Tuesday, October 27, 2009

Uma jornada noite a dentro

Há muitos anos tinha vontade de vir à Jornada de literatura de Passo Fundo. 13 para ser mais exata. Mas nunca me organizava para tal ou acontecia algo na época que me ocupava e acabei não vindo. Este ano, os organizadores anunciaram que trariam Pierre Lévy e como este autor faz parte do meu trabalho de mestrado parecia que estava aí o empurrãozinho que faltava. Fiz minha inscrição e a Jornada acabou sendo prorrogada. Lévy veio antes à cidade e fez uma palestra. Só fui saber depois. Mas como já tinha pago e o tema era Arte e tecnologia – novas interfaces pensei que poderia ser interessante de qualquer forma.

Hoje era o primeiro dia do evento. Assim, peguei um ônibus para quatro horas de viagem para ficar na casa de parentes. Minha mãe veio comigo, pois, são pessoas ligadas diretamente a ela. Uma tia avó minha morava aqui. Vim muitos anos quando era pequena. Algumas lembranças ainda são fortes na minha memória: o fato dela matar galinhas no pátio e preparar com um gosto que ainda esta na minha mente, o medo que senti quando, em uma época de páscoa, ouvi barulhos em uma casa estranha para mim e pensei que era o coelho, a massa de pastel que ela fazia, o som dos grilos no mato em frente e seu neto dizendo: - mas, será o pé do cabrito! Bem, o que quero dizer é que sempre foi divertido vir a esta cidade. Logo de cara, reconheço a estátua de Teixeirinha e vem na minha cabeça a letra da música: “sou gaúcho lá de Passo Fundo e trato todo mundo com o maior respeito”. Mais lembranças. Dos primeiros filmes que assisti na vida eram feitos por ele.

Chegada a hora do evento, depois de ter sido tão gentilmente recebida pelos parentes que foram nos buscar na rodoviária em um carro de luxo como eu nunca tinha visto igual, ganhei uma carona neste mesmo veículo até a Universidade. Comecei a procurar o local. O movimento já era grande. Veio, então, o primeiro impacto: a entrada no circo. Já tinha lido a respeito, visto fotos. Mas não podia imaginar. É uma estrutura linda e ao mesmo tempo de uma simplicidade maravilhosa. Arquibancadas e cadeiras de plástico que aos poucos vão sendo ocupadas por uma multidão (infelizmente, não sei calcular públicos). Ainda remexendo a memória, vejo Ricardo Silvestrin que foi alguém muito importante para mim quando eu tinha 18 a 20 anos. Com tanta gente já no circo e acabamos em filas próximas e ele na minha linha de visão. Sabia que ele estaria aqui, pois, li seu nome na programação, como autor, como debatedor, como integrante da banda Os Poets que fará uma apresentação. É, Ricardo... Sonhávamos com este reconhecimento, tu agora já o tens de sobra. Perguntei alguma coisa para a menina que estava na minha frente. Ela foi bastante gentil, me contou que já veio há várias edições e até já trabalhou na Jornada algumas vezes. Lá pelas tantas me disse: tu vais te emocionar com o que acontece aqui.

A coordenadora do evento Tânia Rösing fala que estamos em um templo de celebração, da vida, da solidariedade. Comenta que houve uma crise mundial que chegou ao Brasil. Falou das empresas escondendo seus lucros para não investir na cultura e depois ainda veio a gripe suína. Ou seja, tudo que tentou impedir ou prejudicar a realização da Jornada que antes tratava do binômio: educação e cultura, mas que, agora, estava sendo transformada em um trinômio: educação, cultura, tecnologia para integrar os neo-leitores. A coordenadora foi ácida na sua abertura, mas agradeceu aos amigos, sem os quais, segundo ela, nada disso teria sido realizado. Pediu também aplausos para os trabalhadores anônimos que construíram a tal estrutura da qual já falei. Interessante esta lembrança. Dá, para mim, o tom do encontro. Ela diz que quer fazer um registro: “não tivemos a Lei de Incentivo à cultura”. Por favor... Como pode? Para encerrar fala da letra da música tema desta edição com o estribilho: “cai na real, a nossa vida é virtual”, letra do homenageado deste ano Pedro Bandeira que só hoje fui saber que é ator, diretor e jornalista. Ou seja, muita coisa em comum comigo! Ok. Ele é autor, mas há quem diga que eu também ainda serei, então...

Logo depois vieram as verdadeiras palavras de abertura. Tânia Rösing diz: “respeitável público...o circo da cultura se abre e o espetáculo vai começar. É a hora do grupo Tholl. Sei que tem gente que acha que eles são uma cópia mal feita do Cirque Du Soleil. Discordo. Acho fascinante este trabalho do grupo, a origem humilde de vários integrantes e o colorido dos figurinos e toda aquela movimentação no palco, fora as habilidades circenses, é claro! Confesso que não gostei muito das músicas. Muito americanizadas para o meu gosto. E nestas horas surge aquela questão da necessidade de optar pelo “ao vivo” ou pela melhor visibilidade nos telões! Sim, as vigas do circo ficam cortando o palco. Nem todo mundo tem uma boa localização. Muitas entradas e saídas e aplausos um a um para todos os integrantes do grupo. Nesta hora já comecei a olhar o relógio para calcular que horas deveria terminar. Afinal, ainda não sabia como chegaria de volta “em casa” em uma cidade que não conheço.

Um coro aparece para cantar algumas músicas, enquanto eles organizam o palco. “Talvez, eu seja simplesmente um sapato velho, mas basta você me calçar e eu aqueço o frio dos teus pés”. Vamos cantar o hino entusiasticamente e com respeito, pedem os apresentadores. Ai,ai,ai, se precisa “orquestrar” a platéia é porque as coisas não andam lá muito bem, não é mesmo?

De repente, no palco 16 “autoridades” e TODAS irão falar. Meu Deus! Eram 21h45. Ao menos o limite para cada um era de dois minutos e eles quase obedeceram e, em sua maioria, falaram coisas interessantes. Mesmo assim, vou registrar algumas palavras do Ministro da Educação Fernando Haddad que falou pouco, mas, falou bem (além de ser bonito). Começou com uma piadinha, dizendo que Beto Albuquerque tinha muita influência na presença dele, pois havia dito que participaria de um número do Tholl. Mas logo partiu para as informações que os organizadores do evento deveriam estar querendo ouvir: “A Jornada precisa estar no calendário de eventos do orçamento do MEC.” Disse também que esta merece um apoio institucional perene independente de quem está nos cargos políticos. Logo depois da sua fala, os apresentadores disseram que o Ministro não ficaria para o evento, retornando para Brasília. A platéia disse: Ahhh....Lastimando a sua saída. A mesma platéia, aliás, que vaiou Mônica Leal quando disseram que ela representava a Governadora Ieda Crusius.

Ainda houve assinaturas, entrega de prêmios pelos concursos de contos, livros... A estas alturas eu já ansiava pela palestra de Win Veen, intitulada: Homo Zappiens. Mas antes preciso comentar a homenagem feita a dois escritores que não puderam estar presentes, pois foram vítimas de doenças que os levaram a morte. São eles Roberto Zanatta de 10 anos e Pedro Albuquerque de 20 anos. O primeiro escreveu três livros no seu último ano de vida e o segundo, filho de Beto Albuquerque, um livro de quase 500 páginas também no mesmo período. Tânia Roosing relembrou os dois emocionada e emocionando, chamando a família destes ao palco.

Ainda vou falar da palestra que me levou ao circo, mas finalizo esta primeira parte, dizendo que a menina que me disse que eu me emocionaria estava certa. Não só por causa destas homenagens, mas por constatar que eu estava presente em um evento daquele tamanho, seja pela quantidade de convidados, pelas estrutura ou pelo público, mas por ser um evento voltado para a cultura. Nunca tinha visto nada igual. Já participei de eventos maiores, mas voltados para os negócios, como a Expointer onde coordenei a central de imprensa ou outros organizados pela Procergs visando às empresas. Pensar que tudo aquilo era ligado à educação, a leitura, às pessoas acabou mexendo mesmo comigo. São nestas horas em que a gente não só imagina que as coisas possam ser diferentes, elas são. Não é à-toa que a platéia é tão afetiva com a coordenadora. Eu que mal a conheço senti orgulho de estar perto de alguém com esta garra.

Win Veen – uma espera que valeu a pena

Uma pena que as pessoas não tenham resistido a tantas atividades e o avançado da hora tenha feito o público diminuir consideravelmente. Não tenho dúvidas, porém, que quem ficou não se arrependeu. Ele veio da Holanda (o que mostra a força do evento). É coordenador da área de educação e tecnologia da Universidade de Tecnologia de Delf. Uma figura de fala tranqüila e entusiasmada e, apesar de um certo nervosismo da tradutora logo no início, estou certa de que disse coisas bem claras. Ou seja, falou de um assunto extremamente complexo com simplicidade. Algo que só os especialistas conseguem fazer. (Sempre digo que não sei inglês, mas, nestas horas vejo que consigo confrontar a fala estrangeira com a tradução).

Veen começou dizendo que, hoje, com apenas três anos as crianças já estão em contato com muita tecnologia. Aos oito, á tem celular e aos 11 já estão jogando Play Station 3. Afirmou que o que os diferencia das gerações anteriores é que são eles que têm o controle do fluxo de informações. Fez questão de dizer, várias vezes, que não estava falando do futuro, mas, do presente. Apresentou um vídeo em que uma família “convivia” com um bicho de estimação virtual. Falou que para os jovens de hoje, o contato com a tecnologia começa às 6h e termina a meia noite e que neste tempo existem apenas dois períodos em que eles não estão usando mídias. São aqueles em que eles estão na escola. Disse que estes nunca lêem os manuais dos jogos e programas. Colocam o CD e já saem mexendo direto. Quando eles não sabem continuam não recorrendo aos manuais. Pegam o celular e ligam para alguém que possa saber a resposta. “A geração atual está integrando os meios físicos e virtuais e não vêem diferença entre eles.” Para estes aprender é igual a brincar. Quanto as razões para este interesse todo pelas tecnologias, o palestrante destacou: você escolhe, você decide, você cria. Reafirmando que as pessoas da nova geração querem estar no controle. Mostrou avatares que são, praticamente, reais. Aliás, impactante a imagem real de uma moça comparada com a imagem virtual. Não há como distinguir uma da outra. Acho até que há de ter pessoas que pensem que a real é a virtual e vice-versa. Falou que utiliza estas tecnologias para realizar entrevistas com candidatos virtualmente, para fazer conferências. “A tecnologia está progredindo” e para mostrar como apresenta o que ele chamou de livro moderno. Um vídeo no qual um leitor abre o que se assemelha a páginas de um livro, mas, toca nas fotos para ampliá-las, clica em vídeos para obter mais informações e som, tudo em 3D, usando um óculos que, hoje, está custando 300 euros. Não é ficção. É um livro da universidade na Holanda. Veen explica que os leitores constroem conteúdos e tem acesso a uma realidade “aumentada”. “Nós usamos a internet para pesquisar, baixar textos e vídeos. Esta geração a usa para compartilhar conhecimento.” Saem de uma realidade representativa para uma realidade participatória. Explica que todo mundo está colocando algum conteúdo na internet e que com isso estamos construindo conhecimento. Lembrou que existem pessoas que temem tudo isso, dizendo que as pessoas aprendem superficialmente, ficam colando e copiando conteúdo, que falta disciplina e concentração e pergunta: “mas o que eles estão fazendo exatamente?” Para ele a resposta é: múltiplas tarefas nas quais são estimulados por ícones e não por textos, acessando uma informação descontinuada e afirma: “a web não é para ler, mas para agregar.” Diz ainda que o processo de aprendizagem não é linear. “Escolas são lineares, livros são lineares. Os livros terminam sempre do mesmo jeito. No jogo você está imerso.” Segundo ele, as crianças desenvolvem habilidades diferentes de antes quando apenas internalizavam conteúdos. Hoje, eles compartilham conhecimento. Aos 21 anos, diz ele, a pessoa já terá jogado vídeo-game por 20 mil horas, assistido a 80 mil horas de TV e a 5 mil horas de leitura no micro. Com tudo isso vão adquirindo habilidades diferentes das gerações anteriores. Aos 38 anos, segundo Veen, o indivíduo já terá passado por 15 empregos diferentes.

E escola? Hoje, diz Veen, ela reprova um aluno que tenha baixas notas em matemática ou inglês. “Isso provoca a destruição do capital intelectual”. As escolas precisam se adaptar ao aprendizado individual. Ninguém aprende do mesmo jeito. Não há uma mesma medida para todos. Aprender de forma digital é diferente. Para ele, os professores precisam se prepara para estes novos papéis, serem inspiradores, motivadores, transformadores da teoria na prática e, principalmente: observadores de talentos. Ele observa que na maioria das escolas os professores enfatizam o que os alunos não sabem, o que erraram, nunca o que é certo, nunca destacando as competências. “Na Holanda este processo já começou. Estamos nos defazendo dos livros didáticos. Tudo isso não é sobre conteúdo. É sobre comunicação. Os professores têm o poder de adotar a tecnologia e criar uma nova escola.”

Pena que já fosse tão tarde e não tenha havido debate. Até porque estavam no palco para isso Alcione Araújo, Ignácio de Loyola Brandão e Júlio Diniz que mesmo que não fossem discordar do palestrante acredito que trariam contribuições importantes.

Na saída, enquanto penso como voltar para a casa dos meus parentes, a menina do início vem falar comigo e me oferece uma carona. Pede desculpas, dizendo que o seu carro é simples. Entro em um fusquinha e volto para casa feliz com este primeiro dia e noite de Jornada.

1 comment:

  1. Tô na metade da leitura e lembrando de "outros carnavais": tempos idos em que assistíamos carnavais de rua nessa cidade, uma marchinha inesquecível que dizia: "eu mato, eu mato, quem pegou minhas cuecas pra fazer panos de prato"! heheh Lembrei também da galinha que um dia fugiu sem cabeça pelo pátio. Quem sabe não foi minha bisa-avó que inventou o "Coq au vin"? E lembrei também da páscoa em que descobrimos uns ovos e coelhos de açucar em baixo da cama de um quarto escuro e que de baixo da cama comíamos a orelha do coelhinho de açucar amarelo que me foi entregue no domingo. hahah

    ReplyDelete