Thursday, July 17, 2014

Cadeira vazia? Só se for a música.

Escrevo mais por vício, pois quando um espetáculo consegue lotar um lugar como a Reitoria (depois de já ter lotado o Teatro São Pedro) com um público entusiasmado, talvez, não haja muito mais a dizer. Mas, me atrai essa proposta de montar musicais que anda por aqui. E Lupicínio, em particular, me interessa. Eu conheci suas músicas mais na voz de Maria Bethânia e fiquei impressionada com a força das letras, com aquele sentimento todo. Mesmo assim, foi com surpresa que percebi que ainda há muitas letras desse incrível poeta.
Sou leiga no assunto, mas, neste espetáculo, todos parecem ter competência para cantar. Tirando alguns poucos momentos, em que alguns atores recebem suporte dos demais, em geral, as vozes enchem o espaço com força e delicadeza. Cintia Ferrer traz para a cena o seu carisma, o seu preparo corporal e a sua capacidade de fazer mais de um personagem, ou seja, sua presença cênica. Raul Voges, que eu conheci dançando lindamente com minha prima Angela Spiazzi em outro espetáculo, mostra que é capaz de cantar muito bem. Assim como Lucas Krug que imprime em sua voz e ao seu corpo uma expressividade trazida das experiências cênicas e um timbre que o permite não apenas cantar, mas interpretar as músicas. E se cito particularmente estes é porque os conheço pessoalmente ou de outros trabalhos, mas, não há dúvidas de que todos os demais formam um grupo competente musicalmente em cena.
Os painéis transformados em cenário são representativos da obra e da presença de Lupicínio em Porto Alegre. O figurino de Fabrizio Rodrigues parece adequado a cada integrante, trazendo, em alguns momentos, beleza à cena, como acontece no número de “Elis”. Aliás, a aparição de alguns outros artistas que fizeram parte da vida de Lupi, assim como alguns números femininos, sem dúvida, enriquecem a história a ser contada e o jogo com a linha do tempo mostrando Lupicínio menino, moço ou mais velho traz uma bela dinâmica.  Por escolhas como essas, nada vai diminuir o mérito desta produção gaúcha que obtém aplausos da plateia em cena aberta, que mostra a força e o potencial deste gênero no teatro. Porém, é justamente aqui que encontro uma certa fragilidade. Afinal, a música de Lupi é dramática. Cada palavra permite a visualização de uma cena. E, no entanto, isso não aparece. Sem querer, minha irmã destaca o único item que eu já pensava comentar quando diz: o prefeito Fortunatti estava no “show”.  E é isso que me faz buscar a definição de musical para saber se esta impressão que ficou para mim faz sentido.
É inegável que Artur José Pinto criou um roteiro que possui comentários inteligentes e frases engraçadas que ilustram a vida do boêmio. Mas, não chega a ser biográfico, não alinhava as histórias da vida do seu “protagonista”. Duas coisas evidenciam essa falta de teatralidade a qual me refiro: os “atores” cantarem, quase sempre, virados para o público e a visibilidade dos músicos. Não há como “entrar na história” se vejo mexerem nos instrumentos. Tanto é que um deles até canta uma das músicas. O que me fez ficar procurando quem estava cantando.  E como, a princípio, o que se chama de musical é um gênero onde a narrativa é apoiada em um conjunto de músicas coreografadas, a meu ver, o que acontece em Lupi é o contrário. São músicas, intercaladas por alguma narrativa ou simplesmente por uma espécie de “pano de fundo” com ações do elenco.
Não acho que para quem estava no teatro hoje à noite isso faça alguma diferença. Tanto é que o simples hino do Grêmio provoca fortes reações do público. Tanto a favor quanto contra. Creio que a maioria esperava ouvir boa música e nisso não foram decepcionados. Foi uma excelente escolha terminar o espetáculo levando o público a cantar “Se acaso você chegasse”.  Entretanto, se levar a risca o título “uma vida em estado de paixão”, devo dizer que vi mais eficiência do que emoção, mas que ainda assim sai do teatro com um sentimento muito favorável em relação ao que estamos conseguindo produzir por aqui. E não tenho a menor dúvida de que este é um dos gêneros teatrais mais difíceis de ser montado e que exige muito mais do que lindas vozes.