No meu entender, o público tem sorte do Porto Verão Alegre ser quase um Festival Julio Conte. Afinal, na programação estão incluídos vários espetáculos desse diretor que teve a dádiva e a desgraça de ter feito Bailei na curva. Digo isso porque acompanho a cobrança que existe sobre ele de continuar fazendo algo no mesmo estilo. Porém, já faz tempo que ele demonstra que não pretende viver dos “louros” de um dos maiores sucessos do teatro gaúcho. Mas também é verdade (pelo menos a mim parece) que é, justamente, isso que permite que ele tenha o atrevimento de trazer para o público seus “experimentos”. E é assim que eu vejo Essa noite se improvisa. Não porque não seja acabado, porque seja menor ou mais simples. Muito pelo contrário.
Acho que não é preciso ser psicanalista para saber como é complexo misturar várias linguagens e deixar todas elas quase ao sabor do vento. Eu disse quase. Isso porque é clara e nítida a mão do diretor em tudo que acontece. E esta mão é firme e competente e ao mesmo tempo sutil. E eu acredito que não existam tantos diretores que tenham esta coragem, esta audácia de correr riscos todo o tempo. Tudo que é proposto pode, simplesmente, não funcionar ou funcionar hoje e ser terrível amanhã. Claro que sempre é assim no teatro. Só que Conte leva isso ao extremo.
Em teoria, o que ele propõe poderia ser extremamente chato e monótono: reproduzir cenas de filme no palco. Mas como ele não pretende deixar por menos, não é qualquer filme, mas Um bonde chamado desejo. Uma história conturbada, cheia de nuances, com personagens complexos e, cá entre nós, com um elenco que intimidaria qualquer um. No entanto, aquele grupo demonstra toda a sua disponibilidade e se coloca à disposição para aceitar o congelamento das cenas, o retorno, a inversão. Conte “brinca” com seus atores como alguém que tem o controle do DVD na mão e faz isso enquanto projeta as cenas do filme e as imagens da própria cena no palco. Mexe com o tempo e com espaço. As trocas dos atores que encenam personagens de outros sexos remetem a própria homossexualidade do dramaturgo americano e tudo isso acaba interessante e divertido.
Incita, também, a participação do público e de uma maneira que eu que entrei decidida a não fazer nada já estava repensando esta decisão. Mesmo que quem se habilite tenha alguma experiência, serve para fazer entender melhor o teatro e dá a oportunidade para aqueles que sempre sonharam em pisar no palco. Aliás, este é um ponto importante do espetáculo. Uma espécie de aula que a gente leva de brinde. Sobre Tennesse Williams, sobre improvisação, sobre personagens...
Agora, se você faz questão de assistir a uma peça, vai se perguntar por que está vendo um filme, se você quer ver o filme, vai querer saber por que precisa ver aquelas cenas. Se você já conhece Tennesse Williams vai achar que não precisava tantas informações sobre ele. Se nunca ouviu falar vai achar ruim que tanta coisa seja dita em tão pouco tempo. Assim, eu sugiro que você não fique criando expectativas, mas esteja aberto a uma proposta que pode até não ser só teatro, pode também não ser filme, nem aula, mas que, sem dúvida, é uma experiência artística. Vendo Essa noite se improvisa entendo, completamente, o medo de Blanche Dubois de enlouquecer e fico em estado de alerta quando ouço Julio Conte dizer: “se me der na louca...” porque sabe-se lá o que esta mente criativa será capaz de fazer.
Belíssimo texto, Helena! Pontual, bem escrito, direto, analítico, dialógico. Parabéns!!
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