Saturday, October 31, 2009

Da frustração a fruição

3º dia. O plano era chegar atrasada. Sim, sou destas que planeja o atraso. Queria levar minha mãe à rodoviária. Com mais de 75 anos, ela segue trabalhando, divulgando os Jogos Boole (www.jogosboole.com.br), criados pelo meu pai. Já tinha feito os contatos com as escolas que queria, feito algumas vendas, o que a faz trair a língua que ama e dizer: “yes,yes,yes”, enquanto comemora a ação bem sucedida. Não podia se permitir ficar até o final da semana por aqui. Mas como as atividades da Jornada começam as 14h, achei que ainda teria muito que assistir. Só que não foi bem assim.

Frustração um – o tema de hoje era Literatura, teatro, música e novas tecnologias. Faltava apenas a fala de Eloy Fritsch e isso porque ele teve problemas com a tecnologia (estava demorando...). Assim mesmo o que vejo é interessante. Na tela Clair de lune, tocada virtualmente. Logo depois, Fritsch recupera informações históricas. As primeiras experiências da música eletrônica. Chega na música acusmática (como dizia uma amiga minha: é para comer ou para passar no cabelo?) Fala em cinema para o ouvido. Divertida esta imagem. Chega no rock, nos Beatles e Pink Floyd. Mas é quando ele fala em Rick Waykemann que meu interesse aumenta. Daí, ele cita Jean Michel Jarre. Bem lembro o impacto que estes nomes causaram na época. Também, não foi à toa. Frisch diz que este último levou três milhões e 500 mil pessoas para ouvir sua música em Moscou em 1981. O maior número até hoje. Mostra instrumentos sendo tocados por dedos em telas planas. Penso na importância dos dedos, do toque para esta época tecnológica. Claro...Não sou eu que falo todo tempo em digital? Apresenta novas interfaces com vídeos do youtube como a escada piano, uma experiência em Estocolmo e termina com o piano controlado por ondas cerebrais de Eduardo Miranda, na Inglaterra. Ok. Também não sei como isso funciona. Entrem aí no Google e pesquisem, ora bolas (expressão da mesma época de “bananices”)!

Fruição um - Vai falar Alcione Araújo. Bem, preciso dizer que bastaram algumas horas para que este cineasta me conquistasse e, olha que não me acho tão fácil assim. Azar é o dele. Ele nem abriu a boca e minha expectativa já e grande. Vai falar de que? Teatro o que, segundo ele, trata-se de gente imitando gente para a gente ver. Só que salienta: “Na contemporaneidade, este homem incorporou a tecnologia no seu dia-à-dia”. O que ele quer dizer com isso? Ele explica: O personagem do teatro de hoje pode ser um transplantado e a história pode ser ele amar a pessoa que quem doou o coração amava. Uma nova situação provocada pela tecnologia. E agora vem uma parte que me traz certo deleite. A ciência ficou sendo vista como ameaça. Assim, como marcianos atacariam a Terra com suas novas tecnologias. Nosso imaginário ficou impregnado de temores, mas não é a tecnologia que traz perigos. Estes estão com o homem. Questões relacionadas ao caráter, a moral, a ética do ser humano. Fora do Brasil, a atitude é  ainda mais reacionária, sendo proibidas as pesquisas com células tronco. Não precisamos ter medo da ciência, mas do próprio homem. A arte não está ameaçada. Ela é antropofágica. É capaz de digerir as tecnologias. A ciência é tão revolucionária quanto à arte. A arte é preocupada com a criação da subjetividade. “Nós artistas não temos medo do formato livro desaparecer. Devemos ter medo é de nós mesmos.” Terminado o painel, a parte das perguntas também trouxe algumas informações interessantes, mas, vou pular para que não tenha que me estender muito mais porque o melhor ainda está por vir. Registro apenas algumas frases:
- A tecnologia ajuda a elaborar o texto quanto a sua mecânica, mas, não interfere na criatividade.
- Há mais caminhos para as manifestações artísiticas
- O livro se repotencializa.
- Temos que manter uma vigilância crítica para o tipo de discurso que tem um objetivo apenas comercial do tipo: o futuro é hoje.
- A morte tem a sua função. Prorrogar a existência de alguém artificialmente não se justifica. Há um ponto final.
Bom, mas, me sinto obrigada a voltar para a fala de Alcione Araújo que foi solicitado a responder o que ele achava sobre espetáculos teatrais multimídias e se ele considerava que a tecnologia podia substitui o ator. Sobre isso, Alcione diz que a ideia de teatralidade é mais complexa. O ator nunca é o outro, nem apenas ele. Esta é a grandeza do ator. Comenta a torcida curiosa e perversa, oculta e incofessa que quer que o ator erre. Segundo ele, o risco é parte incorporada do espetáculo. Um ator pode morrer em cena.

Frustração dois – Terminado o painel, a idéia permanecer por lá até a conferência das 20h o que, certamente, parecia ser muito tempo. Descubro, porém, que haverá o Café literário e me dirijo para o Centro de Convivência. Chego em um mini-shopping, com farmácia, lojas de sapatos, acessórios, biquinis e uma espécie de praça de alimentação. Em uma das paredes um imenso logo, escrito RU. Dá para acreditar? Não demorou muito para o encontro começar. Tezza seria o entrevistado por Loyola e Fischer. Prometia. Mas houve um pequeno problema. Nem todas as pessoas estavam ali para ouvir outros e muito menos interessados em fazer silêncio. A acústica do espaço não é boa e assim, era um zumzumzum irritante. Desisti.
Fruição dois - Volto para a área do circo. Paso pelo espaço da imprensa e vejo uns braços gesticulando do outro lado dos vidros. Reconheço Ricardo (Silvestrin) dando uma entrevista pra a Rádio UPF. Desculpe, eu sei, estou falando de novo nele, mas fazer o quê? É a única pessoa que (re)conheço neste universo tão incrível de pessoas e, com isso, percebo que só agora tenho, realmente, uma turma. São meus colegas de mestrado. Na escola, meu boletim vivia com recomendações do tipo: “precisa se relacionar melhor com os colegas”. Na universidade, me dava bem com todos. Fui até representante do Centro Acadêmico, mas não fiz, realmente, amigos. Foi preciso eu escolher a arte para encontrar meus iguais. Iguais? Nada. Somos todos tão absolutamente diferentes e, no entanto, temos tanto em comum e recorro a um texto que me fez pensar direto neles: “Meus objetivos são todos subjetivos”. Preciso dizer de quem?  

Fruição três – Vou para o circo. Está quase na hora do show. Não tinha nenhuma expectativa. Para mim, era apenas uma forma de passar o tempo. No palco o grupo Repercussão. Começam com Trenzinho caipira de Vila Lobos. Não sei por que, mas esta música sempre mexeu comigo. Passam para Asa branca, o frevo Vassourinhas e Brasileirinho. Um dos músicos no palco apresenta o grupo. “Ele é professor aqui da UFP”, me diz a menina que conheci aqui no primeiro dia. Logo vi. A cada música ele acrescentava informações sobre os compositores, os instrumentos, etc. Sandro Cartier explica que se trata de um projeto chamado No baú a música do Brasil. Minha atenção se volta para a moça que traduz tudo que ouvimos em Libras. Está lá desde o primeiro dia, mas fico imaginando como será explicar aquelas palavras típicas da linguagem popular deste país tão grande. Sou surpreendida pela questão sobre qual seria o único ritmo gaúcho por excelência. Quem arrisca a responder, erra feio. A resposta vem do professor: O bugil! Nunca pensei... “Este é um projeto educacional  que queremos levar para as escolas falando sobre compositores, intérpretes, gêneros, resgatando canções”.
Fruição 4 - Antes da conferência de Arriaga, sobem ao palco 23 integrantes de Alta Floresta, Mato Grosso que vieram para a jornada. Enquanto isso, contava para a minha nova amiga uma parte da minha vida e lembrava de uma viagem que havia feito na época de faculdade para Salvador para participar de um encontro de Comunicação. “54 horas de viagem de ônibus”, digo a ela. Quando a coordenadora do evento pergunta ao grupo quantas horas elas levaram para chegar ali, a resposta foi: 54 horas. Até parece história de mentiroso! Uma das professoras fala pelas demais. Diz que esteve no evento em 2007 e que prometeu que sozinha não voltava mais, queria que outras pessoas também tivessem a oportunidade de participar (entendo perfeitamente este sentimento).

Deleite único
Guilherme Arriaga é chamado ao palco. Tenho um sério problema para associar o nome as pessoas e até ali não tinha me dado conta de que estava diante do roteirista de 21 gramas e Babel, para citar só estes dois. Fala do seu orgulho em estar ali, do quanto é importante reunir mais de cinco mil pessoas para falar de literatura. Tem um jeito simpático e expressivo de se comunicar e vai conquistando rapidamente o público, eu, inclusive. Para isso, comenta suas experiências no Brasil. Um contato com Octávio Araújo que tinha um projeto de organização de bibliotecas nas favelas do Rio de Janeiro, com a intenção de alterar o quadro de violência, usando a literatura. Outra experiência era relacionada a idéia de levar livros às prisões, pois lendo os presidiários eram livres. Comenta o privilégio que é estar em uma universidade e poder resgatar a leitura, o que para ele permite encontrar a nós mesmos.
Pede que lhe alcancem um livro. Diz que é um objeto perfeito. Guarda no bolso. Coloca embaixo do braço. Diz que ao fazer isso mostramos que o livro é NOSSO. Dá para marcar, dobrar e...atirar (lança o livro de em direção ao público). São objetos resistentes, observa.
“A arte coloca luz em lugares onde não imaginávamos que havia algo. Faz a gente pensar em lugares que não teríamos visto. O ato de ler pode ser subversivo.” Quanto a preocupação dos jovens não lerem mais, ele afirma: “Se assim fosse, não haveria um Harry Potter”.Arriaga comenta que as pessoas que estão no evento escrevem todos os dias e que os jovens não vão deixar de ler.Para ele, um escritor pode trabalhar em muitos meios e revela que se ele não escreve as histórias trancam na sua garganta. Defende que um roteiro (nem gosta desta palavra) já é literatura, já é uma obra. Tudo que é dito pelos atores está escrito e conta de uma situação em que os atores queriam improvisar e outro mais experiente disse: “por que tu achas que vais conseguir em cinco minutos um texto que foi escrito em três anos?”
Suas colocações ficavam cada vez mais interessantes e a expectativa em relação ao que ainda iria ser dito ia aumentando, porém, ele parou e disse que queria as perguntas. Surpresa na platéia. Jà? Como estas não vieram ele seguiu dizendo existe uma palavra em linguagem patagônica que significa um homem e uma mulher sentados um em frente ao outro e não se atrevendo a dizer o que sentem. Fala que as peles que acariciamos ficam em nossos dedos, que o momento se perde. “O ato de escrever é finito, mas o ato de ler é INFINITO. Fala que em uma ocasião uma pessoa disse para ele: li seu livro em três horas, o que lhe gerou uma certa tristeza. Cinco anos para escrever e apenas três horas de leitura? Um amigo dele, no entanto, lhe disse: “Se tu juntares três horas de um leitor, com três horas de outro leitor e daí por diante, tu vais completar os cinco anos.”
Arriaga diz que na escrita não há resultado, não há progresso. Exemplifica dizendo que se assim fosse o último livro de Garcia Marques seria melhor do que os anteriores. Conta que o escritor convive com o medo permanente de que não tenha mais o que escrever. É um terror permanente. E insiste: alguma pergunta? Ah, se eu soubesse que ele estava tão desejoso de questões...
O diretor, autor pede para todos olharem suas mãos. O espanhol atrapalha e grande parte da platéia se dá as mãos. Eu, por exemplo. Ele entende o engano. Afirma: “Haverá um momento em que estas mãos serão mãos de cadáver. Por isso, devemos acariciar tudo que queremos, golpear tudo, escrito tudo. Diz que mantém caveiras ao lado do seu computador de diversos materiais para lembrar que ele tem que construir uma obra.
“O que passa se não lemos Shakespeare?” Nada. Cita vários outros grandes autores e a resposta é sempre a mesma: nada. O problema, diz ele, é que quando os lemos se passa tudo.
Lendo sabemos que outros seres humanos têm momentos semelhantes aos nossos. Todos os seres humanos necessitam compreender as experiências dos outros.
Questionado sobre as adaptações de livros para o cinema, ele diz que estas rompem com o que o leitor imaginou quando leu a obra e isso o desaponta. Diz que passou por uma experiência assim com um livro seu. Considera que, por isso, os piores livros permitem as melhores adaptações. Diz que o livro As pontes de Madison não presta, mas, que o filme é grandioso.
Sim. As perguntas chegaram. Querem saber porque a morte se faz tão presente na sua obra. Pensei que isso já estava respondido. Mas Arriaga vai além: todos vamos morrer. Falar da morte não é falar da morte é saber que há um fim, que precisamos viver com mais intensidade.
Mostra a sua careca dizendo que esta foi a língua da morte passando sobre a sua cabeça para dizer que ela virá. Diz que devemos ser orgulhosos das nossas cicatrizes. Busca empatia no público praticamente feminino dizendo que a celulite também é apenas uma destas cicatrizes da vida.
Voltando a questão do valor literário do roteiro, ele diz que quando os arquitetos fazem uma planta, os músicos, uma partitura já é uma obra, por que com o cinema seria diferente? O texto de Shakespeare já não é uma obra antes de ser encenado?
Por que se interessou pela literatura? “Tinha uma paixão enlouquecida pelas mulheres”. Precisava entender como resolver situações amorosas, diz ele.Conta que aos 13 anos montou Romeu e Julieta na escola e que este  personagem o ensinou a como tratar as mulheres. “A partir daí comecei a entender que a literatura era imprescindível”.  Acredita que esta possa contestar e transformar a realidade. Cita Paulo Freire.
Sobre como pensou em 21 gramas, ele diz que o filme se baseia em uma experiência pessoal. Uma membrana do seu próprio coração estava inflamada e, talvez, ele pudesse precisar de um transplante. Só imaginar viver com o órgão de outra pessoa já provocava muitos questionamentos. Depois, viu um atropelamento onde uma pessoa morreu. Viu quando o policial pegou o documento da vítima e tirou de dentro uma foto dele com uma mulher e uma menina e pensou que naquele momento aquelas mulheres teriam que viver sem aquele homem, sem aquele marido, sem aquele pai. (Neste momento, já sinto arrepios na minha própria pele e fico feliz de que apenas palavras possam ter este efeito). Estas coisas, ajudaram a criar 21 gramas. Quanto a sua estrutura surgiu da observação de que o passado nunca vêm de forma ordenada.
E o cinema produzido com elenco virtual? “Não gostaria de atores virtuais, assim como não acho interessante sexo virtual”.
 “Estamos cada vez mais vinculados a seres não reais ou se são reais não são presença de carne e osso. A função da arte é devolver a cada um dos sujeitos seu valor como pessoa”.
Arriaga conclui dizendo: “Todo o escritor precisa de ajuda. Não quero que os meus livros morram. Por favor, me ajudem a completar os cinco anos que levei para escrever.”
Impactante. Como já disse antes, fico extremamente satisfeita de que as palavras, as quais sempre me dediquei, tem o poder de mexer tanto com a gente. Provocar novos sentimentos e, por que não, atitudes. Arriaga me deu a sacudida interna de que estava precisando. Aliás, acho que fez isso com toda a sua platéia. Minha nova amiga diz algo que define a impressão que tive: “ele parece uma pessoa amorosa”. Saimos as duas comentando nossas vidas e incertezas. Mais uma vez, ela me dá uma carona em seu fusquinha, me deixando na porta da frente. Ainda bem que sei aproveitar estes momentos com a intensidade que eles merecem. Serei mais feliz quando conseguir parar de temer a reação alheia e ir naturalmente ao encontro daqueles que me são verdadeiramente importantes sem medos, quando não for mais “desconcertante rever o grande amor”.
(continua...)

Tuesday, October 27, 2009

Entre o paraíso e o inferno

Segundo dia de Jornada. O tema: Jornalismo, cinema e internet. Quem me conhece sabe, discutir estas três coisas juntas com gente talentosa e competente? Tudo indicava que seria o paraíso. Até chegar lá e sentir o calor do circo. Tinha esquecido o que era ficar dentro de uma lona daquelas. Logo eu que jamais me agasalho e estou sempre esbaforida. Pensei em me abanar com um bolo de papel que tinha na mão, mas, ia ser desgastante. Resolvi usar minhas práticas de yoga para abstrair a temperatura e registrar o que estava sendo dito.

Antes da abertura do painel, mais algumas manifestações dos organizadores e dos responsáveis pelo evento. Logo em seguida, o apresentador diz que vai falar sobre as “grandes estrelas desta tarde”. Acho a imagem engraçada... Pensar em Ricardo Silvestrin como uma estrela ou mesmo Jorge Furtado que conheci no início de sua jornada no cinema é estranho para mim. Mesmo que eu seja uma das primeiras pessoas a reconhecer que ambos merecem todo o crédito que recebem.

Ignácio de Loyola Brandão pega o microfone e já recebe o carinho da platéia. Começa a dizer que ainda não sabe o que vai cantar este ano (pressuponho que ele tenha cantado em outros), mas que estão se preparando. Fala que já chegou a pessoa que vai ensaiá-los: Vanuza, fazendo referência ao fiasco que a cantora fez no Congresso. Humor meio negro para o meu gosto. Em seguida começa a contar uma história com a qual me identifico. Diz que a matemática o perseguiu, o torturou e quase o destruiu, mas um professor conseguiu ver o potencial que ele tinha. Diz que deixou para o último dia fazer sua matrícula e que na fila do clássico, voltado para as áreas humanas, tinha 80 pessoas e que na fila do científico, das áreas exatas, apenas 4, então acabou se inscrevendo neste. Ficou cinco anos fazendo algo que era para ser feito em três: “Porque tudo que eu faço, faço bem.” Em 1956, com 20 anos, estava em Araraquara e tinha um exame oral da disciplina que tanto temia. Segundo ele, o professor havia perguntado: “De quanto você precisa?” E ele: 9,7. Nesta situação, o professor sugeriu que ele fosse para o tudo ou nada. E disse que ele devia fazer uma equação. Para Loyola podia ser hieróglifo ou aramaico que daria no mesmo. Mas, segundo ele, a platéia estava formada por lindas meninas e ele pensou: “tudo menos a vergonha”. Começou, então, a escrever todos os símbolos matemáticos que vinham a sua cabeça até chegar ao símbolo do PI. Conta que tinha um cara fazendo o teste para física e que ele pediu mais espaço para que ele pudesse continuar escrevendo a sua equação. Colocou um resultado: 540 cdq (como queria demonstrar) e jogou o giz em um gesto teatral. Sua nota? 10. E não acreditando no resultado, questionou o professor que teria respondido: É 10. 10 pelo delírio, 10 pela loucura, 10 pela imaginação, terminando por dizer: Vai embora. Ignácio, o seu mundo é o da fantasia! Acho que não preciso comentar o quanto de performance tem nesta fala, não é mesmo? Bem sucedida, diga-se de passagem.

Fernando Molica jornalista e escritor foi quem começou a falar do tema do Painel, dizendo que há sempre os apocalípticos, mas que as coisas vão se reiventando e a cada meio que vai sendo criado, vamos encarando novos desafios. Para ele, a internet retira o monopólio da fala. Nunca, diz ele, a humanidade foi tão produtora de informação. “A gente ainda não sabe como isso vai evoluir, mas não implica em um fim. Observou que, em tese, a jornada é arcaica, que aqueles “encontros” poderiam estar acontecendo de forma virtual, mas que precisamos de contato. (Nesta hora, pensei que estar em algum lugar com ar-condicionado, acessando aquele circo pela internet não seria má idéia.) Seguiu dizendo que a tecnologia por si só não é nada, somos nós que produzimos o seu conteúdo. Lá pelas tantas, foi falando apenas dos seus livros e acabou com um tom meio de propaganda. Queria mais.

A palavra foi para Guilherme Fiuza, autor de Meu nome não é Johnny, não o filme, o livro! Também jornalista. Fez justamente os comentários que eu gostaria de fazer. Sobre o tamanho da jornada e sobre a logística que um evento deste porte exige, elogiando a capacidade empreendedora da coordenadora. Claro que ele falava com muito maior conhecimento de causa, pois foi contatado pela mesma para tratar da sua estada ali. Foi bastante humilde (ou realista?) ao dizer que é tão chamado para falar de cinema que ou vai se transformar em um especialista ou o Brasil vai acabar percebendo que ele não entende nada do assunto. Talvez, até tenha feito este comentário considerando a presença de Jorge Furtado no Painel. Mas este quando começou também não tinha tanto conhecimento e sei que Giba Assis Brasil, seu parceiro cineasta, também não. A fonte é garantida. Sua própria mãe me contou os primeiros passos do filho quando surrupiava os vasos da casa que só iam aparecer sendo estatelados em alguma cena na “obra de arte” do filho. Bem, mas voltando a Fiuza, ele relatou toda a sua experiência enquanto jornalista que queria escrever uma reportagem que não cabia em qualquer veículo de comunicação. Foi quando procurou Estrella dizendo que queria contar sua história, mas esperando que esse dissesse que não aceitava. Este, no entanto, topou. Livro publicado, produtores de cinema começaram a procurá-lo dizendo que ele havia escrito um roteiro de cinema.

Seu relato me fez refletir justamente neste momento em que vivemos de conexão das mídias: uma reportagem, que vira um livro, que vira um filme. Acho que está na hora de aceitarmos isso com mais naturalidade. Fiuza falou também de sua experiência com os blogs. Dos temores das pessoas de que estes venham a substituir o jornal, coisa na qual ele não acredita. Mas afirma que estamos tratando de algo poderoso e teve provas disso no seu primeiro blog quando podia ou não aprovar os comentários dos seus textos publicados na internet, mas não conseguia encontrar um critério adequado. Os que elogiavam seriam publicados. Não colocar nenhum dos que criticavam seria ridículo. Acabou deixando passar tudo. Diz que acabaram xingando até a sua mãe. Mais tarde, quando a Revista Época o convidou para fazer um novo blog, voltaram a discutir os tais critérios e, mais uma vez, acabaram não fazendo nenhuma censura. Assim, surgiam campanhas pessoais contra ele. “Um negócio orquestrado”. Ele decidiu ver até onde ia dar e acabou percebendo que, não reagindo, as tais campanhas foram desaparecendo e as mesmas pessoas que o haviam criticado severamente, começaram a publicar coisas muito coerentes, lúcidas, pertinentes. A conclusão a que ele chegou é que o público não quer mais ser passivo.

Fiuza acredita que a partir das manifestações em blogs, os autores podem acabar partindo para sua própria produção de conteúdo, pois observava que, às vezes, os textos postados eram até melhor fundamentados do que o dele. “Estamos diante de um desafio. A única saída para este flagelo do álcool e das drogas é estes alunos verem a possibilidade de se expressar. Dá espaço para tanta gente ser alguém? Acredito que sim.” O jornalista vê tudo isso sem saudosismo e olha para o futuro de forma otimista. Defende que os produtores de conhecimento devem dar importância para a simplicidade. “A arte intangível perdeu a graça. Não há mais espaço para o fetiche do saber”.

Chegou a vez de Jorge Furtado. Já o vi falar muitas vezes, menos do que gostaria, pois ele sempre parece à vontade diante da platéia e qualquer aparição sua se transforma em uma conversa com o público, como se a gente estivesse na sala de casa ou na mesa de bar. Bem, quem sabe um dia... Então, ele começa falando da foto do livro que acabaram de distribuir sobre o Plano Nacional do Livro e Leitura, onde tem um jegue que transporta livros e faz referência ao livro burro que havia na Colômbia e de uma história do desaparecimento do livro Odisséia que havia interessado o povo porque este se identificava com a história. Furtado diz isso para corroborar sua afirmação de que o livro não vai morrer. Diz que gostaria de discordar dos que falaram antes dele, para a conversa ficar mais divertida, mas que não conseguiu. Sim, a arte não é substitutiva, é cumulativa. Dito isso, traz à tona outra questão: a discussão entre realidade, verdade, fato, ficção. Fala sobre o livro Robson Cruzoé cujo autor acabou enganando seus leitores que achavam que aquela história era verídica, pois até então não se usavam nomes próprios nos romances. Comenta que há uma demanda pelo realismo no cinema. Relembra o primeiro filme dos irmãos Lumière que era a saída de uma fábrica. Mas chama a atenção que, embora possa parecer um documentário, os empregados não estavam vestidos como sempre, assim como houve uma certa coordenação do tempo.

E o diretor de cinema pergunta: e qual é o limite? Segundo ele, o trato que nós fizemos. Diz ele que ao ver o telejornal não quer ficção, quer os fatos. Ao mesmo tempo em que fala em verdade e logo se questiona sobre o significado desta palavra. Bem, como jornalista, entendo o que ele quer dizer, esta necessidade dos fatos, das provas, da coerência das informações. Mas acho que na sociedade do espetáculo em que vivemos é uma luta inglória esta. É quase como pedir para ser enganado. Particularmente, acho que não tem mais como sermos tão severos em relação a isso. Temos que filtrar as coisas que nos chegam. Avaliar, ver o que nos serve e descartar o restante. Se vamos começar a tentar comprovar tudo que é dito ou divulgado não sobrará mais tempo para nada em nossas vidas e está aí algo que já anda bastante escasso. A própria história contada por Furtado comprova isso. Ele falou sobre uma notícia engraçada (?) sobre um Picasso que estaria às traças no INSS que foi divulgada em importantes jornais do país, mas que bastou alguma atenção para perceber que não condizia com a verdade. O quadro, a Mulher em branco, era apenas uma cópia. Tratada como obra rara. O diretor bem que tentou avisar os “seus colegas” do engano, mas de nada adiantou. Ao contrário. Estes reforçaram o engano, entrevistando a filha do Picasso, noticiando, anos depois, que a obra havia escapado de um incêndio. Até que ele conseguiu chegar o mais perto da verdade: o quadro havia pago uma dívida com a União e era melhor deixar a história por isso mesmo.

Esta, aliás, é uma história leve se considerarmos todas as “fraudes” que o meio virtual permite. Mas adianta acabar com a internet para dar um fim a isso? Claro que não e nem Furtado estava falando disso. “Nunca fui tão bem informado”. Diz ainda que a gente tem que ler, inclusive, quem discorda de nossas idéias, ter que ler de tudo.

Pronto. Tua vez, Ricardo. Ele começa falando que ficar para o fim é um problema, pois ele já havia feito três palestras na sua cabeça. Disse que ia fazer algo habitual: começar com um poema.

“Não me pergunte pra que serve a arte,

Se você sabe.

Antes de nascer você já sabia.

Se alimentava de arte pelo cordão umbilical

se não, como você conseguiria

atravessar nove meses sem respostas

as suas perguntas?

Ritmo é a resposta

no som submerso

Só a melodia da fala que nada dizia

uma entonação,

uma dança

das mãos sobre o ventre

em que você dormia.

Desde que nasceu,

sem arte, que você sabe

como ninguém para que serve,

ser arte, pra que a vida serviria?

Para mim, ele já nem precisaria dizer mais nada. Podia levantar e ir embora. Mas daí eu perderia ver alguém dizendo algumas das coisas que eu tenho repetido no último ano e meio. Por que este espanto com a tecnologia? A mídia e a tecnologia acompanham a arte desde o início dos tempos. Silvestrin (é engraçado para mim chamá-lo pelo sobrenome), segue explicando, dando exemplos de como a “tecnologia” influenciou a língua, os versos, a recepção, a produção. A palavra que ocupava o papel até pouco tempo atrás e que agora ganha movimento, foto, som. Vai dar certo? Vai ficar legal? Esta é a verdadeira (olha a palavra aí de novo) questão. Além do calor que fazia no circo, as palavras deste poeta-autor aquecem ainda mais o ambiente literário: “Não basta dizer que as pessoas têm que ler. É preciso discutir: ler o que?” Usa uma expressão que me faz voltar aos anos 80 quando nos reuníamos quase todos os dias: “Tem bananices? Claro! Há livros que é melhor o cara nem ler!” Interrompe o que estava falando para fechar um botão da camisa. Compulsão? Algo que nos mostra que o poeta afinal é um simples mortal (mas, pode acabar imortal)? Fala dos seus blogs. Sim, porque para alguém com tantas inquietações apenas um não basta. Também faz referência aos discursos apocalípticos. O papel vai acabar? Para mim se não acabar o papel higiênico já estou feliz!” Ah, Ricardo, sabia que um dia teu senso de humor transbordaria nos teus textos e nas tuas falas.

Comecei a ver Sergio Leo falar. Outro jornalista, atual escritor que ganhou o prêmio SESC de literatura. Não vi até o final. O calor, as idéias foram me deixando sem condições de receber mais informações. Talvez, Fiúza tenha razão ao dizer que se o leitor não abandonar a leitura até o final do parágrafo ele é um herói. Registro apenas uma fala de Leo que me chamou a atenção até eu sair: “Todo relato é uma interpretação. Às vezes, o repórter pensa que está fazendo jornalismo e está fazendo ficção”. Como jornalista já vi isso acontecer muitas vezes. Por falar nisso, o que faço aqui é um relato ou ficção? Confesso que estabelecer esta divisão não me interessa muito. Sim, tento ser fidedigna as palavras. Anoto o máximo que posso. Mas dou ênfase aquilo que me interessa. Recorto aquilo que não desejo. Enfatizo trechos com os quais concordo e vou recriando sob a minha ótica o painel de hoje à tarde da Jornada de Literatura. Por quê? Porque como todos os seres conectados do mundo de hoje sinto necessidade de compartilhar idéias e experiências.

Não fiquei para o show dos Poets. Não fiquei para a palestra às 20h de Marcelo Dantas. Mas deixei uma multidão lá para assisti-los. Troquei estas atividades pelo jantar em uma galeteria da cidade com os parentes que me hospedam neste momento. Gosto de ver minha mãe contando para eles as histórias da família e lá pelas tantas começar a botar água no vinho e pedir para que eu alcance os alfinetes , leia-se palitos.

Uma jornada noite a dentro

Há muitos anos tinha vontade de vir à Jornada de literatura de Passo Fundo. 13 para ser mais exata. Mas nunca me organizava para tal ou acontecia algo na época que me ocupava e acabei não vindo. Este ano, os organizadores anunciaram que trariam Pierre Lévy e como este autor faz parte do meu trabalho de mestrado parecia que estava aí o empurrãozinho que faltava. Fiz minha inscrição e a Jornada acabou sendo prorrogada. Lévy veio antes à cidade e fez uma palestra. Só fui saber depois. Mas como já tinha pago e o tema era Arte e tecnologia – novas interfaces pensei que poderia ser interessante de qualquer forma.

Hoje era o primeiro dia do evento. Assim, peguei um ônibus para quatro horas de viagem para ficar na casa de parentes. Minha mãe veio comigo, pois, são pessoas ligadas diretamente a ela. Uma tia avó minha morava aqui. Vim muitos anos quando era pequena. Algumas lembranças ainda são fortes na minha memória: o fato dela matar galinhas no pátio e preparar com um gosto que ainda esta na minha mente, o medo que senti quando, em uma época de páscoa, ouvi barulhos em uma casa estranha para mim e pensei que era o coelho, a massa de pastel que ela fazia, o som dos grilos no mato em frente e seu neto dizendo: - mas, será o pé do cabrito! Bem, o que quero dizer é que sempre foi divertido vir a esta cidade. Logo de cara, reconheço a estátua de Teixeirinha e vem na minha cabeça a letra da música: “sou gaúcho lá de Passo Fundo e trato todo mundo com o maior respeito”. Mais lembranças. Dos primeiros filmes que assisti na vida eram feitos por ele.

Chegada a hora do evento, depois de ter sido tão gentilmente recebida pelos parentes que foram nos buscar na rodoviária em um carro de luxo como eu nunca tinha visto igual, ganhei uma carona neste mesmo veículo até a Universidade. Comecei a procurar o local. O movimento já era grande. Veio, então, o primeiro impacto: a entrada no circo. Já tinha lido a respeito, visto fotos. Mas não podia imaginar. É uma estrutura linda e ao mesmo tempo de uma simplicidade maravilhosa. Arquibancadas e cadeiras de plástico que aos poucos vão sendo ocupadas por uma multidão (infelizmente, não sei calcular públicos). Ainda remexendo a memória, vejo Ricardo Silvestrin que foi alguém muito importante para mim quando eu tinha 18 a 20 anos. Com tanta gente já no circo e acabamos em filas próximas e ele na minha linha de visão. Sabia que ele estaria aqui, pois, li seu nome na programação, como autor, como debatedor, como integrante da banda Os Poets que fará uma apresentação. É, Ricardo... Sonhávamos com este reconhecimento, tu agora já o tens de sobra. Perguntei alguma coisa para a menina que estava na minha frente. Ela foi bastante gentil, me contou que já veio há várias edições e até já trabalhou na Jornada algumas vezes. Lá pelas tantas me disse: tu vais te emocionar com o que acontece aqui.

A coordenadora do evento Tânia Rösing fala que estamos em um templo de celebração, da vida, da solidariedade. Comenta que houve uma crise mundial que chegou ao Brasil. Falou das empresas escondendo seus lucros para não investir na cultura e depois ainda veio a gripe suína. Ou seja, tudo que tentou impedir ou prejudicar a realização da Jornada que antes tratava do binômio: educação e cultura, mas que, agora, estava sendo transformada em um trinômio: educação, cultura, tecnologia para integrar os neo-leitores. A coordenadora foi ácida na sua abertura, mas agradeceu aos amigos, sem os quais, segundo ela, nada disso teria sido realizado. Pediu também aplausos para os trabalhadores anônimos que construíram a tal estrutura da qual já falei. Interessante esta lembrança. Dá, para mim, o tom do encontro. Ela diz que quer fazer um registro: “não tivemos a Lei de Incentivo à cultura”. Por favor... Como pode? Para encerrar fala da letra da música tema desta edição com o estribilho: “cai na real, a nossa vida é virtual”, letra do homenageado deste ano Pedro Bandeira que só hoje fui saber que é ator, diretor e jornalista. Ou seja, muita coisa em comum comigo! Ok. Ele é autor, mas há quem diga que eu também ainda serei, então...

Logo depois vieram as verdadeiras palavras de abertura. Tânia Rösing diz: “respeitável público...o circo da cultura se abre e o espetáculo vai começar. É a hora do grupo Tholl. Sei que tem gente que acha que eles são uma cópia mal feita do Cirque Du Soleil. Discordo. Acho fascinante este trabalho do grupo, a origem humilde de vários integrantes e o colorido dos figurinos e toda aquela movimentação no palco, fora as habilidades circenses, é claro! Confesso que não gostei muito das músicas. Muito americanizadas para o meu gosto. E nestas horas surge aquela questão da necessidade de optar pelo “ao vivo” ou pela melhor visibilidade nos telões! Sim, as vigas do circo ficam cortando o palco. Nem todo mundo tem uma boa localização. Muitas entradas e saídas e aplausos um a um para todos os integrantes do grupo. Nesta hora já comecei a olhar o relógio para calcular que horas deveria terminar. Afinal, ainda não sabia como chegaria de volta “em casa” em uma cidade que não conheço.

Um coro aparece para cantar algumas músicas, enquanto eles organizam o palco. “Talvez, eu seja simplesmente um sapato velho, mas basta você me calçar e eu aqueço o frio dos teus pés”. Vamos cantar o hino entusiasticamente e com respeito, pedem os apresentadores. Ai,ai,ai, se precisa “orquestrar” a platéia é porque as coisas não andam lá muito bem, não é mesmo?

De repente, no palco 16 “autoridades” e TODAS irão falar. Meu Deus! Eram 21h45. Ao menos o limite para cada um era de dois minutos e eles quase obedeceram e, em sua maioria, falaram coisas interessantes. Mesmo assim, vou registrar algumas palavras do Ministro da Educação Fernando Haddad que falou pouco, mas, falou bem (além de ser bonito). Começou com uma piadinha, dizendo que Beto Albuquerque tinha muita influência na presença dele, pois havia dito que participaria de um número do Tholl. Mas logo partiu para as informações que os organizadores do evento deveriam estar querendo ouvir: “A Jornada precisa estar no calendário de eventos do orçamento do MEC.” Disse também que esta merece um apoio institucional perene independente de quem está nos cargos políticos. Logo depois da sua fala, os apresentadores disseram que o Ministro não ficaria para o evento, retornando para Brasília. A platéia disse: Ahhh....Lastimando a sua saída. A mesma platéia, aliás, que vaiou Mônica Leal quando disseram que ela representava a Governadora Ieda Crusius.

Ainda houve assinaturas, entrega de prêmios pelos concursos de contos, livros... A estas alturas eu já ansiava pela palestra de Win Veen, intitulada: Homo Zappiens. Mas antes preciso comentar a homenagem feita a dois escritores que não puderam estar presentes, pois foram vítimas de doenças que os levaram a morte. São eles Roberto Zanatta de 10 anos e Pedro Albuquerque de 20 anos. O primeiro escreveu três livros no seu último ano de vida e o segundo, filho de Beto Albuquerque, um livro de quase 500 páginas também no mesmo período. Tânia Roosing relembrou os dois emocionada e emocionando, chamando a família destes ao palco.

Ainda vou falar da palestra que me levou ao circo, mas finalizo esta primeira parte, dizendo que a menina que me disse que eu me emocionaria estava certa. Não só por causa destas homenagens, mas por constatar que eu estava presente em um evento daquele tamanho, seja pela quantidade de convidados, pelas estrutura ou pelo público, mas por ser um evento voltado para a cultura. Nunca tinha visto nada igual. Já participei de eventos maiores, mas voltados para os negócios, como a Expointer onde coordenei a central de imprensa ou outros organizados pela Procergs visando às empresas. Pensar que tudo aquilo era ligado à educação, a leitura, às pessoas acabou mexendo mesmo comigo. São nestas horas em que a gente não só imagina que as coisas possam ser diferentes, elas são. Não é à-toa que a platéia é tão afetiva com a coordenadora. Eu que mal a conheço senti orgulho de estar perto de alguém com esta garra.

Win Veen – uma espera que valeu a pena

Uma pena que as pessoas não tenham resistido a tantas atividades e o avançado da hora tenha feito o público diminuir consideravelmente. Não tenho dúvidas, porém, que quem ficou não se arrependeu. Ele veio da Holanda (o que mostra a força do evento). É coordenador da área de educação e tecnologia da Universidade de Tecnologia de Delf. Uma figura de fala tranqüila e entusiasmada e, apesar de um certo nervosismo da tradutora logo no início, estou certa de que disse coisas bem claras. Ou seja, falou de um assunto extremamente complexo com simplicidade. Algo que só os especialistas conseguem fazer. (Sempre digo que não sei inglês, mas, nestas horas vejo que consigo confrontar a fala estrangeira com a tradução).

Veen começou dizendo que, hoje, com apenas três anos as crianças já estão em contato com muita tecnologia. Aos oito, á tem celular e aos 11 já estão jogando Play Station 3. Afirmou que o que os diferencia das gerações anteriores é que são eles que têm o controle do fluxo de informações. Fez questão de dizer, várias vezes, que não estava falando do futuro, mas, do presente. Apresentou um vídeo em que uma família “convivia” com um bicho de estimação virtual. Falou que para os jovens de hoje, o contato com a tecnologia começa às 6h e termina a meia noite e que neste tempo existem apenas dois períodos em que eles não estão usando mídias. São aqueles em que eles estão na escola. Disse que estes nunca lêem os manuais dos jogos e programas. Colocam o CD e já saem mexendo direto. Quando eles não sabem continuam não recorrendo aos manuais. Pegam o celular e ligam para alguém que possa saber a resposta. “A geração atual está integrando os meios físicos e virtuais e não vêem diferença entre eles.” Para estes aprender é igual a brincar. Quanto as razões para este interesse todo pelas tecnologias, o palestrante destacou: você escolhe, você decide, você cria. Reafirmando que as pessoas da nova geração querem estar no controle. Mostrou avatares que são, praticamente, reais. Aliás, impactante a imagem real de uma moça comparada com a imagem virtual. Não há como distinguir uma da outra. Acho até que há de ter pessoas que pensem que a real é a virtual e vice-versa. Falou que utiliza estas tecnologias para realizar entrevistas com candidatos virtualmente, para fazer conferências. “A tecnologia está progredindo” e para mostrar como apresenta o que ele chamou de livro moderno. Um vídeo no qual um leitor abre o que se assemelha a páginas de um livro, mas, toca nas fotos para ampliá-las, clica em vídeos para obter mais informações e som, tudo em 3D, usando um óculos que, hoje, está custando 300 euros. Não é ficção. É um livro da universidade na Holanda. Veen explica que os leitores constroem conteúdos e tem acesso a uma realidade “aumentada”. “Nós usamos a internet para pesquisar, baixar textos e vídeos. Esta geração a usa para compartilhar conhecimento.” Saem de uma realidade representativa para uma realidade participatória. Explica que todo mundo está colocando algum conteúdo na internet e que com isso estamos construindo conhecimento. Lembrou que existem pessoas que temem tudo isso, dizendo que as pessoas aprendem superficialmente, ficam colando e copiando conteúdo, que falta disciplina e concentração e pergunta: “mas o que eles estão fazendo exatamente?” Para ele a resposta é: múltiplas tarefas nas quais são estimulados por ícones e não por textos, acessando uma informação descontinuada e afirma: “a web não é para ler, mas para agregar.” Diz ainda que o processo de aprendizagem não é linear. “Escolas são lineares, livros são lineares. Os livros terminam sempre do mesmo jeito. No jogo você está imerso.” Segundo ele, as crianças desenvolvem habilidades diferentes de antes quando apenas internalizavam conteúdos. Hoje, eles compartilham conhecimento. Aos 21 anos, diz ele, a pessoa já terá jogado vídeo-game por 20 mil horas, assistido a 80 mil horas de TV e a 5 mil horas de leitura no micro. Com tudo isso vão adquirindo habilidades diferentes das gerações anteriores. Aos 38 anos, segundo Veen, o indivíduo já terá passado por 15 empregos diferentes.

E escola? Hoje, diz Veen, ela reprova um aluno que tenha baixas notas em matemática ou inglês. “Isso provoca a destruição do capital intelectual”. As escolas precisam se adaptar ao aprendizado individual. Ninguém aprende do mesmo jeito. Não há uma mesma medida para todos. Aprender de forma digital é diferente. Para ele, os professores precisam se prepara para estes novos papéis, serem inspiradores, motivadores, transformadores da teoria na prática e, principalmente: observadores de talentos. Ele observa que na maioria das escolas os professores enfatizam o que os alunos não sabem, o que erraram, nunca o que é certo, nunca destacando as competências. “Na Holanda este processo já começou. Estamos nos defazendo dos livros didáticos. Tudo isso não é sobre conteúdo. É sobre comunicação. Os professores têm o poder de adotar a tecnologia e criar uma nova escola.”

Pena que já fosse tão tarde e não tenha havido debate. Até porque estavam no palco para isso Alcione Araújo, Ignácio de Loyola Brandão e Júlio Diniz que mesmo que não fossem discordar do palestrante acredito que trariam contribuições importantes.

Na saída, enquanto penso como voltar para a casa dos meus parentes, a menina do início vem falar comigo e me oferece uma carona. Pede desculpas, dizendo que o seu carro é simples. Entro em um fusquinha e volto para casa feliz com este primeiro dia e noite de Jornada.

Thursday, October 15, 2009

Dia dos meus pais


Dia dos professores sempre foi uma data comemorada na minha casa. Pelo menos, um parabéns,  logo cedo,  sempre pintava.  Quando nasci meus pais já estudavam com a pretensão dar aulas no futuro. Éramos quatro filhos e minha mãe se desdobrava para ir a Aliança Francesa fazer seu curso. Meu pai, além do trabalho, ia para a Universidade. Física? Matemática? Não sei. Ele fez as duas. Depois, quando fui para a minha primeira escola, eles já lecionavam lá. Fui até aluna da minha mãe que, por sinal, depois de fazer algumas advertências para que eu ficasse quieta, acabou me colocando para fora da aula. Foi a única vez em minha vida que fui expulsa e logo pela minha mãe! Assim, cresci sabendo que estudar era coisa séria e que dar aula exigia muito tempo e dedicação. Talvez, seja importante dizer que ambos amavam o que faziam. O emprego no Banco do Brasil do meu pai foi sempre para sustentar a família, mas, onde ele se realizava era desafiando os alunos a aprender matemática de um jeito diferente.
Minha casa sempre foi cheia de livros. Durante os momentos em que estávamos juntos os assuntos discutidos eram os mais diversos... cultura, política, economia e, é claro: educação. Lembro de acompanhar minha mãe em alguns movimentos grevistas, de ir até um acampamento na praça da Matriz, de discutir as propostas e reivindicações desta categoria tão maltratada neste país. Tudo isso era normal para mim. Rotineiro. Só muitos anos depois, uma amiga chamou minha atenção, dizendo: “- Aqui na tua casa, vocês sempre debatem tudo. Na minha, só falo com meu pai para pedir que ele me passe a manteiga.” Vejam só...Eu pensava que todas as famílias eram assim. Acredito que venha daí este meu jeito questionador.
Minha mãe amava a língua francesa. Amava? Ainda é completamente louca por tudo que se relacione a este país. Até hoje, ela diz que quando morrer vai para a França. Com todo este entusiasmo ela acabou representando a classe na Associação de Professores de Francês do Rio Grande do Sul, o que lhe rendeu um importante título oferecido por aquele país: as palmas acadêmicas. Ah, minha mãe poderia também dar aula de inglês. Estudou sozinha e fez as provas que eram exigidas na época para obter o título de professora também desta outra língua estrangeira, mas, nunca quis fazer isso. Não ia ser com a mesma paixão.
Nunca tive aula com meu pai, ou melhor, até tentei algumas aulas particulares (eu bem que precisava), mas, que quase sempre acabavam em briga. Eu não entendia nada e não tinha paciência com seu jeito calmo e tão interessado por todos aqueles números e fórmulas e ele também ficava meio irritado com o meu desinteresse por algo que era tão fascinante para ele. No entanto, muitos alunos adoravam a maneira irreverente dele dar aula. Seus enigmas, suas histórias sobre o Sherlock Homes, o personagem que ele criou chamado o homem de cinzento, as gincanas que ele promovia na escola, etc, etc, etc. Idéias estranhas. Muitas incompreendidas que se transformaram hoje nos Jogos Boole e que vêm recebendo aceitação de educadores em todo o país (depois de terem sido reconhecidos pelo Governo Francês). Não raro, minha irmã psicopedagoga ouve os professores dizerem: teu pai era um gênio!
Hoje, o dia vai ser ainda mais comemorado do que de costume. Vamos receber aqui em casa a Lilia Rodrigues Alves. A fundadora e diretora do Instituto Educacional João XXIII da época em que meus pais estavam lá. A idéia surgiu depois que ela fez um contato com a família para dizer que lamentava a morte do meu pai. Foi neste momento que minha mãe teve a oportunidade de dizer que graças a ela ele pode desenvolver o trabalho que tanto amava. Ela deu liberdade para ele fazer inúmeras atividades naquela escola que poucos administradores escolares permitiriam. Eu, que conhecia as idéias do meu pai, apelidado de Professor Pardal, sei que não deve ter sido fácil não temer que aquilo tudo acabasse em reclamações dos pais ou dos próprios alunos. Esta atitude compreensiva e incentivadora desta diretora não foi apenas com ele, mas, com vários professores e alunos daquela escola. Por isso, ela será homenageada e o fato de ser aqui em casa só faz parte de um histórico da minha família, no qual esta profissão sempre teve muito valor.

Obs: Lilia Rodrigues Alves ainda não sabe desta comemoração. Mas, não acredito que ela acesse meu blog até hoje à noite.

Monday, October 12, 2009

Perdas e ganhos

Passei meu primeiro aniversário sem meu pai. No momento, não estou com muita vontade de falar sobre isso.
Passei meu quarto aniversário sem meu irmão. São muitas lembranças e uma delas é que ele gostava de escrever poesias. Escreveu textos que eu achava lindos e que nunca foram publicados. Vou fazer isso por aqui de agora em diante e começo por um bem curtinho:

"Os amores-perfeitos desabrochavam assustados com as bocas-de-leão." João Alfredo Mello Neto

Mas, nem tudo foram perdas. Tenho feito novos amigos. Tido novas experiências. Vivido outras emoções. Queria as pessoas que perdi de volta, é claro! Mas, ganhei outra percepção da vida nos últimos tempos com as ausências que se fazem tão presentes todos os dias e ainda mais em datas especiais.

Friday, October 09, 2009

Fazer mestrado é uma buena onda?*





Quanto mais coisas acontecem, menos tempo sobra para escrever sobre elas. De qualquer forma, não gosto de deixar o blog tão desatualizado, então, acabo me cobrando uma paradinha por aqui para registrar algumas coisas.

Estive em Montevideo apresentando meu trabalho no V Colóquio internacional de teatro. Eu e um bom grupo da pós-graduação da UFRGS. Ou seja, éramos plateia de nós mesmos. Pelo menos, tínhamos esta impressão. No entanto, teve um dia que fui a uma sorveteria na extensa rua 18 de julho e uma pessoa veio falar comigo dizendo que havia assistido a minha mesa sobre Novas Tecnologias em cena e havia gostado muito. Comentou que era da Bahia e que lá havia uma pessoa que falava sobre a crítica na dança. Aconteceu isso com outras pessoas também. Claro, pelo fato de não as conhecer não havia registrado suas fisionomias, mas, elas estavam lá e pelo jeito tiveram interesse no que eu disse. 

Foi um momento tão bom para mim, pois, era apenas a segunda vez em que fazia este tipo de apresentação. A primeira foi na Jornada da UDESC e agora já era em outro país e no Solis, um templo do teatro internacional. Coisa boa!
Confesso que do conteúdo de todas as ponencias do colóquio não ficou registrado muita coisa. Muitas informações e a dispersão própria de uma viagem tornaram isso menos importante. Se valeu a pena? Muito. Foram dias extremamente interessantes, de muitas conversas, muitos passeios, muita comida. Algo que ajuda a tomar fôlego para o trabalho que ainda tenho pela frente antes da minha defesa e que me garante que este caminho de discussão dos temas teatrais quero, realmente, percorrer. 

Ri muito. Emocionei-me algumas vezes. Senti medo em outras. Afinal, voltamos justamente na segunda-feira, quando Porto Alegre passava por um “Tsunami.” Dias condensados de atividades, novidades, experiências, pensamentos e reflexões. A convivência com os colegas também foi bacana, mesmo que tenha feito lembrar a frase de um texto do meu irmão sobre os amigos: “não me contentaste sempre, mas isso também nem eu”. Uma única frase repleta de verdade. São assim as relações.

O contato com outra língua, outros costumes, outras comidas, outras paisagens enriquece nossa percepção e isso é algo que sempre valorizei. Adoro viajar e, felizmente, gosto de voltar também. Assim, estou sempre feliz. Estava lá, enquanto percorria as ruas da capital uruguaia e estou aqui cercada das coisas que me são familiares. É outro tipo de satisfação, mas, nem por isso menor.

Foi o mestrado que me trouxe a oportunidade de conhecer estas pessoas que têm afinidades comigo. Foi o mestrado que me deu a oportunidade de viajar agora para Montevideo. Dá trabalho? Claro. Faz a gente sentir uma insegurança que achávamos que já estava completamente superada? Não tenho dúvidas. Mas, também, traz vantagens que não imaginávamos que teríamos enquanto respondíamos aquelas questões da prova.

Um novo Edital está aberto www.ppgac.ufrgs.br
Quem sabe você também não se aventura?


·        * Expressão utilizada para indicar algo bacana, agradável.