Thursday, May 23, 2013

Aznavour traz à França para Porto Alegre e meus amigos a minha memória


Convites comprados há muito tempo, lá me fui encontrar minha irmã Vera Mello e minha cunhada Vera Beatriz Brasil Mello para ver Charles Aznavour.  De cara, chamou à atenção a quantidade de gente muito mais moça, inclusive, do que os que estavam na plateia do Ney Matogrosso.  Quando esse cantor francês, que faz parte da minha vida desde que me conheço por gente, chega ao palco, não tem como não sentir uma emoção e, enquanto ele canta uma música que fala de Paris no mês de agosto, eu fico pensando que adoro viajar, mas estou pronta para sair agora, já, para poucos lugares, sendo que a capital francesa é o principal deles. E essa noite trouxe a França para Porto Alegre, mais precisamente para o Araújo Viana onde, como fez Bebel Crosseti, é possível brindar o aniversário do cantor.
Claro que queríamos que ele cantasse as músicas que ouvimos sempre, mas ele começa por outras que não reconhecemos. No entanto, não tem como não achar a voz dele linda e ele performático no palco. Seus gestos, seus deslocamentos, sua postura, demonstram um domínio que atrai. Mas, enquanto ele canta, eu me pergunto que “gaiola” é aquela onde está o baterista e logo penso que o Arthur de Faria deveria saber. E, quando Aznavour começa a cantar Que c’est triste Venise vejo que é em italiano e, no mesmo instante, lembro da Paola Morais. Primeiro, brinco com a minha irmã que ele não queria que eu cantasse junto. Depois, me digo que foi para não me fazer chorar pois aquela história de que a cidade é triste quando nossos amores são mortos antes mesmo de existir e que nossos amigos partiram acaba comigo. E a iluminação farta, várias cores fortes usadas no palco, contrastando com o figurino negro do cantor, me fazem pensar no Fernando Uchoa. E a moça que correu feliz ao pegar o lenço usado pelo Aznavour depois que ele cantou La Bohème me traz à cabeça a Fernanda Petit. E enquanto me impressiono com a competência vocal desse homem de 89 anos (completados exatamente nesse dia) recordo das aulas da Gisela Haybeche. Daí, emendo no Rodrigo Scolari que está na cidade luz. Já as músicas que falam da passagem do tempo, da valorização do aqui e agora reverberam com os textos de Clara Corleone e L’amour c´est comme un jour ça s’en va (o amor é como um dia, ele passa) me traz a mente Janaina Kraemer e, depois do arrepio que sinto com Hier Encore, só She, a música escolhida pelo Zé Adão para a minha entrada  na última vez em que pisei em um palco, mexe mais comigo. E junto a todos esses estão também minha mãe, meu irmão que já se foi e meus amigos franceses. Porque a música faz isso com a gente. Mexe profundamente com a memória. E todas essas lembranças só são interrompidas pela maneira interessante que Aznavour conversa com o público, explicando que não sabe falar português, mas que dirá em francês e alguém do lado poderá traduzir, pressupondo que a plateia está cheia de francófonos. E o que ele diz? Que já se perguntou muitas vezes o que é uma canção. Nessa hora, não tenho dúvida de que é por isso que ele domina o que faz. Além de mostrar simplicidade e interesse, ele é capaz de ficar por tanto tempo em pé. Eu mesmo sentada já sinto cansaço por estar na multidão. Porque um show não é uma gravação, não é um vídeo. É energia que vem, mas que também vai. E esse entusiasmo pela vida me faz pensar em alguém especial para mim que preciso tirar para dançar. E mergulhada nesse momento mágico que anuncia que o show está no fim, aproveito para chegar bem pertinho do palco e observar o quanto Aznavour parece frágil há poucos metros, mas que ainda carrega esse negócio que faz parte de todo artista e que surge de um jeito inexplicável diante da plateia que o aplaude com entusiasmo a cada música e é por essas e por outras que a cada uma delas ele impressiona mais e, todo o tempo, eu me pergunto se para os franceses estas palavras, essa poesia que ele declamou sobre a passagem do tempo, a perda da juventude, os amores perdidos causam o mesmo impacto que eu sinto nos meus ouvidos quando ele diz: “Il faut savoir qu’on ne sait pas”, o que eu traduziria por: “é preciso saber que não sabemos”, mas que dito assim parece tão menos intenso do que em francês, essa língua que me transportou para o outro lado do oceano e me trouxe aquela sensação de beleza e de aconchego que, fora da arte,  só um bom vinho pode trazer ou essa sensação de que somos todos aqueles que passam pelo nosso caminho real ou até mesmo virtual como alguns dos que estiveram comigo essa noite no show, ainda que em pensamento.

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