Há muitos anos atrás (mais de 20, com certeza), não sei exatamente como, acabei indo fazer aulas com uma professora que tinha a exata noção de que o corpo podia ser estimulado pelos mais diversos sons. E não estou falando aqui de corpos esguios e ágeis, mas de todos os tipos. Lembro ainda que ela fazia propostas de deslocamentos, colocava vários estilos de músicas, mas não nos orientava quanto ao movimento. Muitas vezes, sugeria que fechássemos os olhos e deixássemos que a música nos levasse pela sala vazia, pelo chão, pelas paredes, o que sempre acontecia. Foi nesta época que descobri o quanto não usufruímos da nossa capacidade corporal de movimento, como somos rígidos, como repetimos sempre os mesmos gestos, quando, na verdade, somos todos capazes de muito, mas muito mais. Ontem, isso tudo me voltou à memória ao assistir ao espetáculo. E, agora, sendo mesmo pretensiosa, confesso que fiquei com vontade de estar no palco também.
O cenário era simples, mas, nem por isso menos impressionante esteticamente. Pequenos retângulos brancos, caídos do teto e espalhados pelo palco e o dividindo em três. Não fiquei surpresa ao ver na ficha técnica que era de Élcio Rossini, o mesmo que na Bienal de 2005, quando fui mediadora, colocou uma grande bola branca, transparente em exposição, provocando as mais diferentes reações. Bem, mas voltando ao espetáculo, era possível sentir uma separação, mesmo sem ler o folder entregue pelo grupo no qual fala em três pedaços. Três coreógrafos: Alecs Dall’Omo, Diego Mac e Paulo Guimarães. Três interprétes: Roberta Savian, Daniela Aquino e Alessandra Chemello. Ao mesmo tempo, também era visível uma unidade.
Bom, mas devo dizer que também teve música. Clássica, popular. “Cotidiano” de Chico Buarque mexe comigo. Imediatamente, vem a minha memória meu irmão (que já se foi) escutando esta música a todo o volume em uma vitrola na minha casa. Emendava com “Você não entende nada” de Caetano. Era um impacto quando ele dizia: “eu como, eu como, eu como” e já ligava na frase seguinte que começava por “você”. São lembranças especiais pra mim. Muito pessoais para um texto escrito para falar de Mulheres fortes em corpos frágeis, mas, ao mesmo tempo, demonstra que a arte é assim: provoca.
Por que inverti o nome? Porque senti durante o espetáculo a sensualidade, a tensão a neurose daquelas mulheres que pareciam se questionar sobre o seu lugar no mundo. Ao mesmo tempo, somente corpos intensamente preparados são capazes daquelas performances, daquela intensidade de movimentos. Aliás, isso fica claro no final. Em um momento, temos a impressão de que o espetáculo chegou ao fim. Alguém toma a iniciativa e aplaude. Os outros seguem. A interpretação, porém, continua. Mais aplausos. Mas a platéia não sabe o que deve fazer. Até passou pela minha cabeça que devíamos ir embora, mas não seria eu a fazer isso. Roberta Savian faz uma pequena pausa na sua concentração de movimentos para dizer ao público que é exatamente isso que temos que fazer para dar fim ao espetáculo. Foi uma tentativa muito interessante de fugir as convenções de como terminar um espetáculo, mas esbarrou nelas.
Obs: Daniela Aquino, minha colega de mestrado, mais uma vez absolutamente linda e expressiva em cena.
No comments:
Post a Comment