Tuesday, March 01, 2011

Entre o prazer e a dor da vida e da morte

Estava na praia. Completamente fora do mundo. Só vendo filmes, tomando banhos de mar, comendo, dormindo, namorando. Encarando apenas a tensão de enfrentar a chuva e a noite em quatro rodas. De olho na estrada e, principalmente, nos outros motoristas.
Vi ontem uma pessoa lendo o jornal na areia com uma tarja preta na capa e li: Adeus a...e não conclui a frase. Sabia que alguém importante tinha morrido, mas não quem. E continuei sem me preocupar. Logo estaria de volta a cidade e tomaria conhecimento de tudo que havia acontecido nos últimos dias. Não demorou muito para saber que havia sido Moacyr Scliar. Lastimei. Achei que ele se recuperaria. Ao mesmo tempo, acho melhor que ele não tenha sobrevivido para ser apenas um ínfimo do que já foi para sua família e para milhares de pessoas entre pacientes e leitores.
Hoje, pego o jornal e leio: “Fugi para não ser linchado”. Assim, fiquei sabendo que Ricardo Neis, funcionário do Banco Central havia atropelado ciclistas em Porto Alegre e o texto, baseado nas palavras dele, deixava “em aberto” a sua culpabilidade. Dizia que os ciclistas batiam no carro e o ameaçavam e que isso justificaria a sua atitude. Já tive este tipo de medo ao ver pessoas saindo dos estádios de futebol algariadas, alcolizadas e em bando se sentirem com mais coragem do que o normal. Então, por uns breves instantes, pensei que podia haver alguma fagulha de verdade nesta informação. Porém, bastou que eu olhasse o vídeo gravado pelos próprios ciclistas para ficar tomada de assombro. Com lágrimas nos olhos, segui assistindo ao carro passando em velocidade por cima de bicicletas e pessoas que mal tiveram tempo de perceber o que acontecia. Logo eu que fecho os olhos no cinema quando alguma cena ameaça mostrar algo do gênero estava ali assistindo aquela barbárie. Agora eu quero este motorista preso ou, no mínimo, internado. Ele não pode continuar pelas ruas. Não deve. Além de poder cometer outra ação cruel como esta, estará, realmente, ameaçado. Até porque agora ele não é mais apenas um motorista. Ele tem rosto. Tem nome.
Moacyr Scliar teve falência múltipla de órgãos. Foi sem saber que deixa um mundo com pessoas como esta, sem coração que, tão diferente dele, não tem respeito nenhum pela vida. As pessoas choram na morte, mas esquecem que viver e “conviver” com pessoas insensíveis é muito mais doloroso.

http://www.youtube.com/watch?v=AheHJMzrV1Q
http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/fugi+para+nao+ser+linchado+diz+motorista+que+atropelou+ciclistas/n1238122593955.html

1 comment:

  1. Helena, perfeitas tuas conclusões!
    A lástima de perder alguém brilhante como Scliar por um lado, e por outro, a lástima que existam "seres humanos" como Ricardo Neis.
    BELO TEXTO!

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