Eu já havia visto Quase um tango
em duas ocasiões. A primeira na casa do diretor Sergio Silva, meu professor no
Departamento de Artes Cênicas em diversas disciplinas. A segunda, no Festival
de Cinema de Gramado quando tive o privilégio de subir ao palco com toda a
equipe que pode estar presente naquela noite. Para quem lá nos anos 80 começou
a frequentar o Festival e por décadas assistiu ao ritual dos diretores e elenco
apresentarem seus filmes já foi algo meio surreal. Um parceiro meu de trabalho
estava lá aquela noite fazendo fotos e eu até hoje não tive a chance de vê-las.
Não que a emoção dessa oportunidade não seja mais importante, mas quando a
gente vive situações que nunca pensou que aconteceria é sempre bom ter um
registro. Já disse em várias outras ocasiões que pouco apareço no filme e não
tenho nenhuma fala mas isso não tira a importância que dou em ter participado
de todo esse processo, desde o teste até a leitura do roteiro e o
acompanhamento das filmagens.
Não sei como é fazer filmes com
outras pessoas mas Sergio era generoso. Permitia que todos participassem das
etapas de elaboração do seu filme. Tivemos acesso ao projeto com todos os
custos que envolve uma produção destas, lemos o roteiro junto com o
protagonista Marcos Palmeira, vimos as cenas recém filmadas e até teve gente
que dava lá os seus palpites. Eu, além dos dias em que fui chamada para as
filmagens, pedi ao diretor para acompanhar a equipe outros dias, em outras
locações e achava tudo fascinante. Observava a mudança incrível que fazia uma
troca de luz, de algum elemento cênico ou da entonação de uma fala. Não, não
era Hollywood mas a Cidade Baixa. Não importa. Para mim, era especial.
Sempre gostei de contar que a
primeira vez que esbarrei no Sergio não gostei nadinha. Ele estava lá para
orientar os alunos na matrícula e me perguntou porque eu havia escolhido tão
poucas cadeiras. Eu respondi que não tinha condições de fazer mais devido aos
horários e perguntei se ele tinha alguma sugestão. Ao que ele me respondeu: faz
direito, ou então, jornalismo. Achei um desaforo. Respondi que direito não me
interessava e que eu já era jornalista. Depois disso, evitava fazer as
matrículas com ele até que acabei sua aluna. E, como a gente nunca lembra
direito quando uma amizade começa, também não sei quando começamos a perceber
que tínhamos um senso de humor parecido, uma ligação muito forte com a família
e um interesse pela literatura, pelo teatro, pelo cinema. Mas partiu dele a
aproximação maior, a abertura para que eu participasse de suas conversas com os
amigos até que eu também comecei a convidá-lo para vir a minha casa. Sergio era
inteligente, divertido, bem informado. O fato dele se predispor a essa
aproximação me deixava orgulhosa. Em um dos seus aniversários eu escrevi um
texto falando sobre o seu jeito de ser e ele me fez ler em voz alta na sala.
Mais tarde, me retribuiu com palavras gentis na apresentação que fez de mim
para o Programa de pós-graduação. Acho que eu nunca tinha sido tão elogiada
antes.
Hoje, ao rever o filme, não sabia
bem o que esperar. Afinal, eu já não sou mais a mesma e não tinha ideia do
impacto que rever aquela história causaria depois da partida de um amigo que
fiz quase sem querer. Junto comigo minha mãe, irmã e tias, bem como um amigo e,
aos poucos, fui entrando de novo naquela história que eu já conhecia, mas que,
agora, a sua ausência torna ainda mais importante. O filme é cheio de coisas
que o Sergio amava, do seu jeito de falar e de ver a vida. Assistir Quase um
Tango foi matar um pouco da saudade e comprovar mais uma vez que ele já não
está aqui mas que sua obra sempre estará. Seja essa que todos podem ver, seja a
que é só minha, que foi construída pelas nossas conversas, pelos seus
ensinamentos. Além disso, algumas cenas me remetem àqueles momentos das
filmagens, às decisões tomadas de última hora, às lembranças dos contatos com
todos aqueles que estão em cena e que de um jeito ou outro também cruzaram o
meu caminho. Algumas ideias colocadas ali em prática e que eu considero geniais
e que registram a sensibilidade do diretor. Aquilo que só a arte consegue fazer
com algo que faz parte do nosso cotidiano mas que não damos muita atenção. Lembro do Sergio falando que seu desejo era
contar a história de um homem comum, da vida que poderia ser de qualquer um,
com suas alegrias, tristezas, conquistas e perdas. Não há dúvida de que ele,
por ser alguém nada comum, conseguiu. Fiquei emocionada ao ver na tela tanto do
seu jeito. Percebi isso nas falas dos atores, nas imagens, nos cortes, tudo e
tive uma sensação incrível ao pensar que eu posso não ter concretizado coisas
que um dia quis, mas que nunca poderia imaginar que um dia participaria de um
filme. Ao ler meu nome nos créditos de Quase um tango minha única vontade é
agradecer a esse professor que não apenas me ensinou muito, mas me deixou
entrar no seu mundo.
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