Saturday, November 15, 2014

Uma estrela amarela, um triângulo rosa e uma história para nunca mais esquecer


Talvez, algumas pessoas, como eu, achem que tratar de homofobia em uma época nazista seja tanta barbárie que acabe com certo receio de ir ao teatro para ver Os homens do triângulo rosa.  Por isso, foi preciso que alguns amigos começassem a fazer comentários muito favoráveis para que eu me convencesse que não poderia deixar de ir. Assim, preparada, fui surpreendida por um começo quase cômico do espetáculo e a presença musical e marcante de Gisela Haybeche. Eu conhecia sua voz de timbre aveludado das aulas do Departamento de Artes cênicas, mas nunca tinha imaginado que ela poderia ficar quase irreconhecível em um personagem glamoroso e, ao mesmo tempo, tão real. O figurino de Antonio Rabadan contribui para isso. Mas, é a força, a confiança com que ela anda pelo palco e a intensidade dos olhares que conquista.
Marcelo Adams e Gustavo Susin contracenam com desenvoltura e firmeza nos papeis de homossexuais e levam, mesmo para os campos da época de Hitler, um lado engraçado de uma forte relação amorosa. E é esse clima inicial de cumplicidade, tão bem desenvolvido pela dupla que desperta todo o respeito e empatia que torna o que está por vir ainda mais cruel.
Não tem como não achar que todos os elogios que eu havia lido não foram suficientes para falar desse espetáculo feito com tanta delicadeza, mas também com tanta garra pela Cia Teatro ao Quadrado. Com poucos elementos cênicos (como o grande painel de pessoas aplaudindo) e ao mesmo tempo tão fundamentais para criar toda a atmosfera de uma época tão sinistra, é preciso uma direção corajosa como da Margarida Peixoto não só pela temática, mas pelas cenas que, por vezes, lembram “Esperando Godot”, de Beckett, com o mesmo non-sense tão carregado de sentido. Pelo tempo entre as falas. Pelo desafio de prender o público deixando apenas o sentimento suspenso no ar.
Os homens do triângulo rosa não seria como é se não fosse a atuação impecável de cada personagem desse elenco composto também por Alex Limberger, Pedro Delgado e Edgar Rosa, incluindo até mesmo o caminhar dos guardas e a postura que só pode vir da rigidez e do ódio. Aliás, é um espetáculo cuja linguagem corporal preenche todos os diálogos e tudo que não é dito.  E o que vai sendo contado assim é tão perturbador que eu me defendo buscando um olhar de espectador, de quem ainda se fascina com esse poder da arte de nos fazer mergulhar em outro tempo e espaço. E, ali, naquele palco, o teatro é mágico, mas, é também agonia.
Violentamente, Frederico Vasques nos transporta para aquele momento da história, nos fazendo esquecer que estamos em um espaço cênico em uma outra época, ainda que com tanto em comum. Sua contracenação com Marcelo Adams é impecável e intensa, não tem sobras e mostra o patético do seu personagem preso por um fio, o da intolerância.  Já Marcelo Adams nos apresenta todas as nuances de sentimentos tão profundos e antagônicos de quem não pode fugir do que é, nem tão pouco revelar.
Assim, apesar de todas as histórias sobre o nazismo que já vimos, esta peça, baseada no livro Bent, de Martin Sherman, nos atira para uma realidade que não foi suficientemente relatada na história, provando que, por mais terrível que possamos imaginar a força do preconceito nazista, este conseguiu ser ainda pior ao tratar dos homossexuais. Não, não há como se preparar para um espetáculo como esse porque ele é arrebatador por essa mistura de violência e delicadeza, de crueldade e de afeto e por apontar tão duramente o que o amor e a falta dele podem provocar na humanidade.



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