Quando comecei a ouvir falar do espetáculo Viúvas, do Oi nóis aqui traveiz, tentei convencer amigos a irem também. Uma me disse que tinha medo de andar do barco. Brincando (mas nem tanto) disse que eu tinha medo do grupo e outra me disse que tinha medo da Tânia (uma das atrizes). Na verdade, isso tudo faz sentido. Afinal, falava com pessoas que já conhecem o trabalho deles e sabem que ninguém sai dos seus espetáculos ileso.
De qualquer forma, acabei sendo convidada também e, mesmo sabendo que as senhas só começariam a ser distribuídas às 19h, fui para a fila às 16h. Muitas pessoas já estavam lá. Havia uma lista e a primeira tinha chegado às 14h. Resultado: não adiantaria esperar. O barco que levaria todos para a ilha, local da performance, só tinha 40 lugares. Teria esperado se houvesse alguma possibilidade. Acho cansativo. Acho chato, mas fico. Em parte, concordo que a espera faz parte do “evento” e, muitas vezes, gera conversas interessantes e até mesmo novas amizades. Não deu.
Voltar outro dia não estava nos meus planos. Por isso, recebi feliz a notícia de que a TVE faria uma transmissão sobre o espetáculo, com cenas do mesmo. Peça televisionada é teatro? Não. Não há dúvidas sobre isso. É outra coisa, outra forma de linguagem, outro meio. Mas isso não quer dizer que não possa dar uma boa idéia do que se trata e, se o roteiro for bom, se a equipe de TV trabalhar bem, podemos ter, sentir, imaginar o que sentiríamos se lá estivéssemos. Perdemos em percepção. Ganhamos em conforto e temos uma visão do espetáculo que não sofre de miopia, nem tem problemas de audição. Passa pelos “olhos” daqueles que captam as imagens, editam, etc. Isso não sou eu que digo. Minha formação em comunicação me dá esta consciência, mas existem muitos pensadores sobre o tema, trabalhos acadêmicos, bibliografia. Dito isso, sabia que seria melhor se tivesse conseguido aquela senha. Porém, me consolava o fato de que teria uma idéia.
Mesmo passando pela estrutura de um programa televisivo com apresentador, entrevistas e comerciais, pude ver o quanto a beleza da natureza transformava o lugar em um cenário incrível. Já no barco, um dos atores começava a “dar o texto”, o que, sem dúvida, ia preparando o público para o que estava por vir. Na medida em que todos vão descendo do barco, recebidos já pelos personagens, me dei conta de que havia ali uma grande entrega da “plateia” que havia se disponibilizado a ficar à mercê do grupo, de sua organização, de sua estrutura. Duvido que alguém ali soubesse como fazer para voltar da ilha caso o barco do grupo não estivesse mais naquele local na hora de ir embora. Esta confiança significa respeito pelo Oi nóis.
O programa incluiu também entrevistas que falam das diretrizes da performance, da alegoria política, das mães de maio. Este caráter simbólico de suas apresentações é algo que já acompanha o grupo há muito tempo, desde o início. Os espetáculos são sempre cheio de metáforas, de uma meta-linguagem que, embora tão sofisticada em teoria, chegam até mesmo às pessoas comuns e geram impacto. Eles usam para isso elementos que estão presentes no cotidiano: a água, o fogo, a terra... Mas que com as palavras dos atores ganham muitos significados.
Dá para ver, mesmo pela TV, que a luz tem uma participação importante no clima que se cria em cada ambiente. Paulo Flores fala em ritual. Logo depois, a TV mostra uma cena de Tânia Farias de joelhos diante de alguém do público. Nesta hora, volto a pensar na amiga que falava do seu temor. É difícil ser indiferente a alguém suplicante. Isso lembra exatamente o tema da peça. Os mortos da ditadura. Não há um discurso. Não é preciso. Ao contrário, há cenas com dança, música... Oferecem bebida e comida a plateia. Tudo isso sem tirar a força do que é preciso ser dito. A estética das cenas é impactante. O público está dentro dos acontecimentos em um cenário real o que acaba mesmo por tornar o espetáculo inesquecível e imperdível como diz quem conseguiu assistir. O programa da TVE encerra com a fala de algumas pessoas que acabaram de assistir ao espetáculo. Sinto que elas estão sob o efeito de algo que elas jamais vão esquecer. Acredito que Oi nóis colabore, mais uma vez, através da arte, para que o Brasil não apague da memória o que não deve nunca mais se repetir. Ao contrário do espetáculo que, tomara, eu ainda tenha a chance de assistir.
Enquanto isso, agradeço a TVE e ao grupo que permitiu as filmagens por não ter ficado tão à margem.
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