Monday, November 02, 2009

Um fim com cara de recomeço

Último dia – tema Arte e convergência das Mídias
Tom Zé entra no circo. As poucas pessoas que já chegaram, enfrentando novamente o calor, batem palmas, gritam. Rápida abertura e a palavra vai para ele. Ao  invés de começar a discursar, ele comenta a distribuição no espaço. Reclama da separação entre o palco e a platéia, da distribuição das cadeiras até dos óculos escuros de Alcione Araújo. Diz que estes criam uma separação. Com o que eu concordo profundamente. Não tem coisa mais irritante para mim do que ver um apresentador de TV de óculos escuros. Eu nunca esqueço de tirar os meus quando falo com alguém pela primeira vez, não importa se o sol me ofusque.
Tom Zé faz todos trocarem os lugares. Mexe nas cadeiras. “Assim fica mais alegre para as pessoas”.  Ao perceber um certo burburinho,  diz que as pessoas têm que saber que tem dia bom para falar e dia bom para ouvir e que aquele era um dia bom para ouvir. Comenta que viu os currículos das pessoas no site, ficou impressionado e decidiu que vai ficar tomando nota do que eles vão dizer (que nem eu).  Assim, a palavra vai para Alckmar Santos.
Alckmar é daqueles que consegue transitar entre as áreas exatas e humanísticas. Tenho uma certa inveja. Formado em engenharia eletrônica, fez mestrado em teoria literária e doutorado, adivinhem onde? Paris. E Julia Kistreva foi a sua orientadora. É...Tom Zé deve ter mesmo razão. Mas o calor tá pegando e vendo o número de folhas que ele tem nas mãos fico um pouco apreensiva. Acho que lendo meus pensamentos, ele comenta: “trago várias folhas, mas só vale mesmo a primeira”. Ufa! Começa a falar de um conceito interessante: o atraso do progresso. Diz que muita gente fala da saturação tecnológica e tenta discutir se é bom ou é mau. Se a exposição avassaladora a que estamos sendo submetidos é benéfica ou nociva. No entanto, diz ele, não se trata disso. Sempre foram os dois. Segundo ele existe, os tecnólogos positivistas que ignoram que os estrangulamentos que a grande quantidade de informações vêm provocando, assim como, em contrapartida, tem o discurso catastrofista. Para ele, a causa dos atrasos ao progresso é a paralisia diante de tantas informações, a acumulação. (Cai um microfone. Tom Zé vai lá e junta). “Está muito difícil falar de gêneros literários”. Há muita coisa acontecendo, muitos tipos distintos que dificultam o trabalho didático. Com medo de extrapolar seu tempo, ele decide parar por aqui.
É a vez de Constanza Mekis. Esqueçam tudo que vocês pensavam que sabiam sobre uma bibliotecária. Vemos no palco dois bonecos grandes de pano. Ela fala em espanhol o que não me ajuda muito, principalmente, quando o calor rouba de mim grande parte da minha atenção. Mas não importa. Na medida em que ela vai mostrando os slides sobre como auxiliar, programar, facilitar a leitura ela vai trazendo outros elementos. Uma “Julieta” sob ao palco e procura o seu Romeu. Pouco depois, ela pega um acordeon (ou sanfona, não faço a menor idéia da diferença) e toca a música “Meu coração...não sei por que....” Só que a letra está mudada e fala sobre o professor não saber integrar a leitura. Vai trocando de música. As letras alteradas falam de livros, de leitura, etc. Uma show-woman. Mamãe eu quero agora é Leer yo quiero! Mais um pouco e ela aparece com uma bola, onde em cada “gomo” tem um poema e sugere que o professor de educação física possa trabalhar também a leitura. Ela é a prova viva de que não importa o que a gente faça, desde que ame, vai fazer bem. Parece satisfeita por que estão pensando, agora, não só em implementar as bibliotecas, mas também mantê-las. Falando, assim, em sustentabilidade. Não satisfeita, aparece com um pão e entrega para a coordenadora do evento e diz: “teremos que ler como se come, todos os dias, até que nos faça crescer”. Eu já estava impressionada com a performance dela, mas ela ainda parte para a dança. Tenta tirar os demais do palco para acompanhá-la. O único que aceita é Alcione Araújo que, por sinal, não faz feio.
A próxima a falar é Emily Short. Uma moça vestida de preto (ai, que calor) cujo tema é Ficção interativa. Traduzindo: uma história da qual o leitor pode participar. Os leitores recebem instruções para saber o que fazer. “Temos um novo tipo de contação de história. Não sabemos ainda o que acontecerá com tudo isso no futuro. Não vai ser literatura, não vai ser romance, não vai ser filme, nem jogos, mas algo novo, mas será algo que terá tanto valor quanto às outras formas de arte”. Emily diz que é um erro esperar a mesma coisa. Explica que para criar estas novas propostas, sempre é usada uma mais antiga. Mas que quando estas amadurecerem não vão mais precisar destes modelos. “As grandes histórias do futuro ainda não estão aqui”. Os leitores devem confiar que o autor levará a algo interessante, diz ela. Mesmo que a escolha leve a um final infeliz, este terá um significado. O leitor se perguntará: o que é permitido que eu faça? Quais as escolhas que tenho? Começa a apresentar um exemplo chamado Photopia. Pessoas estão em um carro e o motorista está bêbado. Causam um acidente e uma morte. O leitor ao perceber o que levou a esta situação decide jogar novamente, tentando fazer as coisas serem diferentes, melhores. Porém, ele não sabe que não importa o que faça, ele não conseguirá impedir a batida. A história não tem um objetivo moral. Ao contrário, quer mostrar que é impossível evitar o acidente, não importa o que ele faça. A história só termina quando ele aceita o inevitável. Quando para de tentar mudar o rumo dos acontecimentos. Outra história que ela apresenta se chama Faith. Uma rainha está esperando um bebê e este irá morrer devido a ações da corte. O leitor poderá tentará impedir, mas perceberá que cada ação tem um preço. Que não há como proteger o bebê sem causar danos a outras pessoas. Ele terá que mentir, trair e, às vezes, matar. A questão que se impõe nesta ficção interativa é até onde é aceitável agir para tentar proteger uma vida? Qual sofrimento é pior? “A interação encoraja o leitor a pensar sobre suas crenças.” Para cada leitor a história é diferente. Este tipo de obra não representa a morte do autor. Não é um substituto do livro. A ficção interativa permite uma relação sem igual em outras mídias. “Isto também deve ser arte”. Pareceu bastante interessante o trabalho que Emily desenvolve, por isso, divulgo o site dela para quem deseje maiores informações: www.emilyshort.com
O próximo a falar é Pedro Bandeira. Começa dizendo que é impossível, hoje, dizer: eu acompanho tudo que está acontecendo, que nem os jovens estão conseguindo fazer isso. Diz que para falar sobre as discussões sobre os avanços tecnológicos vai começar por uma parábola e conta a seguinte história:
Há muito tempo, um rico mercador grego tinha um empregado chamado Tim, um escravo sem grande força ou habilidades, mas com uma sabedoria singular.
Então, um dia, o rico fazendeiro, quis colocar à prova as qualidades de seu empregado. E disse:
– Toma, Tim. Aqui está esse saco cheio de moedas. Corre ao mercado e compre lá a pior comida que houver, seja o que for, para um banquete. Mas, não tentes me enganar.
Pouco tempo depois, Tim voltou com um prato coberto por um pano e o pôs sobre a mesa. Quando o mercador levantou o pano, ficou surpreso:
– Língua?
Tim baixou os olhos e respondeu:
– A língua, senhor, é o que há de pior no mundo. É a fonte de todas as intrigas, o início de todos os processos. A mãe de todas as discussões. É a língua que separa a humanidade, divide os povos. É ela quem mente, esconde, engana, blasfema, insulta, se acovarda, xinga, destrói, vende, corrompe. Com a língua dizemos “morre”, “eu te odeio”, “você é um infeliz”, “você é um incapaz”. A língua é o órgão da mentira, da discórdia, dos desentendimentos. Aí está, senhor, porque a língua é a pior comida do mundo.
– Muito bem, Tim! Tu realmente cumpriste tua missão. Tome agora esta sacola de moedas e me traga a melhor comida do mundo.
Mais uma vez, passou algum tempo e o empregado estava de volta, trazendo um prato coberto por um pano de linho fino.
O mercador recebeu-o com um sorriso e disse:
– Já sei o que há de pior. Vejamos agora o que há de melhor...
Após levantar o pano, o mercador ficou indignado com o que viu:
– Que brincadeira de mau gosto! Língua? Outra vez? Tu não disseste que isso era o que havia de pior?
O escravo, humilde, baixou a cabeça e explicou-se:
– O que há de melhor que a língua? A língua é que nos une a todos quando falamos. Sem a língua não poderíamos nos comunicar completamente. A língua é o órgão de verdade e da razão. Graças a ela é que se constroem as cidades, casas e tudo o que há. É com ela que expressamos o nosso amor. Com a língua se ensina, se instrui, se reza, se explica, se canta, se elogia, se demonstra e se afirma. Com a língua dizemos: “querido”, “amor”, como também “Deus”, “sim”, “tudo vai dar certo”, “obrigado”, “eu te amo”, etc. A língua é órgão do diálogo. É a língua que torna eternas as idéias dos grandes salmistas e as idéias dos grandes escritores.

Achei fantástico. Não há dúvidas de que é preciso astúcia para ocupar os 15 minutos de fala com uma história dessas e deixar tão claro a sua opinião e provocar uma bela reflexão. Importante dizer que Pedro Bandeira interpretou os dois personagens, fazendo trejeitos corporais e mudando a voz. Uma esquete teatral.
Nilton Azevedo começa. Ele se desloca em uma cadeira de rodas destas automáticas e diz que as pessoas não devem ocupar as vagas de trânsito para deficientes e nem entrar na parte reservada para os mesmos no banheiro. Mostra uma texto que se chama Ata-me. Um sistema onde cada imagem de um corpo conta uma história. Ao mexer o mouse, a pessoa escolhe qual parte vai acionar. Imediatamente, uma voz começa a dar pequenos trechos do texto.
Lembram do Tom Zé? Que deveria ser o primeiro a falar? Pois é...um dos mediadores resolve jogar para ele de novo a palavra. Este, porém, faz mais algumas colocações singelas: “bem, tirando o preço do calor...” Diz que levará para casa ótimas idéias, que mesmo as coisas que não se resolveram brilhantemente durante a apresentação foram muito interessantes. “Daria o meu cachê do show de hoje à noite só para estar aqui neste momento”. Acho melhor ele na ficar dando idéias...
Mais um tempo zanzando pelas áreas verdes da Universidade e volto para o Show do Apocalipse. Ótima voz, ótimos músicos.
Vamos para o encerramento. Um vídeo faz uma retrospectiva de todas as atividades realizadas naqueles cinco dias. É emocionante. A quantidade de pessoas na platéia assistindo aos painéis, os shows, as crianças circulando... Em poucos minutos, temos uma idéia da magnitude do evento. Discursos das autoridades. Entra o Bloconeco de Catim e sua banda navegante. Sobem ao palco. Corpos de pessoas com cabeças gigantes. Roupas coloridas. Dançam bolero, tango e outros ritmos.
Alcione Araújo pega a palavra. Fala sobre a persistência de todos naquela temperatura: “Se o calor estragou equipamento, imagina o meu cérebro que é muito mais sensível”. Diz que a estrela do evento é o público. Quando começo a pensar que ele está querendo agradar, ele diz: e não estou fazendo média. Comenta que ficou observando e que o público sabia exatamente a hora de rir. Destaca também os comentários e as perguntas feitas aos participantes. Mais uma vez, elogios para a coordenadora.
É a hora do show de Tom Zé. Enquanto ele se apresenta penso: que fascinante esta pessoa! Um homem pequeno, com uma aparência tão simples, traços brutos e tão carismático. Que exemplo de que a preocupação com a estética obsessiva com o  corpo é uma perda de tempo. Se a pessoa é autêntica, se transpassa energia é isso que todos vemos. É, exatamente, este o caso. Suas letras irreverentes e seu jeito anárquico no palco diverte e faz pensar. Conta várias histórias entre uma música e outra e assim termina, finalmente, esta jornada.  Ainda bem que um dos responsáveis pela Universidade já disse que Tânia Roosing ia descansar alguns dias e já ia começar a preparar 2011. 

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