Escrevo mais por
vício, pois quando um espetáculo consegue lotar um lugar como a Reitoria (depois
de já ter lotado o Teatro São Pedro) com um público entusiasmado, talvez, não
haja muito mais a dizer. Mas, me atrai essa proposta de montar musicais que
anda por aqui. E Lupicínio, em particular, me interessa. Eu conheci suas músicas
mais na voz de Maria Bethânia e fiquei impressionada com a força das letras,
com aquele sentimento todo. Mesmo assim, foi com surpresa que percebi que ainda
há muitas letras desse incrível poeta.
Sou leiga no
assunto, mas, neste espetáculo, todos parecem ter competência para cantar. Tirando
alguns poucos momentos, em que alguns atores recebem suporte dos demais, em
geral, as vozes enchem o espaço com força e delicadeza. Cintia Ferrer traz para
a cena o seu carisma, o seu preparo corporal e a sua capacidade de fazer mais
de um personagem, ou seja, sua presença cênica. Raul Voges, que eu conheci
dançando lindamente com minha prima Angela Spiazzi em outro espetáculo, mostra que
é capaz de cantar muito bem. Assim como Lucas Krug que imprime em sua voz e ao
seu corpo uma expressividade trazida das experiências cênicas e um timbre que o
permite não apenas cantar, mas interpretar as músicas. E se cito
particularmente estes é porque os conheço pessoalmente ou de outros trabalhos,
mas, não há dúvidas de que todos os demais formam um grupo competente musicalmente
em cena.
Os painéis
transformados em cenário são representativos da obra e da presença de Lupicínio
em Porto Alegre. O figurino de Fabrizio Rodrigues parece adequado a cada
integrante, trazendo, em alguns momentos, beleza à cena, como acontece no
número de “Elis”. Aliás, a aparição de alguns outros artistas que fizeram parte
da vida de Lupi, assim como alguns números femininos, sem dúvida, enriquecem a
história a ser contada e o jogo com a linha do tempo mostrando Lupicínio
menino, moço ou mais velho traz uma bela dinâmica. Por escolhas como essas, nada vai diminuir o
mérito desta produção gaúcha que obtém aplausos da plateia em cena aberta, que
mostra a força e o potencial deste gênero no teatro. Porém, é justamente aqui
que encontro uma certa fragilidade. Afinal, a música de Lupi é dramática. Cada
palavra permite a visualização de uma cena. E, no entanto, isso não aparece.
Sem querer, minha irmã destaca o único item que eu já pensava comentar quando
diz: o prefeito Fortunatti estava no “show”.
E é isso que me faz buscar a definição de musical para saber se esta
impressão que ficou para mim faz sentido.
É inegável que
Artur José Pinto criou um roteiro que possui comentários inteligentes e frases
engraçadas que ilustram a vida do boêmio. Mas, não chega a ser biográfico, não
alinhava as histórias da vida do seu “protagonista”. Duas coisas evidenciam
essa falta de teatralidade a qual me refiro: os “atores” cantarem, quase
sempre, virados para o público e a visibilidade dos músicos. Não há como “entrar
na história” se vejo mexerem nos instrumentos. Tanto é que um deles até canta
uma das músicas. O que me fez ficar procurando quem estava cantando. E como, a princípio, o que se chama
de musical é um gênero onde a narrativa é
apoiada em um conjunto de músicas coreografadas, a meu ver, o que
acontece em Lupi é o contrário. São músicas, intercaladas por alguma narrativa
ou simplesmente por uma espécie de “pano de fundo” com ações do elenco.
Não acho que para quem estava no teatro hoje à noite isso
faça alguma diferença. Tanto é que o simples hino do Grêmio provoca fortes
reações do público. Tanto a favor quanto contra. Creio que a maioria esperava
ouvir boa música e nisso não foram decepcionados. Foi uma excelente escolha
terminar o espetáculo levando o público a cantar “Se acaso você chegasse”. Entretanto, se levar a risca o título “uma
vida em estado de paixão”, devo dizer que vi mais eficiência do que emoção, mas
que ainda assim sai do teatro com um sentimento muito favorável em relação ao
que estamos conseguindo produzir por aqui. E não tenho a menor dúvida de que
este é um dos gêneros teatrais mais difíceis de ser montado e que exige muito
mais do que lindas vozes.