Nem sei se o que tenho para dizer
do espetáculo de Zé Adão Barbosa vai servir de alguma forma. Mas ficar tentando
verificar a utilidade das palavras me parece ainda mais inútil quando se trata
de arte. Não li os comentários sobre o espetáculo Coração Randevú. Tive medo que me
tirassem as surpresas, interferissem em minhas próprias impressões. E foi assim
que cheguei a Casa de Teatro para ver o meu mestre.
Confesso que não há coisa melhor
do que ver alguém que a gente admira atuando. Nem pior. Ainda essa semana, comentava
que simplesmente detesto o “compromisso” de ter que gostar das coisas. Essa é
uma palavra que traz junto uma carga, um peso, um desagrado. Fui ver o Zé
porque queria, porque desejava ver em cena nem que fosse uma pequena parte de
tudo que aprendi com ele, pois muito antes de dar importância para o seu trabalho
como ator, diretor, eu o conheci como professor.
Já contei outras vezes que foi,
por acaso (se é que isso existe) que fui parar no teatro, levada por uma colega
de trabalho que iria começar uma oficina com ele. Ela desistiu. Eu me
apaixonei. E, hoje, só posso pensar que
tenha sido essa paixão comum que fez ele me acolher, me entender, me
incentivar. Assim, no final dos anos 90, passei a ver Zé Adão Barbosa todas as
semanas durante três anos. E não só a ver. Mas ouvir, entender, visualizar cada
gesto, cada palavra, cada movimento. E nunca foi chato, nunca foi repetitivo,
nunca foi rotina. Ao contrário, o compromisso da aula me fazia pensar por que
fazia aquilo, mas não houve um só dia que não saísse feliz, cheia de energia e
de vontade de sugar a vida. E é isso que vemos no espetáculo. Essa intensidade,
essa garra, esse desvario que persegue todo o artista.
Disse para o Zé, ao final do
espetáculo, que chorei todo o tempo. E ele disse que é porque é um espetáculo
que mexe com a memória. E ele não está errado. Mas é porque trazia a minha
lembrança a importância de tê-lo conhecido. De já saber de algumas histórias
que ele traz para o palco. Pela emoção de ter compartilhado algumas em minha
própria casa e por lembrar quem eu era antes e depois de tê-lo conhecido. De
voltar a sentir a emoção de vê-lo inteiro, expressivo, exposto, escancarado ao
contar a sua vida, ao mostrar como é possível tratar as palavras de forma tão
diferente só com a mudança de timbre, de intenção. Tal qual aquela vez em que
ele provou por A + B que podíamos dizer “nuvem” com leveza e alegria como
também com pesar, bastando para isso imaginar que essa impediria uma ida à
praia. Ou a tantas outras em que, acrescentando um “detalhe”, ele fazia
crescer, impactar a ação de um ator e foram tantos aprendizes que hoje estão
por aí...
Bem, mas tudo isso pode ser muito
pessoal e não convencer ninguém de que Randevú merece ser visto. Mas isso só para quem acha que Fernando
Pessoa não tem nada a nos dizer, quem não se interessa por poesia, por música,
por reviver tudo o que nos faz sonhar. Para esses não há encontro possível. Zé
Adão leva para o palco o que ele é, o que ele sabe, o que ele não sabe, com a
delicadeza e a firmeza que passou pela mão de Patrícia Fagundes e que enfrentou
as dúvidas, as certezas, as inseguranças desse artista, a quem eu só posso
agradecer pelo resultado, não só do trabalho mas pelo que sinto ela fez pela sua
alma.
Minha vida se divide entre antes
e depois de cruzar com Zé Adão Barbosa no meu caminho. Permitiu-me resgatar todas
as coisas que sempre tiveram valor para mim, provocou uma descoberta da minha
essência. Depois do Zé, fiquei ousada,
corajosa, sedenta. Dei destino a minha sensibilidade que, até então, tanto me
atrapalhara. Assim, nada melhor do que voltar a ver agora esse homem em cena.
Esse que considero meu amigo. Amizade que deixava meu pai, cuja relação fora
sempre tão difícil comigo, orgulhoso. Que também impressionara minha mãe, meus
sobrinhos (que também foram seus alunos), meu irmão (que já sei foi), ou seja, minha
família. Que passou a ser para ele: os Mello, sempre tratados com a delicadeza
que ele teve ao entregar a rosa do final do espetáculo para a minha mãe. Esse é o meu eterno professor, o homem que
mudou a minha vida e que, em cena, provocou emoções que só podiam me levar às
lágrimas.