Muita gente defende que quem quer
criticar um espetáculo não pode usar adjetivos e deve, é claro, evitar os
clichês. Nessas horas, fico feliz de não ser paga por nenhum veículo de
comunicação e ser, antes de tudo, uma jornalista que gosta de comentar o que
viu. Quando fui cumprimentar o Rodrigo Fiatt ao assistir o Sobrado novamente,
falei que iria ver Incidente em Antares pela primeira vez. Ele me disse: “Ah,
mas é um trabalho bem diferente”. Fiquei com a impressão de que ele estava
querendo me preparar, que achava que eu poderia não gostar. Eu duvidei. Afinal,
creio que uma das coisas mais importantes para fazer um bom espetáculo são bons
atores e o Grupo Cerco já provou que é composto deles. Outro elemento é uma boa
história e partindo da obra de Erico Veríssimo e dirigido por Inês Marocco seria
difícil ficar ruim. Não me enganei. Muito pelo contrário. Eles já vêm
imprimindo características próprias aos seus espetáculos como a precisão cênica,
quase partiturada, aliada, vejam só, à irreverência e as soluções cênicas
extremamente criativas e estéticas. Creio, porém, que o meu maior prazer foi vê-los fazendo
diversos papéis e me dificultando o reconhecimento como aconteceu com Patrick
Peres. Fui até, praticamente, metade do espetáculo sem me dar conta de que era
ele. O figurino de Rô Cortinhas, certamente, contribui muito para isso. Rodrigo
Fiatt também abandonara a figura imponente de Licurgo, aparentemente segura de
si, para fazer, entre outros, o prefeito da cidade, um vacilante e
inescrupuloso político. Rita Maurício deixando a gente tonta na tentativa de
acompanhar a sua metamorfose de padre para prostituta, coro da cidade, etc.
Mas, não surpresa porque, desde que a conheço, ela é assim ávida por
participar, totalmente disponível quando o assunto é atuar. Carina Dias e
Kayane Rodrigues também me chamaram a atenção e conduziram a plateia várias
vezes ao riso. Isandria Fermiano tem me perturbado com sua intensidade e seu
tom de voz peculiar, transformando cada aparição sua em um momento intenso e
memorável. Martina Frölich vem me arrebatando desde O Sobrado, ora com a força
ora com a sensibilidade dos seus personagens. E os que não destaquei não é porque
não mereçam mas, simplesmente porque cito os que mais conheço mais pessoalmente
(aliás, senti falta de Luís Franke), mas, todos eles não deixam dúvida de que
são um grupo que divide o talento em um mesmo palco com generosidade entre si e
que são capazes, inclusive, de fazer uma incrível trilha sonora ao vivo para esse
espetáculo que conta a história de mortos não sepultos que reivindicam, em
praça pública, o direito de serem enterrados. Denunciando a corrupção da cidade de Antares é
recheado de críticas políticas e sociais e, por isso mesmo, tão atual que não exagera
a divulgação ao dizer que seria proibido se estivéssemos em uma ditadura.
Em Incidente em Antares, sem
fazer nenhuma força para evitar os clichês, vejo antigos alunos do Departamento
de Artes cênicas da UFRGS agora dando aulas de como fazer um teatro que possui
todos os elementos das tantas grandes obras que estudamos e o que é melhor
tratando de assuntos que partem de temas tão nossos e tão universais ao mesmo
tempo, criando aquele teatro que diverte e faz pensar, que é teatro de
costumes, comédia, farsa, absurdo, tudo ao mesmo tempo e que, diferente da
Operação Borracha sugerida pelo prefeito de Antares, vai ficar na memória de
quem viu e jamais será levado pelo vento.