Friday, November 21, 2014

Quando o jornalismo vira teatro

O Mal-entendido, escrito em 1941 e publicado em 1944, pelo francês Albert Camus, foi uma tentativa do autor de criar uma tragédia moderna a partir de um “fait divers” que ele teria lido em um jornal em 1935. Para quem não sabe essa é uma expressão jornalística para os assuntos que não são categorizáveis nas editorias tradicionais como política, economia, etc, apresentando casos inexplicáveis e excepcionais. Mas, quem me conhece sabe que eu não gosto de ficar adiantando a história. Assim, o que posso dizer é que, para mim, será sempre fascinante essas situações em que “revelações” surgem como um golpe do destino. 
O espetáculo de Gilberto Fonseca e Daniel Colin (que também assina a dramaturgia) tem a coragem de apresentar ao público essa história intrincada e trágica. 
Fernanda Petit está irreconhecível no papel da filha, conseguindo oscilar entre um personagem que por vezes parece frio e em outros momentos à beira de um colapso. E não estou falando aqui só da sua aparência, cujo figurino de Antonio Rabadan tão bem caracteriza todos os atores, mas de sua atuação firme, segura e tão expressiva. Por conhecê-la mais de perto, sei que ela sofre para chegar a esse resultado e que duvida de si mesma, mas, acredito que seja exatamente por isso que ela consiga se colocar em cena tão inteira, tão outra. Contracenando com Gabriela Greco, elas mantêm a plateia sob suspense, gerando piedade e ao mesmo tempo asco. Só Elison Couto, a quem admiro e que têm a experiência de vários protagonistas, para conseguir ocupar espaço entre estas duas e acrescentar mais riqueza e energia a cada momento. Aliás, devo dizer que ele é um dos caras mais vivos e, com certeza, o mais morto que eu já vi nos palcos. 
Não é à-toa que Patrícia Maciel teve certa dificuldade de fazer com que sua participação em diversas cenas tivesse a mesma vibração. Não se trata de uma tarefa fácil. Até porque seu personagem não tem a mesma história para contar, não traz as mesmas sensações. Também acredito que falte mais mistério nesse personagem de Pedro Nambuco do serviçal que, tendo um papel tão contundente na história, poderia ser mais inconveniente, sorrateiro e menos caricato. 
A trilha sonora, em minha opinião, poderia ser mais sutil. Por vezes, escorrega para um terror que não condiz com o suspense. Ou, em alguns momentos, causa cortes que não deixam fluir as cenas. 
Agora, isso não diminui a competência do grupo Teatro de Areia na ocupação do Teatro de Arena que consegue transformar um espaço tão pequeno em um ambiente tão cheio de simbologia, criando uma forte atmosfera. Os elementos utilizados, a forma como os personagens interagem com eles merecem todos os elogios.
Creio que se Camus visse essa adaptação poderia até dizer que não tinha pensado em uma irmã tão agressiva, nem numa mãe tão sem esperança, mas ele teria que confessar que também não imaginara que fosse possível fazer tanto em um local tão restrito. E é essa a arte do teatro que é viva, mutante e deve ser vista por outros olhares. Assim, recomendo que aproveitem essa oportunidade de conhecer esse texto tão bem explorado por esse grupo e tirem suas próprias conclusões.

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