Saturday, January 25, 2014

Porque nunca haverá outra Elis

Fui ver Elis, a musical, como vou ver tudo.  Sem saber o diretor, nem o elenco. A história? Bem, essa eu conheço um pouco. Afinal, nós, gaúchos, costumamos acompanhar mais de perto o que aconteceu com essa menina de 12 anos que cantou pela primeira vez em um programa da Rádio Farroupilha e, mais tarde, foi trabalhar na Rádio Gaúcha.
O lugar escolhido na hora da compra pela internet poucos dias antes, graças aos novos amigos cariocas que conheciam o teatro, não podia ser melhor.  Chegamos à 5ª fila exatamente às 17h. Horário interessante que permite que muitas pessoas de mais idade lá estejam. Sabia que a atriz Lilian Menezes era “apenas” uma substituta de Laila Garin, mas como não a conhecia, não fazia diferença. Logo no inicio, não consigo ver semelhanças com o tipo físico, nem com a voz da própria. Mas, logo me lembro de tudo que sempre leio sobre essa questão de fazer alguém que realmente existiu e da importância justamente de não mimetizar. Porém, à medida que a história evolui vejo trejeitos, gestos tão característicos daquela que acabou sendo conhecida com a maior cantora do Brasil. E aquele modo de sorrir fechando os olhos que a identificava. Na execução que arrebatou uma multidão de “Arrastão”, música de Edu Lins e Vinícius de Moraes, um dos grandes sucessos de Elis, ela ainda não se parecia, mas, isso não diminuiu a genialidade da ideia de projetar a plateia da época e colocar a atriz de costas para o público. Talvez, vinda do diretor Dennis Carvalho.
A obra retrata bem o temperamento da cantora, o impacto que sua voz causava em Miele, dono da boate do Beco das Garrafas em Copacabana, onde ela fez diversas apresentações  e Ronaldo Bôscoli, seu futuro marido. Esse interpretado por Felipe Camargo que, não raro, roubava a cena com um jeito malandro, quase calhorda e sua relação estreita com o alcoolismo e outras mulheres. Ele consegue mostrar porque, apesar disso, Elis era tão apaixonada por ele que, no início, fazia questão de desdenhá-la, falando de sua origem humilde e de seu jeito de vestir interiorano. Enquanto o via em cena, pensava na vez que também estava no Rio e o vi em um dos espaços culturais da cidade e me esforcei para vencer a timidez e ir falar com ele. Eram os tempos dos Anos Dourados na Globo e ele tinha me impressionado com seu jeito meigo contracenando com Malu Mader.
Até uma boa parte do espetáculo pensava que quase não havia cenário. Entretanto, logo me dou conta que precisava rever meu conceito. Afinal, aqueles painéis, banquetas, projeções já podem ser considerados assim. Na boate do Miele letreiros com letras apagadas me dão a ideia do cuidado que tiveram com os detalhes. Além disso, todos cantam muito bem. E isso que contei 19 pessoas em cena. Os números de dança coreografados por Alonso Barros, são ótimos e o jeito de entrar de “peixinho” no palco só podia me lembrar a coreógrafa Carlota Albuquerque e minha prima Angela Spiazzi.
Os momentos de gravação com Tom Jobim são divertidos e o ator Leo Diniz, mesmo não se parecendo fisicamente com o maestro, captou perfeitamente o seu jeito de ser perfeccionista.
Quase 19h, todos entram em cena e numa plataforma com o fundo branco, e figurinos hippies de Marília Carneiro, cantam “Eu quero uma casa no campo...”. E eu que achava que já havia ouvido essa música até a exaustão, sinto meu corpo arrepiar inteiro enquanto fecham-se as cortinas para o intervalo.
Fato real ou não, pois, o espetáculo não pretende ser um documentário, vemos uma cena do encontro de Elis com Henfil que, até então, tinha debochado dela em suas caricaturas por ela ter cantado em eventos militares. O que sabemos foi totalmente contra a sua vontade. Vou às lágrimas quando ela canta para ele “O bêbado e a equilibrista”, que corre para o telefone a avisa o irmão Betinho que “já existe o hino. Agora, só falta a revolução”.  Não é à toa que quem assina o texto é Nelson Motta, junto com Patrícia Andrade. Aliás, como todo musical, a equipe técnica é bem grande.
O difícil foi ver o filho do Ivan Lins, o ator Claudio Lins, ótimo em cena por sinal, no papel de César Camargo Mariano, quando minha memória havia sido levada para a época em que o pai ainda tinha sua idade. Ah, e mesmo fora de ordem não posso deixar de comentar a contracenação divertida e intensa com o ator que fez o papel de Jair Soares que com seu jeito irreverente parece entender o gênio da “pimentinha”.  
A segunda parte do espetáculo já é outro momento da vida de Elis, do seu engajamento maior com questões políticas e seus posicionamentos. Tudo isso colocado no palco de uma maneira criativa e interessante, mesmo usando recursos tão simples como homens fardados e a bandeira do Brasil. A forma como a coreografia dos mesmos é executada e a música da Hora do Brasil mexe com qualquer um que tenha vivido parte dessa história. Aliás, tudo nesse espetáculo mostra que é possível usar os mesmos recursos de outra maneira e cantar velhas canções provocando novas emoções. O que, sem dúvida, acontece enquanto “Elis” canta “Como nossos pais”.
E o espetáculo oscila entre momentos com todos no palco, várias ações até o resgate de um momento real da sua vida, ao colocá-la sozinha no palco para uma entrevista. Apenas uma cadeira e a luz sob ela respondendo às questões que revelam sua ansiedade e seu desejo de atingir às pessoas de alguma forma com a sua arte. Não há como não se emocionar quando ela conta que o médico disse que sua voz salvou o seu filho doente. Toda a sua fragilidade surge nesse momento em que ela diz: “A mim não interessa ser uma boa cantora a mais. Quero usar o dom que a mãe natureza me deu para diminuir a angústia de alguém. Essa ideia é que pode dar sentido ao meu trabalho.”.
E do meu lado a moradora do Rio que não só me incentivou a ir, mas me levou até lá, não cansa de elogiar, mesmo não conhecendo várias das músicas. O que prova que não importa o quanto você sabe da vida de Elis Regina, se é ou não fã, o espetáculo vale por si mesmo.
E, embora eu não entenda quase nada de luz, fiquei muito impressionada com a presença significativa da luz certa, nos momentos certos, fazendo o que eu chamo de “sublinhar as cenas”, o chamado desenho de luz de Maneco Quinderê.
De minha parte, gostei que não tivessem chegado à morte da cantora, mas mostrado apenas seu desejo de querer sempre mais e de não querer  ficar à sombra dos homens que foram tão importantes em sua vida.

O teatro cheio aplaudia em pé e cantava junto com o elenco “como se fora brincadeira de roda...” e quem estava lá revive um pouco do que foi a história dessa mulher tão talentosa, tão guerreira e, no fundo, a gente sabe que por melhor que seja a atriz, nunca haverá outra mulher como Elis Regina Carvalho Costa, mesmo que ela tenha vivido apenas 36 anos. 

3 comments:

  1. Que bom, Helena!! Gostaria muito de estar neste espetáculo...mas marquei toca!!Vlw!

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  2. Adorei!!! Sou de São Paulo e o musical entrou em cartaz neste mês aqui em Sampa. Não vejo a hora de assisti-lo, ainda mais agora lendo seu texto, parece ser maravilhoso...

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