Tuesday, March 31, 2009

Tá e aí?

Há quem diga que devamos esperar para escrever sobre o que acaba de ser visto. Não discordo e nem concordo com esta opinião, mas, simplesmente, não pretendo respeitá-la. Acabo de voltar da comemoração de encerramento de uma temporada do espetáculo “Tá e aí?” (acredito que serão muitas) e confesso que não vou dormir direito enquanto não registrar minhas impressões. Fui assistir algo que levava o nome de duas pessoas muito queridas para mim: Julio Conte e Ian Ramil. Um, embora de tempo na terra semelhante ao meu, anos luz no caminho que eu acabaria escolhendo tardiamente: o teatro. Outro, colega de sala de aula onde demonstrava um talento e uma competência que não passa despercebida. Ou seja, a expectativa era grande. Por razões estritamente particulares, o ânimo não era dos melhores. Mas, lá me fui. Teatro praticamente cheio. Logo de cara a relação palco e platéia se estabelece e começam os jogos. Ian não está em cena.

 

Para quem fez práticas teatrais não são novidades totais, mas, a maneira como vão se apresentando impressiona profundamente. Exatamente por reconhecê-las é que é possível saber o grau de complexidade de algo que parece banal. Improvisar é uma das premissas de quem faz teatro, mas, como exercício testa o ator. Rapidez no raciocínio, disponibilidade, coragem de encarar cada desafio. Tudo está lá. O prazer é intenso. A risada vem fácil. O que acontece faz pensar: não é exatamente isso o teatro? Tendo como mestre primeiro Zé Adão, sendo aluna do DAD desde 2001 e hoje teórica do mestrado de artes cênicas, o espetáculo Tá e Aí condensa tudo e me traz à tona o fascínio completo e absoluto pelo teatro.

Quem pode não gostar de ver que tudo não passa de um jeito de brincar com a realidade, jogar com as palavras e ir além? Lembro de Augusto Boal com suas propostas do teatro fórum, teatro do invisível, teatro no dia-a-dia. “Tá e aí?” é isso tudo e mais. Tive certo receio quando pensei que a platéia deveria interagir. O que, sem dúvida, é ainda mais complicado para o público comum. No entanto, não há coerção. Participa quem, realmente, quer. E apesar de que quase tudo que é feito no palco ser feito nos moldes do que é proposto para os estudantes de teatro, não estamos falando de algo para principiantes. Quem está começando não tem o tempo certo como Rafael Pimenta, nem o jogo de cintura de Eduardo Mendonça e desse menino que não conhecia  ( e com certeza ele não faz a mínima idéia de quem eu seja) Leonardo Barison. Isso sem falar nas convidadas de hoje Ingra Liberato e Juliana Brondane. 

 Fiz várias anotações sobre cada proposta cênica, mas, vejo que nenhuma delas é importante ser registrada (aliás estão no blog para quem quiser saber). Vão ser retomadas nas próximas apresentações? Certamente. Mas, não é isso que importa. O que fica é o prazer de um teatro bem feito, com gente talentosa. Definir cada cena? Para que? Afinal, não é absolutamente delicioso pensar que o que vi hoje não vai ser o que será visto na próxima temporada? Eu quero voltar, mas, mais do que tudo, gostaria que outras pessoas fossem ver um teatro no qual a gente lava alma por ser divertido, por ser feito por gente com tanta competência e resultar em algo tão genial. 

O teatro precisa de mais gente assim que se doe pela arte, que se libere do ego, sem preocupações com a permanência e que, por isso mesmo, seja eterno se não historicamente em nossas memórias. Graças a pessoas assim e a um teatro como este sei que esta arte terá vida longa.

Fiquem atentos a próxima temporada na Álvaro Moreira: 14/21/28/ de abril e 5 de maio.

Créditos:

Direção: Clube da Patifaria.

Jogadores: Eduardo Mendonça, Ian Ramil, Leonardo Barison, Rafael Pimenta e Vicente Vargas.

Mediação: Júlio Conte.

Anfitrião: Mauricião.

Luz e som: Gabriel Lagoas.

http://blogdotaeai.wordpress.com

Faz dias que este verso vem me perseguindo, então, publico aqui. 

Bebeto Alves foi muito feliz quando escreveu:

Nas pegadas das minhas botas

Trago as ruas de Porto Alegre

E na cidade de meus versos

O sonho dos meus amigos

Monday, March 30, 2009

Rebatizemos a crítica!

Vivo em contradição. Não gosto de comprar briga com ninguém. Não sinto prazer em contrariar as pessoas, nem em provocá-las. Mas, preciso reconhecer que não sei deixar passar impunemente coisas ditas que me incomodam.  Cresci em um ambiente polêmico. Meus pais sendo professores sempre debateram assuntos políticos, sociais, econômicos, comportamentais, durante o almoço, na hora do café, nos encontros de família. Era natural para mim. Ficava surpresa quando algum amigo comentava: "a tua casa é tão diferente da minha. Lá, meu pai me diz para eu passar a manteiga. Aqui, vocês comentam as atitudes do presidente!". E não é que era assim mesmo? Provavelmente, venha daí minha escolha pelo jornalismo.  Pronto! Associei minha curiosidade às técnicas de elaborar perguntas de improviso e nunca mais parei.  Meus professores, desde o segundo grau pelo menos, são testemunhas disso. Quem me conhece há pouco tempo (e gosta de mim) ainda estranha. Acha que estou brava. Fica com medo que os outros me tratem mal. Eu perdi este medo faz tempo. Fiz amigos que admiro e respeito com este jeito de ser. Provavelmente, tenha feito alguns inimigos também, mas, eles não se apresentaram e, portanto, não me incomodam. 

Bem, mas, isto tudo é para falar do evento chamado "Estado da Crítica" ao qual me referi antes, pois, apesar de, praticamente, roubar a palavra, ainda tenho alguns comentários para fazer. 

Há um ano atrás, quando preparei meu projeto para o mestrado em Artes Cênicas levantava questões sobre a função da crítica, quem poderia fazer crítica, como formar um crítico. Hoje, depois dos estudos que fiz, percebo que estas questões eram superficiais e estavam impregnadas de conceitos (ou preconceitos) sobre a crítica. Quem tem acompanhado um pouco das minhas descobertas sabe que temi por ter escolhido um tema que já fizesse parte de um passado, morto e enterrado. Felizmente, era só uma impressão.  Aqueles que imaginam isso estão apegados ao termo crítica = julgamento, o que, para arte contemporânea não faz muito sentido.  Hoje, vivemos a valorização da figura do espectador e tomamos consciência de que não podemos falar de UM espectador, mas, de tantos quantos estiverem na platéia. Isso significa que não existe um único espetáculo, mas, o espetáculo que chega a cada um destes que lá está.  Então, não adianta refletir sobre ele? Nada disso. Só não podemos esquecer que aquele que escreve sobre o espetáculo também é espectador. Não sei se privilegiado (como dizia Sábato Magaldi), mas, que não surgiu só para cruzar a porta daquele teatro, mas, também vem de uma família (igual ou diferente da minha), tem uma formação e vivenciou coisas particulares e específicas. Ele é tudo isso, além de uma pessoa que escreve sobre teatro.  É uma figura imprescindível para a existência da arte? Não. Mas, acredito, profundamente, que ele colabore para sua existência, fortalecimento e permanência. Como? Primeiro, ele serve para fazer um registro do que foi apresentado. Não vai ser imparcial. Vai estar impregnado das suas próprias impressões.  Pode fazer avaliações preconceituosas, retrógradas. Afinal, mesmo aqueles que se dedicaram ou dedicam exclusivamente a esta função cometeram erros e, às vezes, até sem querer, tentam induzir o público a rechaçar artistas que acabaram se impondo e mostrando sua genialidade (Nelson Rodrigues é um bom exemplo).  Em segundo, aquele que se dispõe a escrever sobre os espetáculos pode acrescentar informações, trazer um novo olhar sobre aquilo que o público vê e não compreende. Mas, cuidado! Não estou dizendo que será ele a dizer o que devemos ou não gostar.  Nem a apontar a nossa ignorância se criticamos algo que ele considera uma obra-prima ou o contrário, se gostamos de algo que ele odeia e considera uma arte menor.  Não acredito que seja este seu papel.  E quanto a quem pode efetivamente fazer isso, tenho muitas outras questões ainda não resolvidas e que espero minha pesquisa me auxilie a chegar a algumas conclusões. Até agora, o que vi, na história da crítica foi uma disputa de poder entre os veículos de comunicação e a academia, ora um em alta ora outro e, mais recentemente, nenhum. E é neste momento que vão surgindo os espaços virtuais. Ocupados por qualquer um que resolve escrever sobre teatro? Sim, mas, qualquer um que pára tudo que tem para fazer para ir ao teatro, escrever sobre o que viu e expor suas idéias para quem quiser, inclusive, rechaçá-las. Até agora, encontrei na maioria diretores, artistas, produtores e tantas outras pessoas ligadas ao teatro.  Que prejuízo pode haver nisso? Pode induzir a opinião do público a ponto de afastá-lo do teatro? Bem, é preciso observar que nem os considerados maiores críticos conseguiram este feito. Ao contrário, suas opiniões, mesmo que negativas, acabaram contribuindo com a arte. Talvez, de forma prosaica, possa reduzir tudo isso no seguinte ditado: “fale bem ou fale mal, mas, fale de mim.” Este, vale também para as obras de arte e para os artistas.  Da minha parte, como apaixonada por teatro, quero mais é ler algo absurdo sobre um espetáculo em um espaço em que possa dar minha opinião. E para não perder o hábito, devo dizer que não concordo com Antonio Holfeldt (audácia minha) quando ele diz que a crítica é um gênero jornalístico, pois, como não chamar de crítica o que começa a surgir nos espaços virtuais não elaborados por jornalistas? E se é questão de nomenclatura, rebatizemos a crítica!

Saturday, March 28, 2009

Bem, acho que não preciso dizer que tive que "juntar meus caquinhos para ir ao Seminário sobre Crítica de teatro no Gasômetro ontem, mas, achei que devido a minha escolha de pesquisa era algo imperdível. Pensei que entraria por uma porta, sentaria calma e quieta para ouvir e viria embora uma hora depois. Por que será que eu ainda me minto desta maneira? Quem me conhece sabe que dificilmente isto irá acontecer enquanto eu estiver viva. Não deu outra. Eu tentei. Mas, quem estava lá sabe que fui provocada pelas declarações feitas pelos convidados. Na mesa: Antônio Holfeldt, Renato Mendonça. Luis Paulo Vasconcellos e Julio Conte. Após a fala de todos, veio a abertura para o debate. Alguns minutos de silêncio. Tempo suficiente para as questões que tinham ficado me provocando resultarem na minha fala. Outra hora, talvez, até fale mais sobre isso, pois mais uma vez confirmei que a escolha do meu tema de pesquisa "Crítica teatral na era digital" não foi para buscar um título, mas, é uma paixão que me move. Sendo assim, obviamente, tenho mais coisas a dizer, mas, como estou em fase de "convalescência" prefiro publicar o texto do blog de Julio Conte (http://julioconte.blogspot.com):
O DEBATE SOBRE A CRITICA


Conforme prometi, vou contar um pouco, sobre o debate ocorrido na Usina do Gasometro na sexta feira, dia do teatro. Presente no local poucas pessoas, o menor publico de todos os debates. Dizem que foi a sexta feira, o engarrafamento na saida do Centro, o calor etc. Acho que os teatreiros ainda não aprenderam a debater. Mas quem participou de outros jura que foi o melhor dabate.
Ponto negativo foi que não havia nenhum editor, nem da ZH, nem da Revista Aplauso, nem nenhum outro.
Momentos de tensão marcaram as primeiras intervenções do público. Quem mais sofre foi o Renato Mendonça tendo que defender a linha editorial da ZH. A fala inicial dele foi ótima, mas deixou uma gafe ao se referir ao teatro como algo pobre. Pressionado se atrapalhou.
Luiz Paulo estava com a sobriedade que lhe é característica. Quando questionado na dupla função de critico da Revista Aplauso e artista mostrou que está atento a esta contradição.
Eu falei sobre a transitoriedade do teatro e de como isso se manifesta no sistema crítico. Teatro sofre da urgência de existir. Mas o grande nome que emergiu do dabate foi Antonio Holhfeldt. Matou a pau. Carismático, centrado e sábio expos sua trajetória no Correio do Povo e no Jornal do Comercio. De quebra contou que a ZH não o quis como crítico. Antonio é um pedaço da história do teatro gaúcho. Da platéia Helena Mello, jornalista que pesquisa blogs de teatro, foi muitas vezes incisiva e Rodrigo Monteiro mostrou que está cada vez mais preparado para ocupar um lugar de destaque na refexão sobre teatro. O que me surpreendeu foi de como blog incomoda a imprensa oficial. Acho que é porque publica a voz de quem não tem voz e as pessoas estão cansadas de versões oficiais. Querem intimidade, querem o detalhe, o sentimento particular, querem alguma coisa mais do que a pasteurização da informação.
Confesso que sai feliz.

Outro dia publico minha fala, pois como sabia que estava frente a três feras bem articuladas, levei o texto por escrito. Ler me ajudou e ficou o registro.

Ah, e terça tem TA E AI com participação da Ingra Liberato e da Ju Brondani.

Friday, March 27, 2009

A arte de escrever

Algumas pessoas comentaram que escrever bem era de família...Sem falsa modéstia, estou começando a acreditar que elas têm razão. Transcrevo abaixo um texto da minha tia Dulce Menegassi:
 

Meu primeiro herói

 

Ao longo da vida, quem tem sorte, tem alguns heróis.

Tive sorte, tenho alguns: de ficção, muitos, reais, nem tantos, mas, o primeiro e real a gente não esquece.

Tinha quatro anos, ele cinco. Morávamos em Teresópolis há pelo menos 30: nós, nossos pais, um irmão de três anos e nossos avós.

Aos Domingos, muitos parentes, após a missa dominical, iam lá nos visitar e colher frutas, a chácara em que morávamos era pródiga nas mais variadas árvores frutíferas.

Nossa avó nos chamava:

- Crianças! Venham cumprimentar os tios e primos!

Após o protocolo, ela nos despedia:

- Agora, podem ir brincar.

Lá íamos nós. Felizes da vida fazer o que mais gostávamos: correr e brincar pela imensa chácara.

Nos fundos da chácara havia um córrego. Era uma festa! Molhávamos os pés, colocávamos barquinhos de papel na água, atirávamos água uns nos outros.

Um dia, ao tirar a sandalinha nova, domingueira, um pé caiu na água e começou a ser levada pela correnteza. Eu, muito aflita, comecei a gritar e a chorar.

Neste momento o “meu herói” entrou na água, sem medo e me trouxe a sandália de volta.

Faz mais de 70 anos, mas, eu nunca esqueci o fato e há pouco tempo o relembrei com o meu irmão Procópio. Ele também lembrava e rimos junto. Procópio, meu irmão...meu primeiro herói! Que saudades...

 
 
 

Sunday, March 22, 2009

Gênio Indomável


Meu pai se foi esta semana. Lembro das várias vezes que o meu temperamento e o dele se esbarravam. Em menos de cinco minutos conseguíamos começar uma discussão. Talvez, os astros expliquem: somos signos complementares. Ele ariano, eu libra. Não, meu pai não era uma pessoa fácil. Levei muito tempo (e alguns anos de terapia) para entender que devia olhar para suas atitudes e não me incomodar com o seu discurso.

Ele achava que devia me preparar para o que ia encontrar fora de casa e procurava dizer coisas que fortalecessem minha personalidade. Não funcionava. Suas palavras me desestabilizavam de tal forma que quando comecei a enfrentar o mundo lá fora nada me pareceu tão difícil. Já há algum tempo compreendi que a força das palavras daqueles que a gente ama é muito maior do que a dos possíveis inimigos que possam cruzar nosso caminho.  Mas, reconheço que devo a ele minha capacidade de refletir sobre as coisas e organizar meu pensamento. Na minha casa, todo dia era dia de debate!

Meu pai radicalizava suas idéias, tinha dificuldade em expressar seus sentimentos. Mas, bastava um pequeno contato com suas atitudes para descobrir uma das pessoas mais interessadas no bem estar alheio que já conheci. E não digo isso apenas por ser sua filha. Tenho certeza de que qualquer pessoa que saiba que ele há mais de 30 anos repassava todos os ganhos que havia conquistado com seu trabalho, ao longo de uma vida, para os seus, concordará comigo. Nunca falava em comprar algo, fosse um carro novo ou uma camisa. Mas, era muito consciente de que as coisas custavam dinheiro e se preocupava, frequentemente, com o nosso futuro. Aliás, foi isso que o fez enfrentar um concurso e ser bancário por 25 anos, quando sua paixão era ser professor, o que ele fazia paralelamente.

Seu jeito irônico, muitas vezes, me feria. E quando eu consegui, finalmente, verbalizar isso. Ouvi dele uma confissão: a ironia é a arma dos covardes. Coisa que, sem dúvida, ele não era. É preciso coragem para acreditar em um projeto como ele acreditava, de investir tanto tempo em um ideal, de bater em portas fechadas para idéias novas e ir aos pouquinhos conseguindo entrar. 

Há mais de 30 anos, foi ter um ataque do coração em Paris. Anos depois, fez pontes de safena. Depois, vieram várias outras complicações de saúde. Nada o derrubava. “Um Fênix” consideravam os médicos. Nestes últimos anos, entrou e saiu do hospital algumas vezes. Em 2007, instigado pela minha mãe, elaborou um livro chamado Enigmas do Futuro com várias histórias lógicas inéditas cheias de criatividade e depoimentos de pessoas ligadas à educação elogiando seu trabalho.

Para muitos, era um gênio. Afinal, a partir dos seus conhecimentos e estudos, criou algo inédito com o objetivo de ajudar as pessoas a pensar. Investiu tempo de vida nisso. Enquanto teve energia, era obsessivo na tarefa de repassar seus conhecimentos. Tinha pressa, se angustiava e era incansável na tentativa de convencer as pessoas de que algo diferente, novo, era bom. Quando ele mesmo começava a duvidar, alguém vinha lhe dizer o quanto o seu trabalho havia mudado sua vida.

Amigos me dizem que o reconhecimento do que ele fez ainda está por acontecer. Não duvido. Assim, como aconteceu comigo, será preciso tempo para que as pessoas entendam uma mente como a do meu pai. Não. Meu pai não era perfeito, mas, não tenho dúvidas, de que era um homem a frente do seu tempo, o que dificultou até mesmo a sua família de compreendê-lo melhor, mas, isso não nos impediu de amá-lo, embora ele possa ter partido sem ter certeza disso. Sabemos, no entanto, que é isso que acontece com pessoas geniais. 

Saturday, March 21, 2009

O homem de cinzento não pode esperar *


Vera Mello

Meu pai se foi na última quarta feira do verão e me deixou seu nariz adunco, mesmo nariz do pensador grego Aristóteles cujo busto da era romana foi encontrado sob a Acrópole, em Atenas. Me deixou igualmente suas sombrancelhas grossas e sua audácia em escrever histórias cujo os nomes seguem uma lógica muito peculiar. Meu pai me deixou também um legado que eu me apropriei antes mesmo de sua partida. Ele me ensinou a aceitar com ironia aquilo que não podemos mudar embora o dito seja "Que Deus nos dê "coragem" para...Assador de renome, entre os inúmeros frequentadores da casa e de paladar "gourmand", enquanto aguardava sua hora, meu pai buscou rever passagens da sua vida naquilo que degustava. Isso, talvez justifique seus desejos bizarros parecendo um "enfermo glutão". Eu, há pouco recebi dele, um "pedido solene" de preparar um arroz com coração de galinha. E me perguntei por que, entre os bolinhos de bacalhau do Chalé da Praça XV, as batatas fritas do kioske da praia, o camarão do restaurante chinês, a massa com gorgonzola feita em casa, e uma tainha na brasa, meu coração era tão importante. Até que compreendi que ele, estava reconstruindo sua história (da qual eu fazia parte e me encaixava tão bem) na lógica dele. Na prática, passamos meses compartilhando e degustando a mesa, lembranças de um passado feliz. Em tese esse parece ter sido o pensamento de um professor tão admirado por respeitar a lógica particular de cada um.

* O título é uma referência a um personagem criado pelo meu pai (no estilo Sherlock Holmes) para os seus enigmas

Friday, March 20, 2009

Meu herói, meu bandido


Pai!
Pode ser que daqui a algum tempo
Haja tempo prá gente ser mais
Muito mais que dois grandes amigos
Pai e filho talvez...

Pai!
Pode ser que daí você sinta
Qualquer coisa entre
Esses vinte ou trinta
Longos anos em busca de paz...

Pai!
Pode crer, eu tô bem
Eu vou indo
Tô tentando, vivendo e pedindo
Com loucura prá você renascer...

Pai!
Eu não faço questão de ser tudo
Só não quero e não vou ficar mudo
Prá falar de amor
Prá você...

Pai!
Senta aqui que o jantar tá na mesa
Fala um pouco tua voz tá tão presa
Nos ensine esse jogo da vida
Onde a vida só paga prá ver...

Pai!
Me perdoa essa insegurança
Que eu não sou mais
Aquela criança
Que um dia morrendo de medo
Nos teus braços você fez segredo
Nos teus passos você foi mais eu...

Pai!
Eu cresci e não houve outro jeito
Quero só recostar no teu peito
Prá pedir prá você ir lá em casa
E brincar de vovô com meu filho
No tapete da sala de estar
Ah! Ah! Ah!...

Pai!
Você foi meu herói meu bandido
Hoje é mais
Muito mais que um amigo
Nem você nem ninguém tá sozinho
Você faz parte desse caminho
Que hoje eu sigo em paz
Pai! Paz!...


letras acima

Thursday, March 19, 2009


Os ventos que às vezes tiram algo de nós são os mesmos que trazem algo que aprendemos a amar. Por isso, não devemos chorar pelo que foi tirado e sim aprender a amar o que nos foi dado, pois o que, realmente, é nosso, nunca se vai para sempre.
Bob Marley

Sunday, March 15, 2009

Sunday night fever


“Chupa o meu pau”. Esta é apenas uma das frases que não passariam na censura da minha mãe tão facilmente e que estão em um filme que assisti quando tinha uns 15 anos: Embalos de sábado à noite (Saturday night fever, 1977). Tinha na minha memória adolescente um filme com músicas dançantes, aquela roupa branca e preta inesquecível do John Travolta (veja na foto) e seu rebolado impagável pelas ruas. No entanto, fui assistir hoje na televisão e vi que havia muito mais por trás. 

Os cuidados extremados do protagonista com a sua aparência, seus gestos e posturas já não me pareciam tão masculinos a ponto de despertar a paixão de tantas mulheres como aconteceu na época. Mas, não é apenas isso. Streep-tease, cenas de sexo, estupro, drogas, mortes e violências outras. Tudo aparece no filme que havia me parecido inocente.

Hoje, chega a ser engraçada a cena na qual Tony levanta da mesa do jantar e começa a juntar os pratos e seu pai diz para que ele não faça aquilo, pois as mulheres irão fazer. Quem diria... De qualquer forma, ele trata as mulheres com total desrespeito e se mete em várias situações “politicamente incorretas”. Talvez, a única atitude que indique o seu bom caráter seja a entrega do prêmio do concurso final aos concorrentes que ele considerou melhor do que ele. No mundo real, porém, isso não fez a menor diferença. Os fãs do filme nem se lembram mais da dança do outro casal e sim dos rodopios do galã.

 É bem verdade que a trilha é maravilhosamente dançante. Ainda lembro da euforia e do modismo que se criou no Brasil nas discotecas. Todos imitávamos ou já imitamos alguma vez Tony Manero e seus gestos na pista. Não é à-toa que John Travolta recebeu a indicação ao Oscar e levou seis milhões de pessoas aos cinemas no Brasil. As músicas dos Bee Gees marcaram toda uma geração com More Than Woman”, “How Deep is Your Love”, “Night Fever”, “Staying Alive”. O álbum permaneceu um total de 24 semanas no 1.º lugar das paradas e vendeu eventualmente mais de 30 milhões de cópias (hoje este número chega a 50 milhões), tornando-se um dos álbuns mais vendidos de todos os tempos. Considerada a trilha sonora mais vendida da história.

Mas, Tony está longe de ser um herói e o filme não é a historinha de dança que a minha mãe achou que eu tinha ido assistir naquela tarde da década de 70. 

PS: Eu que nunca mais tinha ouvido falar de karen Gorney (a partner de Tony Manero), descobri que no ano passado ela fez Margaret em Ricardo III.  

Tuesday, March 03, 2009

Na língua de Camões


Já venho lendo sobre o acordo ortográfico há algum tempo e confesso que não estava (e ainda não estou) com a maior vontade de ficar revendo o jeito que escrevo. Não é que não goste de mudanças. Mas, uma parte de mim, vinha resistindo a algo que me parece insignificante diante de tantas mazelas brasileiras. No entanto, não há mais nada a fazer. Está decidido e insistir em não me adaptar parece bobagem . Afinal, como dizem seus defensores, nem são tantas mudanças assim. Da minha parte, por exemplo, posso dizer que se me pedissem para soletrar o alfabeto acabaria dizendo o k, o w e o y. Decorei assim e acabei mantendo. Pronto. Agora já os incluíram novamente. Também devo dizer que nunca fui muito fã de trema e só colocava em provas que exigiam este tipo de correção tipo em linguiça, freqüente, seqüência... Já aguentei muita coisa e não escrevia a palavra com a trema e tranquilo? Nunca viu uma trema por aqui. (Acabo de perceber que vou ter que atualizar meu corretor ortográfico, se não ele vai insistir em colocá-la). Claro que têm aquelas que vão dificultar a minha adaptação, como por exemplo: plateia e estreia. Sem acento? Não é a mesma coisa. Paranoia? Cruzes...muito estranho. Alcateia? Por favor...palavra que só escrevi no vestibular e olhe lá! Ah, e têm coisas mais esquisitas como: creem, deem, leem, perdoo, veem. E para variar (sem acento) vem as exceções: "ele para o carro" (verbo parar) perde o acento, mas, "ele pôde dirigir ontem" tem acento. Ai,ai,ai....Assim como os verbos ter,vir, convir, deter que mantêm o acento: eles têm, eles vêm, eles convêm, eles detêm. Bem, e tem várias outras coisas chatinhas. O hífen, que quase ninguém acertava até hoje, muda também. Erraria naquelas ditas provas: autoestrada, coautor, autoescola, aeroespacial... tudo sem hífen. E nesta regra sim, acho que vão continuar não sabendo. Continua aquela história...ora tem, ora não tem. Ou seja, volto a ser semianalfabeta? Mas, não vou ser superexigente comigo mesma! Então, não esperem que aqui no blog meus textos sigam estas regras. Vou, aos poucos, tentando acertar, mas, não é porque assinaram uma lei que vou acordar sabendo como redigir do jeito que decidiram que seria melhor. Esta regra aqui, por exemplo, não vai ser fácil de lembrar: se chegar no final da linha e uma palavra que levava hífen ficar dividida, o hífen repete na linha seguinte. Bem, mas, ninguém pode dizer que eu não tentei colaborar. Por enquanto, a única coisa que me faz tentar esta adaptação é a remota possibilidade de eu querer me corresponder com portugueses e não deixar que a língua nos atrapalhe. Sabe-se lá quando e se isso vai acontecer! 

PS: O Acordo Ortográfico de 1990 pretende instituir uma ortografia oficial única da língua portuguesa e com isso aumentar o seu prestígio internacional, dando fim à existência de duas normas ortográficas oficiais divergentes: uma no Brasil  e  outra nos restantes países de língua portuguesa.