Sunday, April 02, 2017

E a velhice serve prá que?

Quando eu digo que os bichos ensinam a gente...Resolvi fazer um novo post para falar de velhice. Afinal, comentei sobre minha cadela e foram todos muito solidários. Mas, uma vez, tive uma das raras conversas com meu pai (a gente não dizia duas palavras sem brigar) e ele se ressentia dos males que a idade havia trazido e eu falei que se morrêssemos em plena juventude seria bem mais complicado (isso aconteceu ao meu irmão, depois, com 49 anos). Pois, com a idade, vamos sentindo dores e vamos tendo restrições. Não fazemos mais o que fazíamos. Porém, acho sábia essa etapa. Chega um momento, em que começamos a nos despedir. E não digo isso com tristeza. É preciso aceitação das etapas da vida. Ninguém (pelo menos entre as pessoas que eu conheço) quer ficar eternamente numa cama de hospital, cheia de tubos, sem poder fazer nada. Então, com a passagem do tempo, vêm as limitações e as dores. E a gente vai se dando conta de que já viveu um tanto. E vai refletindo sobre isso. E vai se dando conta de que sentir dor todos os dias não é vida para ninguém. Não poder fazer as coisas que ama, muito menos. E vai pensando no que já fez, nos amores que conquistou, nos amigos que estão por perto. Dá mais valor para os momentos de alegria, para as palavras ditas, para o afeto que dá e recebe, para aquilo que dá prazer. E já não tem mais tanto medo de que isso tudo acabe. Embora, eu não acredite em um fim, não posso ignorar que existe uma ruptura entre o que sou, a vida que eu levo e o que virá depois. Mas, também, tenho consciência de que não fomos feitos para viver esta vida de agora, eternamente, e que isso não deveria nos aterrorizar, nem nos fazer sofrer. Existe uma sabedoria (não sei se divina) em ir nos preparando para o momento de aceitar essa passagem chamada morte. A dor física, às vezes, é uma das etapas que, no meu caso, espero que seja como foi para o meu pai que, com muitas complicações de saúde, três pontes de safena, um câncer, me disse um dia que não sentia dores. E, numa manhã, em que deveríamos ir para Santo Antônio da Patrulha fazer um evento com o material que ele criou, os Jogos Boole, acabou não viajando no mundo real, mas fazendo a sua partida e me deixando na memória a nossa conversa sobre porque a gente envelhece, afinal.

Sunday, April 17, 2016

A linguagem universal das mães

Queria ver Língua Mãe Mameloschn desde a estreia em junho do ano passado, curiosa com o trabalho dos atores que conheço. Mas, não havia conseguido. Hoje, vencendo o calor e o cansaço e, durante um momento tão significante para o Brasil, lá estava eu e minha irmã, Vera Mello.
Porém, depois de assistir, percebo que não somos só nós que vamos aos espetáculos, mas estes também vêm até nós. Afinal, justamente esta semana, o assunto com a minha própria mãe foi a superproteção e o fato de que mesmo, apesar dos meus 53 anos, ela segue me dizendo o que fazer. E, provavelmente, os terapeutas possam explicar por que o que provoca a nossa ira na vida real, faz com que a gente se divirta tanto na ficção e não deve ser à-toa que a peça começa justamente falando destes estudiosos da mente humana.
Lingua Mãe Mameloschn, dirigido por Mirah Laline, não é uma comédia. Longe disso. Entretanto, como não rir ao ver ali personagens que nos são tão familiares? A vó, a mãe e a filha em seus diálogos quase ininterruptos em um misto de impaciência, rebeldia, mágoa, afeto.
Imediatamente, relaciono a cena com uma história contada pela minha prima, ainda ontem, sobre a partida da sua filha exatamente para a Alemanha (onde o espetáculo foi apresentado recentemente). Com uma boa dose de teatralidade, ela me dizia que aflita com a partida da filha, a agente de viagens sugeriu que ela acompanhasse o voo da filha em um site, o que ela começou a fazer de forma um tanto obsessiva. Até o momento em que ela colocou o número do voo e leu: voo não encontrado. Pronto. Imediatamente, começou a pensar que a aeronave havia caído. E em um diálogo consigo mesma disse: “não...se tivesse acontecido isso teriam me ligado. Mas, será que ela deu o meu número? Talvez, eles tenham sido obrigados a retornar e por isso não aparece” A partir daí, já não conseguiu dormir. Foi tomar um chá, mas sempre com o notebook para averiguar se a informação se modificava. Nada. Nisso, chega o outro filho e pergunta porque ela está acordada àquela hora e ela se põe a chorar loucamente recontando a história. O filho tenta acalmá-la e pede o número do voo. Ela vai buscar o papel onde anotou ainda chorando. Ele verifica e lá está: avião sobrevoando o oceano. Ela havia pesquisado invertendo os números do voo.
E é por essas e por outras que logo quero saber quem é Marianna Salzmann, pois, em tempo de vazamento de informações e escutas, a impressão que fico ao sair do teatro, é que ela está investigando a minha família. Surpresa: a dramaturga nasceu na Rússia e mudou-se para a Alemanha quando criança. Isso só confirma aquela máxima: mãe só muda de endereço.
Importante ressaltar que a peça não trata “apenas” das relações familiares, mas discute as questões de nacionalidade, religião, política, hábitos e cultura. Não de forma doutrinária ou acadêmica, mas entre os diálogos travados pelas atrizes Ida Celina Weber Silveira, Mirna Spritzer e Valquíria Cardoso. Aliás, a grande força do espetáculo está no texto e fazia muito tempo que não via no palco atrizes tão capazes de expressar, principalmente através das palavras, os sentimentos de seus personagens. Dicção, entonação, pausas, ritmo. Tudo aquilo que é preciso para que os espectadores se deliciem na plateia. Aliás, quem é essa atriz que assume o papel da filha com todas as suas nuances? Quem sabe a Ida, que conheci fazendo justamente o papel de minha mãe no filme Quase um tango de Sergio Silva, possa nos apresentar? E baseada no que já assisti dessa atriz gaúcha tão especial, considero que sua atuação mereça destaque. Não poucas vezes me peguei tentando ver por trás daquela senhora idosa, com um caminhar, gestos e um tom de voz tão peculiar, a minha amiga e, devo admitir, não foi fácil.
Bem, e embora o Lipsen Lipsen tenha feito um vídeo comentando que havia ido a Alemanha somente para tocar pequenos trechos, a música executada ao vivo terá sempre um impacto favorável nas cenas e não por acaso é ele que assina a trilha original. E, eu diria que sua presença entre cadeiras, um sofá e outros elementos desse cenário minimalista, mas funcional de Rodrigo Shalako, com certeza, valia a passagem. E, assim espero que muito mais gente ainda possa assistir a Língua Mãe Mameloshn, principalmente as mães que pensam que seus filhos “estão à mercê das drogas, do terrorismo ou do olho do furacão”, ou simplesmente possam decidir não voltar. Não é, prima?

Friday, January 08, 2016

A arte nunca nos deixará nus


Dizem os pesquisadores e críticos que um espetáculo de teatro não acaba quando termina. A frase pode parecer um pouco estranha, mas, quase todos nós já passamos pela experiência de ver uma peça e depois ir para um bar bater papo e discutir o que foi visto. Poucas coisas são tão divertidas e interessantes. Tem gente que concorda. Tem gente que discorda. Tem gente que nem viu o que a gente viu. Tem gente que vê coisas que a gente nem sabia que estavam lá. Mas, se tem uma coisa que compreendi desde que comecei a estudar teatro, é que a gente aprende muito com tudo isso. Então, o convite do Plínio Mósca para irmos à casa dele depois do espetáculo Um conto para um rei tonto, em cartaz na Casa de Cultura Mário Quintana, do diretor Igor Ramos, além de ser uma enorme gentileza, era imperdível. A sua casa já vale a visita. Digna de um diretor que fez parte dos seus estudos na França, cheia de elementos cênicos de várias outras partes do Brasil, além de uma coleção de galinhas e outra de xícaras. E foi nesse ambiente que começamos a falar sobre a sobrevivência no teatro e fora dele. Afinal, subir no palco paga as contas? Confesso que entre os meus amigos não sei de ninguém. Todos fazem alguma outra atividade. E por que esse foi o primeiro assunto? Porque no grupo que se apresentou hoje está Josué Fraga, de 16 anos, que, apesar do nítido talento, está prestes a se afastar da cena por pelo menos um ano para fazer um curso pré-vestibular, cujo objetivo não é ingressar na faculdade de Artes cênicas porque a família teme pelo seu futuro financeiro. O que me restou foi dar alguns palpites e acreditar que, mesmo que ele precise tomar uma certa distância, o teatro estará sempre no seu caminho. Caso contrário, como não se abalar com essa ruptura de um ator capaz de dominar seu personagem de bobo da corte, fazendo jus ao seu chapéu de cinco pontas e guizos? Esse personagem com papel fundamental nessa história recontada pelo Grupo Experimental de teatro que traz também no elenco Larissa Vaz, Mariana Fagundes. Um texto já tão conhecido, mas exposto de forma intrigante em que um rei escuta a história do outro rei vaidoso que acaba desfilando nu. Essa fábula que eu já ouvi tantas e tantas vezes, mas nunca nessa versão e muito menos nessa marcação cênica tão clara e definida em que os atores seguem no palco mesmo quando não fazem parte da cena. Desse figurino cheio de cores e brilhos que são uma das provas do cuidado que o diretor tem com todos os seus trabalhos. E como é bom poder ver tomar forma aquela fantasia do nosso imaginário na figura da ama feita pela Juliana Johann. E, cuidado, não simpatize com a costureira inescrupulosa que finge costurar o tecido invisível no ar com a eficiência dos melhores costureiros parisienses, papel da Renata Severo. Dá para sentir que é um trabalho conjunto, resultado de um processo de trabalho que vai buscando encontrar um único rumo para pessoas diferentes, com características distintas. E, mesmo depois de ouvir todos os ajustes que o nosso anfitrião e a mestre em letras e dramaturga premiada, Natasha Centenaro, sugeriram ao diretor do espetáculo que ouvia atentamente, em relação ao ritmo da peça, ao figurino, à luz e algumas características dos personagens e falas (com os quais concordo com quase todos) o que fica na minha memória é um mergulho nesse universo das artes, no prazer de compartilhar sentimentos e ideias e a visão de uma bandeja cheia de brigadeiros. Sim, porque, não só a arte, mas os amigos artistas também nos alimentam.

Thursday, October 22, 2015

Planeta (sem) água

Andava prometendo ir aos shows do Dudu Sperb há algum tempo. Sempre acontecia alguma coisa. Hoje, estava decidida. Tanto que caiu a maior chuva bem na hora de sair e eu fiz de conta que nada havia acontecido e lá nos fomos, eu e minha irmã Ana Maria Mello. Pouca gente na plateia, o que era de se esperar. Mas, sempre penso como o ego dos artistas precisa ser forte para não se deixar afetar. Têm os ensaios, a preparação toda e, na hora, podem aparecer...dois. Felizmente, tinha mais e foram chegando outros. Ao olhar o repertório, não identifico várias músicas, mas, basta ele começar a cantar para eu reconhecer quase todas. E logo me dou conta porque estou ali. Porque vale o esforço. Dudu canta de um jeito especial. Tem um timbre muito interessante e o carisma e uma gentileza com a plateia... Mas, vou confessar: no início, eu estava implicando com os defeitos da parede do Solar dos câmara, que bem lembra um salão parisiense, e com a cor da camisa dele. Queria algo mais vibrante que combinasse com o seu charme. Mas, na terceira música, já estou totalmente seduzida e não dando a mínima importância a nada disso.
Nesse show, que comemora os 12 anos de parceria com Toneco Costa, tem músicas do Chico, do Caetano e outras tantas cantadas pela Elis. Ou seja, tem que ser realmente bom para cantar canções de gente tão incrível e assim mesmo impressionar. Mas, Dudu Sperb faz parte desses cantores que interpreta. De olhos fechados, ele demonstra no rosto que sente cada palavra. Cheguei a pensar se ele ensaia diante do espelho. Provavelmente não. E mesmo que o fizesse, ele canta muito de olhos fechados. Coisa que, aliás, deu muita vontade de fazer, ao escutá-lo. Sua voz relaxa, afaga. E, de vez em quando leva a mente para longe. Eu pensei na minha amiga Andrea Bettina Enrich Bittencourt enquanto ele cantava: “eu faço samba até tarde e tenho muito sono de amanhã”. E também em outro amigo do Uruguai, o Gustavo González Zeblis por causa das músicas cantadas em espanhol como “Esta tarde vi llover” que eu não conhecia e me emocionou. Ah, essa língua tem algo de especial... Depois canta Cuesta Abajo, que eu ouvia muito, cantada pelo Caetano. Aliás, descobri que a Elis tinha algo em comum comigo: era totalmente fã do cantor baiano. E já comentei por aqui que fiquei muito impressionada quando soube que um dos autores de Moda de Sangue, tão lindamente interpreta pela Elis, é um gaúcho, o Jerônimo Jardim. Já quase no final, Dudu canta “Todo o sentimento” que fala no tempo da delicadeza. Queria tanto que esse chegasse logo... E para encerrar, Dudu Sperb interpreta nada mais, nada menos que Roberto Carlos e canta As curvas da estrada de Santos e só posso concordar com ele que disse que a música é outro planeta. Tanto é que, ao sair na rua, me dou conta de que havia esquecido completamente do tempo tenebroso lá fora. O que mais uma vez prova a capacidade da música de nos aquecer por dentro e nos transportar para outro lugar. No tempo que levou 16 canções, eu estive em um local em que não chovia, isso já seria o suficiente para me fazer sair de casa, mas, foi mais e a Maria Elisa Wilkens Rodrigues Rodrigues que estava lá também pode confirmar.
PS: O vídeo não é do show, mas a camisa é a mesma. :) 
https://youtu.be/GnUw_FZC4rY

Wednesday, September 09, 2015

O vazio político em cena


Primeiro pensei nos equívocos que poderia cometer ao escrever sobre um texto que tão pouco conheço.  Uma das obras de Shakespeare, meu autor preferido, que ainda não li. Mas, afinal, o teatro exige conhecimentos prévios ou a pessoa que vai assistir deve compreender o que acontece em cena mesmo que seja a sua primeira vez na plateia? Enquanto me questiono sobre isso, resolvi comentar sobre o espetáculo que assisti ontem. Não há dúvida de que os atores Caco Ciocler e Carmo Dalla Vecchia são capazes de bem interpretar o texto dando vida, inclusive  a mais personagens.  Entretanto, apesar da competência do elenco enxuto, estranho a proposta cênica do diretor Roberto Alvim para Ceasar. Minimalista, eu diria. Quase nada de cenário. Um figurino austero, todo negro. Há poucos dias, eu comentava sobre as radionovelas. Essa peça me trouxe novamente à lembrança. Ficaria extasiada se apenas ouvisse o espetáculo.  Ao ver, porém, os poucos gestos dos atores não me tocam. Os deslocamentos são contidos, partituras. A fala dos atores é cheia de nuances. Mas, assim como murmurar por muito tempo ou gritar por vários momentos torna exaustivo para quem assiste, oscilar entre esses dois, também pode causar um desconforto que não me parece proposital.
Há um jogo de luz e sombra interessante. Coloca ou retira os atores da cena.  Sublinha, ofusca ou suaviza. Mas daquela limpeza toda de elementos, de repente, uma vela parece ser um dos poucos itens a trazer algo que elimine a ausência de tudo. Mas, também me dá a impressão que destoa de todo o resto. Assim, como o acender dos charutos.  
É bom um teatro que dê tanto valor ao texto. Ainda mais de um autor que parece ser tão preciso em cada palavra, porém, essa escolha de deslocamentos ríspidos não me conquistou. Essa limpeza de movimentos tão radical deixou, a meu ver, o texto frio, mesmo que fale de conspirações e assassinatos. A música é o elemento mais teatral do espetáculo.  A trilha sonora de Vladimir Safatle executada ao vivo no piano é um personagem. Ela dá dramaticidade, suspense, suaviza e quase agride, provocando diversos momentos de tensão. Quem diria que o simples fechar de um piano repetidamente pareceria quase um tambor? Em determinados momentos, chega a roubar a cena, eu diria. Cena esta que quase não existe.
Engana-se, porém, quem pensa que com isso, quero dizer que não valha a pena assistir. O teatro estava lotado e os aplausos do final garantem que a plateia não está de acordo com as minhas impressões. O teatro sempre significará coisas distintas, provocando sensações e opiniões diversas para quem assiste. Assim deve ser a arte. Assim deve ser a vida.


Thursday, May 21, 2015

Só um Chapeleiro maluco poderia trazer o Big Ben aos palcos de Porto Alegre



Minha proximidade com Igor Ramos começou justamente em uma apresentação do Teatro Aberto. Bem na hora em que o seu grupo apresentava, com o teatro Renascença lotado, falta luz. E a peça era boa. O Magico de Oz estava em ótimas mãos. Os atores divertindo a plateia, emocionando. Ninguém queria ir embora. Foi um momento tenso. Lembro da atriz que fazia a bruxa aos prantos. Mas, eles fizeram algo muito difícil: a luz voltou e eles terminaram o espetáculo. Desde então, passei a prestar mais atenção no trabalho dele. Acabamos amigos e ele sempre me convida para ver o que está fazendo. Hoje, fui assistir O Chapeleiro Maluco, no mesmo evento do ano em que nos conhecemos. Sim, eu vou para gostar. Mas, não saberia fazer isso forçadamente. Acontece que o trabalho do Igor tem um cuidado e um capricho que são especiais e que ficam evidentes neste espetáculo. Pode ter quase nada de cenário. Mas, uma tábua vai ser uma mesa e vai ser também o Big Ben. Isso mesmo. Aquele relógio inglês, ponto turístico da cidade. Acontece que o Grupo Leva Eu se dedica ao básico do teatro, a uma história bem contada, a autenticidade dos seus atores Juliana Johann, Josué Fraga e Alessandra Souza que são harmônicos e revelam a potência do teatro feito sem protagonismos e com poucos recursos. Como havia muitas falas em inglês (embora fossem traduzidas) tive dúvidas da compreensão. Mas, a reação do público demonstrou que isso não chegou a ser uma barreira. Aliás, as crianças que lotaram a sala deram uma aula de comportamento. E é na criatividade de usar uma luz estroboscópica para mostrar a passagem dos personagens por um local desconhecido, no jogo entre o imaginário do espaço delineado pelas falas e atuações e o realismo de uma xícara de chá que vai parar na mão do público, que O Chapeleiro Maluco vai se mostrando um teatro infantil que respeita quem vai ao teatro. Assim, eles conseguem comprovar, mais uma vez, que o teatro é uma das artes mais criativas que existe. Que, se bem feito, pode nos fazer viajar de Porto Alegre à capital da Inglaterra em segundos.  E por respeitar todo esforço que significa levar ao palco um trabalho assim é que eu não vou indicar aqui os poucos pontos que eu acho que poderiam melhorar e não faço isso, também, porque o diretor tem a humildade de dizer que está aberto as minhas considerações e reage ao meu comentário dizendo que estava, justamente, querendo esse olhar de fora. Assim, não preciso enfatizar algo que, provavelmente, já estará diferente nas próximas apresentações. Essa atitude traz à tona uma das características mais importantes do teatro que, como arte viva, é diferente a cada representação e, ao contrário do cinema, pode ir se construindo a partir da experiência e do público, garantindo o verdadeiro sentido do Teatro Aberto e de um diretor amigo. 

Sunday, May 03, 2015

Abobrinhas com novos recheios


Já escrevi antes sobre este espetáculo, mas, a bem da verdade, o que vi hoje não era a mesma coisa. De qualquer forma, é um novo desafio escrever sobre Abobrinhas recheadas. Porque se engana quem pensa que é só de humor que se trata o que é colocado em cena. É uma linguagem que eu ainda não havia lido nada sobre ela. É em cima da mímica, mas vai além. Lembra algumas brincadeiras de criança e, se traz a música da Velha a fiar, o que vemos no palco é um exercício de sincronicidade, de trabalho em conjunto que faz com que a plateia lotada, logo perceba que é uma cena que merece ser fortemente aplaudida. E, se outros espetáculos ou atores, acham difícil conquistar o público, Diego Mac faz isso desde o começo. Daniela AquinoDenis Gosch, Joana Amaral e Nilton Gaffree são de uma eficiência perturbadora, pois, não raro, não sabemos a quem prestar mais atenção. E os números apresentados vão da sutileza da música de Adriana Calcanhoto ao caos de Renato Russo. E, enquanto assisto a expressividade dos gestos e movimentos faciais de Daniela Aquino, Denis Gosh e Nilton Gaffre penso que seria ótimo se a cantora pudesse vê-los, pois, as escolhas feitas acrescentam novos sentidos à música. Um repertório eclético, cômico, romântico, brega, onde só eles conseguem me fazer ver alguma utilidade em uma música que diz “vou te amarrar na minha cama”. Não vou fingir que tenho competência para analisar exatamente o que está por trás do que faz rir as pessoas presentes ou de alguém gritar “bravo” para a ação dos atores/bailarinos sobre uma música das mais simplórias. Mas, ao mesmo tempo, é muito claro para mim que existe um forte trabalho de pesquisa para chegar naquele resultado. Algo que pode partir do improviso, mas que acaba colado em cada palavra, como se a única forma de expressar aquele sentido fosse aquele gesto e não milhares de outros possíveis. E, justamente quando eu estou pensando que seria bom se o Abobrinhas começasse a fazer como o Tangos e Tragédias e convidar alguém para a plateia, Joana Amaral faz uma linda interpretação de Feito picolé ao sol, do Nico Nicolaiewsky e sou pega pela emoção. Como posso sentir saudade de alguém que nem conheci? Mas, é exatamente o que os artistas fazem conosco. E aqui eles trazem essa harmonia entre os integrantes e, ao mesmo tempo diversidade. E isso é explorado da melhor maneira nos “números” individuais e nos feitos pelo grupo. Espero que os alunos do Departamento de Artes cênicas da UFRGS tenham tido a oportunidade de ver sua professora em cena e observar a capacidade dessa linda mulher ser tão expressiva e cômica. Denis Gosch é, para mim, o nosso Philip Seymour Hoffman e isso é uma das coisas que me faz pensar que essa forma de interpretar as músicas deveria percorrer não apenas o Brasil, mas ir lá para fora, mostrando o que está sendo feito por aqui. E, como se meus pensamentos também fizessem parte da apresentação de hoje, o grupo encerra com uma música em inglês e a distribuição de Bis (o chocolate) para a plateia que aplaude com prazer. De minha parte, quero uma vida longa ao Abobrinha. A ponto de quando eu procurar uma imagem no site de pesquisa, não me venha a receita do alimento, mas a foto desse grupo cheio de talentos.