Nos tempos de hoje, não deixa de
ser estranho que uma pessoa jovem escolha o canto erudito. Sei de gente que
pode achar chato. Para mim, ouvir uma voz de soprano me remete a um tempo
passado, quem sabe a uma outra vida já que se tratava de músicas francesas?
Fato é que as pinturas da sala, o espelho, o piano e o próprio figurino negro
de Fernanda D’Almeida na Casa da Música também colaboravam para essa impressão. Não é a primeira vez que a vejo, nem que
escrevo sobre isso, mas dessa vez o repertório do recital chamado Melodies parecia
escolhido para me agradar. Como se o simples fato daquela voz límpida,
angelical já não o fizesse. É preciso também destacar o fato de que ela não se
limita a emitir aqueles sons impecáveis, ela interpreta cada palavra e me
humilha com a sua memória prodigiosa declamando antes cada letra em português. Foram
dez músicas, todas decoradas nas duas línguas, acompanhadas ao piano por Arthur
Wilkens, indo dez de uma canção sobre patinhos à Debussy.
Como se já não bastasse a figura
de cabelos negros, a boca carnuda e seus olhos brilhantes, Fernanda tem
presença cênica. É expressiva. Cresce quando está no palco, mesmo que seja um
pequeno espaço lotado. Quem a conhece mais de perto comenta que ela fica bem
diferente do dia-a-dia, mas, não é assim com todo artista? Para encerrar, ela escolhe
a música “J’ai deux amants” (Eu tenho dois amantes) e enquanto canta gesticula,
sorri, faz um olhar provocador e sensual e brinca com a plateia sobre o
conteúdo da canção que chama os homens de bobos.
Minha prima, Doralice Alves, anda
pela Europa e não pode assistir a filha. Mas, espero que o talento do seu outro
filho, Marcelo Alves, no trato das imagens, assim como a filmagem da sua irmã
Claudia D’Almeida possam dar uma ideia do que foi essa noite chuvosa em Porto
Alegre, onde me senti um pouco em Paris. Será assim também no dia 25 de
setembro no Festival da Canção Francesa quando voltarei a ouvi-la. Fernanda D’Almeida foi uma das 10
selecionadas para esse evento que acompanho há anos e que vem reunindo grandes
talentos que fazem essa ponte que existe para mim desde criança: Paris-Porto
Alegre.