tem nesta fala, não é mesmo? Bem sucedida, diga-se de passagem.

Fernando Molica jornalista e escritor foi quem começou a falar do tema do Painel, dizendo que há sempre os apocalípticos, mas que as coisas vão se reiventando e a cada meio que vai sendo criado, vamos encarando novos desafios. Para ele, a internet retira o monopólio da fala. Nunca, diz ele, a humanidade foi tão produtora de informação. “A gente ainda não sabe como isso vai evoluir, mas não implica em um fim. Observou que, em tese, a jornada é arcaica, que aqueles “encontros” poderiam estar acontecendo de forma virtual, mas que precisamos de contato. (Nesta hora, pensei que estar em algum lugar com ar-condicionado, acessando aquele circo pela internet não seria má idéia.) Seguiu dizendo que a tecnologia por si só não é nada, somos nós que produzimos o seu conteúdo. Lá pelas tantas, foi falando apenas dos seus livros e acabou com um tom meio de propaganda. Queria mais.

A palavra foi para Guilherme Fiuza, autor de Meu nome não é Johnny, não o filme, o livro! Também jornalista. Fez justamente os comentários que eu gostaria de fazer. Sobre o tamanho da jornada e sobre a logística que um evento deste porte exige, elogiando a capacidade empreendedora da coordenadora. Claro que ele falava com muito maior conhecimento de causa, pois foi contatado pela mesma para tratar da sua estada ali. Foi bastante humilde (ou realista?) ao dizer que é tão chamado para falar de cinema que ou vai se transformar em um especialista ou o Brasil vai acabar percebendo que ele não entende nada do assunto. Talvez, até tenha feito este comentário considerando a presença de Jorge Furtado no Painel. Mas este quando começou também não tinha tanto conhecimento e sei que Giba Assis Brasil, seu parceiro cineasta, também não. A fonte é garantida. Sua própria mãe me contou os primeiros passos do filho quando surrupiava os vasos da casa que só iam aparecer sendo estatelados em alguma cena na “obra de arte” do filho. Bem, mas voltando a Fiuza, ele relatou toda a sua experiência enquanto jornalista que queria escrever uma reportagem que não cabia em qualquer veículo de comunicação. Foi quando procurou Estrella dizendo que queria contar sua história, mas esperando que esse dissesse que não aceitava. Este, no entanto, topou. Livro publicado, produtores de cinema começaram a procurá-lo dizendo que ele havia escrito um roteiro de cinema.

Seu relato me fez refletir justamente neste momento em que vivemos de conexão das mídias: uma reportagem, que vira um livro, que vira um filme. Acho que está na hora de aceitarmos isso com mais naturalidade. Fiuza falou também de sua experiência com os blogs. Dos temores das pessoas de que estes venham a substituir o jornal, coisa na qual ele não acredita. Mas afirma que estamos tratando de algo poderoso e teve provas disso no seu primeiro blog quando podia ou não aprovar os comentários dos seus textos publicados na internet, mas não conseguia encontrar um critério adequado. Os que elogiavam seriam publicados. Não colocar nenhum dos que criticavam seria ridículo. Acabou deixando passar tudo. Diz que acabaram xingando até a sua mãe. Mais tarde, quando a Revista Época o convidou para fazer um novo blog, voltaram a discutir os tais critérios e, mais uma vez, acabaram não fazendo nenhuma censura. Assim, surgiam campanhas pessoais contra ele. “Um negócio orquestrado”. Ele decidiu ver até onde ia dar e acabou percebendo que, não reagindo, as tais campanhas foram desaparecendo e as mesmas pessoas que o haviam criticado severamente, começaram a publicar coisas muito coerentes, lúcidas, pertinentes. A conclusão a que ele chegou é que o público não quer mais ser passivo.

Fiuza acredita que a partir das manifestações em blogs, os autores podem acabar partindo para sua própria produção de conteúdo, pois observava que, às vezes, os textos postados eram até melhor fundamentados do que o dele. “Estamos diante de um desafio. A única saída para este flagelo do álcool e das drogas é estes alunos verem a possibilidade de se expressar. Dá espaço para tanta gente ser alguém? Acredito que sim.” O jornalista vê tudo isso sem saudosismo e olha para o futuro de forma otimista. Defende que os produtores de conhecimento devem dar importância para a simplicidade. “A arte intangível perdeu a graça. Não há mais espaço para o fetiche do saber”.

Chegou a vez de Jorge Furtado. Já o vi falar muitas vezes, menos do que gostaria, pois ele sempre parece à vontade diante da platéia e qualquer aparição sua se transforma em uma conversa com o público, como se a gente estivesse na sala de casa ou na mesa de bar. Bem, quem sabe um dia... Então, ele começa falando da foto do livro que acabaram de distribuir sobre o Plano Nacional do Livro e Leitura, onde tem um jegue que transporta livros e faz referência ao livro burro que havia na Colômbia e de uma história do desaparecimento do livro Odisséia que havia interessado o povo porque este se identificava com a história. Furtado diz isso para corroborar sua afirmação de que o livro não vai morrer. Diz que gostaria de discordar dos que falaram antes dele, para a conversa ficar mais divertida, mas que não conseguiu. Sim, a arte não é substitutiva, é cumulativa. Dito isso, traz à tona outra questão: a discussão entre realidade, verdade, fato, ficção. Fala sobre o livro Robson Cruzoé cujo autor acabou enganando seus leitores que achavam que aquela história era verídica, pois até então não se usavam nomes próprios nos romances. Comenta que há uma demanda pelo realismo no cinema. Relembra o primeiro filme dos irmãos Lumière que era a saída de uma fábrica. Mas chama a atenção que, embora possa parecer um documentário, os empregados não estavam vestidos como sempre, assim como houve uma certa coordenação do tempo.

E o diretor de cinema pergunta: e qual é o limite? Segundo ele, o trato que nós fizemos. Diz ele que ao ver o telejornal não quer ficção, quer os fatos. Ao mesmo tempo em que fala em verdade e logo se questiona sobre o significado desta palavra. Bem, como jornalista, entendo o que ele quer dizer, esta necessidade dos fatos, das provas, da coerência das informações. Mas acho que na sociedade do espetáculo em que vivemos é uma luta inglória esta. É quase como pedir para ser enganado. Particularmente, acho que não tem mais como sermos tão severos em relação a isso. Temos que filtrar as coisas que nos chegam. Avaliar, ver o que nos serve e descartar o restante. Se vamos começar a tentar comprovar tudo que é dito ou divulgado não sobrará mais tempo para nada em nossas vidas e está aí algo que já anda bastante escasso. A própria história contada por Furtado comprova isso. Ele falou sobre uma notícia engraçada (?) sobre um Picasso que estaria às traças no INSS que foi divulgada em importantes jornais do país, mas que bastou alguma atenção para perceber que não condizia com a verdade. O quadro, a Mulher em branco, era apenas uma cópia. Tratada como obra rara. O diretor bem que tentou avisar os “seus colegas” do engano, mas de nada adiantou. Ao contrário. Estes reforçaram o engano, entrevistando a filha do Picasso, noticiando, anos depois, que a obra havia escapado de um incêndio. Até que ele conseguiu chegar o mais perto da verdade: o quadro havia pago uma dívida com a União e era melhor deixar a história por isso mesmo.

Esta, aliás, é uma história leve se considerarmos todas as “fraudes” que o meio virtual permite. Mas adianta acabar com a internet para dar um fim a isso? Claro que não e nem Furtado estava falando disso. “Nunca fui tão bem informado”. Diz ainda que a gente tem que ler, inclusive, quem discorda de nossas idéias, ter que ler de tudo.

Pronto. Tua vez, Ricardo. Ele começa falando que ficar para o fim é um problema, pois ele já havia feito três palestras na sua cabeça. Disse que ia fazer algo habitual: começar com um poema.

“Não me pergunte pra que serve a arte,

Se você sabe.

Antes de nascer você já sabia.

Se alimentava de arte pelo cordão umbilical

se não, como você conseguiria

atravessar nove meses sem respostas

as suas perguntas?

Ritmo é a resposta

no som submerso

Só a melodia da fala que nada dizia

uma entonação,

uma dança

das mãos sobre o ventre

em que você dormia.

Desde que nasceu,

sem arte, que você sabe

como ninguém para que serve,

ser arte, pra que a vida serviria?

Para mim, ele já nem precisaria dizer mais nada. Podia levantar e ir embora. Mas daí eu perderia ver alguém dizendo algumas das coisas que eu tenho repetido no último ano e meio. Por que este espanto com a tecnologia? A mídia e a tecnologia acompanham a arte desde o início dos tempos. Silvestrin (é engraçado para mim chamá-lo pelo sobrenome), segue explicando, dando exemplos de como a “tecnologia” influenciou a língua, os versos, a recepção, a produção. A palavra que ocupava o papel até pouco tempo atrás e que agora ganha movimento, foto, som. Vai dar certo? Vai ficar legal? Esta é a verdadeira (olha a palavra aí de novo) questão. Além do calor que fazia no circo, as palavras deste poeta-autor aquecem ainda mais o ambiente literário: “Não basta dizer que as pessoas têm que ler. É preciso discutir: ler o que?” Usa uma expressão que me faz voltar aos anos 80 quando nos reuníamos quase todos os dias: “Tem bananices? Claro! Há livros que é melhor o cara nem ler!” Interrompe o que estava falando para fechar um botão da camisa. Compulsão? Algo que nos mostra que o poeta afinal é um simples mortal (mas, pode acabar imortal)? Fala dos seus blogs. Sim, porque para alguém com tantas inquietações apenas um não basta. Também faz referência aos discursos apocalípticos. O papel vai acabar? Para mim se não acabar o papel higiênico já estou feliz!” Ah, Ricardo, sabia que um dia teu senso de humor transbordaria nos teus textos e nas tuas falas.

Comecei a ver Sergio Leo falar. Outro jornalista, atual escritor que ganhou o prêmio SESC de literatura. Não vi até o final. O calor, as idéias foram me deixando sem condições de receber mais informações. Talvez, Fiúza tenha razão ao dizer que se o leitor não abandonar a leitura até o final do parágrafo ele é um herói. Registro apenas uma fala de Leo que me chamou a atenção até eu sair: “Todo relato é uma interpretação. Às vezes, o repórter pensa que está fazendo jornalismo e está fazendo ficção”. Como jornalista já vi isso acontecer muitas vezes. Por falar nisso, o que faço aqui é um relato ou ficção? Confesso que estabelecer esta divisão não me interessa muito. Sim, tento ser fidedigna as palavras. Anoto o máximo que posso. Mas dou ênfase aquilo que me interessa. Recorto aquilo que não desejo. Enfatizo trechos com os quais concordo e vou recriando sob a minha ótica o painel de hoje à tarde da Jornada de Literatura. Por quê? Porque como todos os seres conectados do mundo de hoje sinto necessidade de compartilhar idéias e experiências.

Não fiquei para o show dos Poets. Não fiquei para a palestra às 20h de Marcelo Dantas. Mas deixei uma multidão lá para assisti-los. Troquei estas atividades pelo jantar em uma galeteria da cidade com os parentes que me hospedam neste momento. Gosto de ver minha mãe contando para eles as histórias da família e lá pelas tantas começar a botar água no vinho e pedir para que eu alcance os alfinetes , leia-se palitos.

Uma jornada noite a dentro

Há muitos anos tinha vontade de vir à Jornada de literatura de Passo Fundo. 13 para ser mais exata. Mas nunca me organizava para tal ou acontecia algo na época que me ocupava e acabei não vindo. Este ano, os organizadores anunciaram que trariam Pierre Lévy e como este autor faz parte do meu trabalho de mestrado parecia que estava aí o empurrãozinho que faltava. Fiz minha inscrição e a Jornada acabou sendo prorrogada. Lévy veio antes à cidade e fez uma palestra. Só fui saber depois. Mas como já tinha pago e o tema era Arte e tecnologia – novas interfaces pensei que poderia ser interessante de qualquer forma.

Hoje era o primeiro dia do evento. Assim, peguei um ônibus para quatro horas de viagem para ficar na casa de parentes. Minha mãe veio comigo, pois, são pessoas ligadas diretamente a ela. Uma tia avó minha morava aqui. Vim muitos anos quando era pequena. Algumas lembranças ainda são fortes na minha memória: o fato dela matar galinhas no pátio e preparar com um gosto que ainda esta na minha mente, o medo que senti quando, em uma época de páscoa, ouvi barulhos em uma casa estranha para mim e pensei que era o coelho, a massa de pastel que ela fazia, o som dos grilos no mato em frente e seu neto dizendo: - mas, será o pé do cabrito! Bem, o que quero dizer é que sempre foi divertido vir a esta cidade. Logo de cara, reconheço a estátua de Teixeirinha e vem na minha cabeça a letra da música: “sou gaúcho lá de Passo Fundo e trato todo mundo com o maior respeito”. Mais lembranças. Dos primeiros filmes que assisti na vida eram feitos por ele.

Chegada a hora do evento, depois de ter sido tão gentilmente recebida pelos parentes que foram nos buscar na rodoviária em um carro de luxo como eu nunca tinha visto igual, ganhei uma carona neste mesmo veículo até a Universidade. Comecei a procurar o local. O movimento já era grande. Veio, então, o primeiro impacto: a entrada no circo. Já tinha lido a respeito, visto fotos. Mas não podia imaginar. É uma estrutura linda e ao mesmo tempo de uma simplicidade maravilhosa. Arquibancadas e cadeiras de plástico que aos poucos vão sendo ocupadas por uma multidão (infelizmente, não sei calcular públicos). Ainda remexendo a memória, vejo Ricardo Silvestrin que foi alguém muito importante para mim quando eu tinha 18 a 20 anos. Com tanta gente já no circo e acabamos em filas próximas e ele na minha linha de visão. Sabia que ele estaria aqui, pois, li seu nome na programação, como autor, como debatedor, como integrante da banda Os Poets que fará uma apresentação. É, Ricardo... Sonhávamos com este reconhecimento, tu agora já o tens de sobra. Perguntei alguma coisa para a menina que estava na minha frente. Ela foi bastante gentil, me contou que já veio há várias edições e até já trabalhou na Jornada algumas vezes. Lá pelas tantas me disse: tu vais te emocionar com o que acontece aqui.

A coordenadora do evento Tânia Rösing fala que estamos em um templo de celebração, da vida, da solidariedade. Comenta que houve uma crise mundial que chegou ao Brasil. Falou das empresas escondendo seus lucros para não investir na cultura e depois ainda veio a gripe suína. Ou seja, tudo que tentou impedir ou prejudicar a realização da Jornada que antes tratava do binômio: educação e cultura, mas que, agora, estava sendo transformada em um trinômio: educação, cultura, tecnologia para integrar os neo-leitores. A coordenadora foi ácida na sua abertura, mas agradeceu aos amigos, sem os quais, segundo ela, nada disso teria sido realizado. Pediu também aplausos para os trabalhadores anônimos que construíram a tal estrutura da qual já falei. Interessante esta lembrança. Dá, para mim, o tom do encontro. Ela diz que quer fazer um registro: “não tivemos a Lei de Incentivo à cultura”. Por favor... Como pode? Para encerrar fala da letra da música tema desta edição com o estribilho: “cai na real, a nossa vida é virtual”, letra do homenageado deste ano Pedro Bandeira que só hoje fui saber que é ator, diretor e jornalista. Ou seja, muita coisa em comum comigo! Ok. Ele é autor, mas há quem diga que eu também ainda serei, então...

Logo depois vieram as verdadeiras palavras de abertura. Tânia Rösing diz: “respeitável público...o circo da cultura se abre e o espetáculo vai começar. É a hora do grupo Tholl. Sei que tem gente que acha que eles são uma cópia mal feita do Cirque Du Soleil. Discordo. Acho fascinante este trabalho do grupo, a origem humilde de vários integrantes e o colorido dos figurinos e toda aquela movimentação no palco, fora as habilidades circenses, é claro! Confesso que não gostei muito das músicas. Muito americanizadas para o meu gosto. E nestas horas surge aquela questão da necessidade de optar pelo “ao vivo” ou pela melhor visibilidade nos telões! Sim, as vigas do circo ficam cortando o palco. Nem todo mundo tem uma boa localização. Muitas entradas e saídas e aplausos um a um para todos os integrantes do grupo. Nesta hora já comecei a olhar o relógio para calcular que horas deveria terminar. Afinal, ainda não sabia como chegaria de volta “em casa” em uma cidade que não conheço.

Um coro aparece para cantar algumas músicas, enquanto eles organizam o palco. “Talvez, eu seja simplesmente um sapato velho, mas basta você me calçar e eu aqueço o frio dos teus pés”. Vamos cantar o hino entusiasticamente e com respeito, pedem os apresentadores. Ai,ai,ai, se precisa “orquestrar” a platéia é porque as coisas não andam lá muito bem, não é mesmo?

De repente, no palco 16 “autoridades” e TODAS irão falar. Meu Deus! Eram 21h45. Ao menos o limite para cada um era de dois minutos e eles quase obedeceram e, em sua maioria, falaram coisas interessantes. Mesmo assim, vou registrar algumas palavras do Ministro da Educação Fernando Haddad que falou pouco, mas, falou bem (além de ser bonito). Começou com uma piadinha, dizendo que Beto Albuquerque tinha muita influência na presença dele, pois havia dito que participaria de um número do Tholl. Mas logo partiu para as informações que os organizadores do evento deveriam estar querendo ouvir: “A Jornada precisa estar no calendário de eventos do orçamento do MEC.” Disse também que esta merece um apoio institucional perene independente de quem está nos cargos políticos. Logo depois da sua fala, os apresentadores disseram que o Ministro não ficaria para o evento, retornando para Brasília. A platéia disse: Ahhh....Lastimando a sua saída. A mesma platéia, aliás, que vaiou Mônica Leal quando disseram que ela representava a Governadora Ieda Crusius.

Ainda houve assinaturas, entrega de prêmios pelos concursos de contos, livros... A estas alturas eu já ansiava pela palestra de Win Veen, intitulada: Homo Zappiens. Mas antes preciso comentar a homenagem feita a dois escritores que não puderam estar presentes, pois foram vítimas de doenças que os levaram a morte. São eles Roberto Zanatta de 10 anos e Pedro Albuquerque de 20 anos. O primeiro escreveu três livros no seu último ano de vida e o segundo, filho de Beto Albuquerque, um livro de quase 500 páginas também no mesmo período. Tânia Roosing relembrou os dois emocionada e emocionando, chamando a família destes ao palco.

Ainda vou falar da palestra que me levou ao circo, mas finalizo esta primeira parte, dizendo que a menina que me disse que eu me emocionaria estava certa. Não só por causa destas homenagens, mas por constatar que eu estava presente em um evento daquele tamanho, seja pela quantidade de convidados, pelas estrutura ou pelo público, mas por ser um evento voltado para a cultura. Nunca tinha visto nada igual. Já participei de eventos maiores, mas voltados para os negócios, como a Expointer onde coordenei a central de imprensa ou outros organizados pela Procergs visando às empresas. Pensar que tudo aquilo era ligado à educação, a leitura, às pessoas acabou mexendo mesmo comigo. São nestas horas em que a gente não só imagina que as coisas possam ser diferentes, elas são. Não é à-toa que a platéia é tão afetiva com a coordenadora. Eu que mal a conheço senti orgulho de estar perto de alguém com esta garra.

Win Veen – uma espera que valeu a pena

Uma pena que as pessoas não tenham resistido a tantas atividades e o avançado da hora tenha feito o público diminuir consideravelmente. Não tenho dúvidas, porém, que quem ficou não se arrependeu. Ele veio da Holanda (o que mostra a força do evento). É coordenador da área de educação e tecnologia da Universidade de Tecnologia de Delf. Uma figura de fala tranqüila e entusiasmada e, apesar de um certo nervosismo da tradutora logo no início, estou certa de que disse coisas bem claras. Ou seja, falou de um assunto extremamente complexo com simplicidade. Algo que só os especialistas conseguem fazer. (Sempre digo que não sei inglês, mas, nestas horas vejo que consigo confrontar a fala estrangeira com a tradução).

Veen começou dizendo que, hoje, com apenas três anos as crianças já estão em contato com muita tecnologia. Aos oito, á tem celular e aos 11 já estão jogando Play Station 3. Afirmou que o que os diferencia das gerações anteriores é que são eles que têm o controle do fluxo de informações. Fez questão de dizer, várias vezes, que não estava falando do futuro, mas, do presente. Apresentou um vídeo em que uma família “convivia” com um bicho de estimação virtual. Falou que para os jovens de hoje, o contato com a tecnologia começa às 6h e termina a meia noite e que neste tempo existem apenas dois períodos em que eles não estão usando mídias. São aqueles em que eles estão na escola. Disse que estes nunca lêem os manuais dos jogos e programas. Colocam o CD e já saem mexendo direto. Quando eles não sabem continuam não recorrendo aos manuais. Pegam o celular e ligam para alguém que possa saber a resposta. “A geração atual está integrando os meios físicos e virtuais e não vêem diferença entre eles.” Para estes aprender é igual a brincar. Quanto as razões para este interesse todo pelas tecnologias, o palestrante destacou: você escolhe, você decide, você cria. Reafirmando que as pessoas da nova geração querem estar no controle. Mostrou avatares que são, praticamente, reais. Aliás, impactante a imagem real de uma moça comparada com a imagem virtual. Não há como distinguir uma da outra. Acho até que há de ter pessoas que pensem que a real é a virtual e vice-versa. Falou que utiliza estas tecnologias para realizar entrevistas com candidatos virtualmente, para fazer conferências. “A tecnologia está progredindo” e para mostrar como apresenta o que ele chamou de livro moderno. Um vídeo no qual um leitor abre o que se assemelha a páginas de um livro, mas, toca nas fotos para ampliá-las, clica em vídeos para obter mais informações e som, tudo em 3D, usando um óculos que, hoje, está custando 300 euros. Não é ficção. É um livro da universidade na Holanda. Veen explica que os leitores constroem conteúdos e tem acesso a uma realidade “aumentada”. “Nós usamos a internet para pesquisar, baixar textos e vídeos. Esta geração a usa para compartilhar conhecimento.” Saem de uma realidade representativa para uma realidade participatória. Explica que todo mundo está colocando algum conteúdo na internet e que com isso estamos construindo conhecimento. Lembrou que existem pessoas que temem tudo isso, dizendo que as pessoas aprendem superficialmente, ficam colando e copiando conteúdo, que falta disciplina e concentração e pergunta: “mas o que eles estão fazendo exatamente?” Para ele a resposta é: múltiplas tarefas nas quais são estimulados por ícones e não por textos, acessando uma informação descontinuada e afirma: “a web não é para ler, mas para agregar.” Diz ainda que o processo de aprendizagem não é linear. “Escolas são lineares, livros são lineares. Os livros terminam sempre do mesmo jeito. No jogo você está imerso.” Segundo ele, as crianças desenvolvem habilidades diferentes de antes quando apenas internalizavam conteúdos. Hoje, eles compartilham conhecimento. Aos 21 anos, diz ele, a pessoa já terá jogado vídeo-game por 20 mil horas, assistido a 80 mil horas de TV e a 5 mil horas de leitura no micro. Com tudo isso vão adquirindo habilidades diferentes das gerações anteriores. Aos 38 anos, segundo Veen, o indivíduo já terá passado por 15 empregos diferentes.

E escola? Hoje, diz Veen, ela reprova um aluno que tenha baixas notas em matemática ou inglês. “Isso provoca a destruição do capital intelectual”. As escolas precisam se adaptar ao aprendizado individual. Ninguém aprende do mesmo jeito. Não há uma mesma medida para todos. Aprender de forma digital é diferente. Para ele, os professores precisam se prepara para estes novos papéis, serem inspiradores, motivadores, transformadores da teoria na prática e, principalmente: observadores de talentos. Ele observa que na maioria das escolas os professores enfatizam o que os alunos não sabem, o que erraram, nunca o que é certo, nunca destacando as competências. “Na Holanda este processo já começou. Estamos nos defazendo dos livros didáticos. Tudo isso não é sobre conteúdo. É sobre comunicação. Os professores têm o poder de adotar a tecnologia e criar uma nova escola.”

Pena que já fosse tão tarde e não tenha havido debate. Até porque estavam no palco para isso Alcione Araújo, Ignácio de Loyola Brandão e Júlio Diniz que mesmo que não fossem discordar do palestrante acredito que trariam contribuições importantes.

Na saída, enquanto penso como voltar para a casa dos meus parentes, a menina do início vem falar comigo e me oferece uma carona. Pede desculpas, dizendo que o seu carro é simples. Entro em um fusquinha e volto para casa feliz com este primeiro dia e noite de Jornada.