Tuesday, October 27, 2009

Entre o paraíso e o inferno

Segundo dia de Jornada. O tema: Jornalismo, cinema e internet. Quem me conhece sabe, discutir estas três coisas juntas com gente talentosa e competente? Tudo indicava que seria o paraíso. Até chegar lá e sentir o calor do circo. Tinha esquecido o que era ficar dentro de uma lona daquelas. Logo eu que jamais me agasalho e estou sempre esbaforida. Pensei em me abanar com um bolo de papel que tinha na mão, mas, ia ser desgastante. Resolvi usar minhas práticas de yoga para abstrair a temperatura e registrar o que estava sendo dito.

Antes da abertura do painel, mais algumas manifestações dos organizadores e dos responsáveis pelo evento. Logo em seguida, o apresentador diz que vai falar sobre as “grandes estrelas desta tarde”. Acho a imagem engraçada... Pensar em Ricardo Silvestrin como uma estrela ou mesmo Jorge Furtado que conheci no início de sua jornada no cinema é estranho para mim. Mesmo que eu seja uma das primeiras pessoas a reconhecer que ambos merecem todo o crédito que recebem.

Ignácio de Loyola Brandão pega o microfone e já recebe o carinho da platéia. Começa a dizer que ainda não sabe o que vai cantar este ano (pressuponho que ele tenha cantado em outros), mas que estão se preparando. Fala que já chegou a pessoa que vai ensaiá-los: Vanuza, fazendo referência ao fiasco que a cantora fez no Congresso. Humor meio negro para o meu gosto. Em seguida começa a contar uma história com a qual me identifico. Diz que a matemática o perseguiu, o torturou e quase o destruiu, mas um professor conseguiu ver o potencial que ele tinha. Diz que deixou para o último dia fazer sua matrícula e que na fila do clássico, voltado para as áreas humanas, tinha 80 pessoas e que na fila do científico, das áreas exatas, apenas 4, então acabou se inscrevendo neste. Ficou cinco anos fazendo algo que era para ser feito em três: “Porque tudo que eu faço, faço bem.” Em 1956, com 20 anos, estava em Araraquara e tinha um exame oral da disciplina que tanto temia. Segundo ele, o professor havia perguntado: “De quanto você precisa?” E ele: 9,7. Nesta situação, o professor sugeriu que ele fosse para o tudo ou nada. E disse que ele devia fazer uma equação. Para Loyola podia ser hieróglifo ou aramaico que daria no mesmo. Mas, segundo ele, a platéia estava formada por lindas meninas e ele pensou: “tudo menos a vergonha”. Começou, então, a escrever todos os símbolos matemáticos que vinham a sua cabeça até chegar ao símbolo do PI. Conta que tinha um cara fazendo o teste para física e que ele pediu mais espaço para que ele pudesse continuar escrevendo a sua equação. Colocou um resultado: 540 cdq (como queria demonstrar) e jogou o giz em um gesto teatral. Sua nota? 10. E não acreditando no resultado, questionou o professor que teria respondido: É 10. 10 pelo delírio, 10 pela loucura, 10 pela imaginação, terminando por dizer: Vai embora. Ignácio, o seu mundo é o da fantasia! Acho que não preciso comentar o quanto de performance tem nesta fala, não é mesmo? Bem sucedida, diga-se de passagem.

Fernando Molica jornalista e escritor foi quem começou a falar do tema do Painel, dizendo que há sempre os apocalípticos, mas que as coisas vão se reiventando e a cada meio que vai sendo criado, vamos encarando novos desafios. Para ele, a internet retira o monopólio da fala. Nunca, diz ele, a humanidade foi tão produtora de informação. “A gente ainda não sabe como isso vai evoluir, mas não implica em um fim. Observou que, em tese, a jornada é arcaica, que aqueles “encontros” poderiam estar acontecendo de forma virtual, mas que precisamos de contato. (Nesta hora, pensei que estar em algum lugar com ar-condicionado, acessando aquele circo pela internet não seria má idéia.) Seguiu dizendo que a tecnologia por si só não é nada, somos nós que produzimos o seu conteúdo. Lá pelas tantas, foi falando apenas dos seus livros e acabou com um tom meio de propaganda. Queria mais.

A palavra foi para Guilherme Fiuza, autor de Meu nome não é Johnny, não o filme, o livro! Também jornalista. Fez justamente os comentários que eu gostaria de fazer. Sobre o tamanho da jornada e sobre a logística que um evento deste porte exige, elogiando a capacidade empreendedora da coordenadora. Claro que ele falava com muito maior conhecimento de causa, pois foi contatado pela mesma para tratar da sua estada ali. Foi bastante humilde (ou realista?) ao dizer que é tão chamado para falar de cinema que ou vai se transformar em um especialista ou o Brasil vai acabar percebendo que ele não entende nada do assunto. Talvez, até tenha feito este comentário considerando a presença de Jorge Furtado no Painel. Mas este quando começou também não tinha tanto conhecimento e sei que Giba Assis Brasil, seu parceiro cineasta, também não. A fonte é garantida. Sua própria mãe me contou os primeiros passos do filho quando surrupiava os vasos da casa que só iam aparecer sendo estatelados em alguma cena na “obra de arte” do filho. Bem, mas voltando a Fiuza, ele relatou toda a sua experiência enquanto jornalista que queria escrever uma reportagem que não cabia em qualquer veículo de comunicação. Foi quando procurou Estrella dizendo que queria contar sua história, mas esperando que esse dissesse que não aceitava. Este, no entanto, topou. Livro publicado, produtores de cinema começaram a procurá-lo dizendo que ele havia escrito um roteiro de cinema.

Seu relato me fez refletir justamente neste momento em que vivemos de conexão das mídias: uma reportagem, que vira um livro, que vira um filme. Acho que está na hora de aceitarmos isso com mais naturalidade. Fiuza falou também de sua experiência com os blogs. Dos temores das pessoas de que estes venham a substituir o jornal, coisa na qual ele não acredita. Mas afirma que estamos tratando de algo poderoso e teve provas disso no seu primeiro blog quando podia ou não aprovar os comentários dos seus textos publicados na internet, mas não conseguia encontrar um critério adequado. Os que elogiavam seriam publicados. Não colocar nenhum dos que criticavam seria ridículo. Acabou deixando passar tudo. Diz que acabaram xingando até a sua mãe. Mais tarde, quando a Revista Época o convidou para fazer um novo blog, voltaram a discutir os tais critérios e, mais uma vez, acabaram não fazendo nenhuma censura. Assim, surgiam campanhas pessoais contra ele. “Um negócio orquestrado”. Ele decidiu ver até onde ia dar e acabou percebendo que, não reagindo, as tais campanhas foram desaparecendo e as mesmas pessoas que o haviam criticado severamente, começaram a publicar coisas muito coerentes, lúcidas, pertinentes. A conclusão a que ele chegou é que o público não quer mais ser passivo.

Fiuza acredita que a partir das manifestações em blogs, os autores podem acabar partindo para sua própria produção de conteúdo, pois observava que, às vezes, os textos postados eram até melhor fundamentados do que o dele. “Estamos diante de um desafio. A única saída para este flagelo do álcool e das drogas é estes alunos verem a possibilidade de se expressar. Dá espaço para tanta gente ser alguém? Acredito que sim.” O jornalista vê tudo isso sem saudosismo e olha para o futuro de forma otimista. Defende que os produtores de conhecimento devem dar importância para a simplicidade. “A arte intangível perdeu a graça. Não há mais espaço para o fetiche do saber”.

Chegou a vez de Jorge Furtado. Já o vi falar muitas vezes, menos do que gostaria, pois ele sempre parece à vontade diante da platéia e qualquer aparição sua se transforma em uma conversa com o público, como se a gente estivesse na sala de casa ou na mesa de bar. Bem, quem sabe um dia... Então, ele começa falando da foto do livro que acabaram de distribuir sobre o Plano Nacional do Livro e Leitura, onde tem um jegue que transporta livros e faz referência ao livro burro que havia na Colômbia e de uma história do desaparecimento do livro Odisséia que havia interessado o povo porque este se identificava com a história. Furtado diz isso para corroborar sua afirmação de que o livro não vai morrer. Diz que gostaria de discordar dos que falaram antes dele, para a conversa ficar mais divertida, mas que não conseguiu. Sim, a arte não é substitutiva, é cumulativa. Dito isso, traz à tona outra questão: a discussão entre realidade, verdade, fato, ficção. Fala sobre o livro Robson Cruzoé cujo autor acabou enganando seus leitores que achavam que aquela história era verídica, pois até então não se usavam nomes próprios nos romances. Comenta que há uma demanda pelo realismo no cinema. Relembra o primeiro filme dos irmãos Lumière que era a saída de uma fábrica. Mas chama a atenção que, embora possa parecer um documentário, os empregados não estavam vestidos como sempre, assim como houve uma certa coordenação do tempo.

E o diretor de cinema pergunta: e qual é o limite? Segundo ele, o trato que nós fizemos. Diz ele que ao ver o telejornal não quer ficção, quer os fatos. Ao mesmo tempo em que fala em verdade e logo se questiona sobre o significado desta palavra. Bem, como jornalista, entendo o que ele quer dizer, esta necessidade dos fatos, das provas, da coerência das informações. Mas acho que na sociedade do espetáculo em que vivemos é uma luta inglória esta. É quase como pedir para ser enganado. Particularmente, acho que não tem mais como sermos tão severos em relação a isso. Temos que filtrar as coisas que nos chegam. Avaliar, ver o que nos serve e descartar o restante. Se vamos começar a tentar comprovar tudo que é dito ou divulgado não sobrará mais tempo para nada em nossas vidas e está aí algo que já anda bastante escasso. A própria história contada por Furtado comprova isso. Ele falou sobre uma notícia engraçada (?) sobre um Picasso que estaria às traças no INSS que foi divulgada em importantes jornais do país, mas que bastou alguma atenção para perceber que não condizia com a verdade. O quadro, a Mulher em branco, era apenas uma cópia. Tratada como obra rara. O diretor bem que tentou avisar os “seus colegas” do engano, mas de nada adiantou. Ao contrário. Estes reforçaram o engano, entrevistando a filha do Picasso, noticiando, anos depois, que a obra havia escapado de um incêndio. Até que ele conseguiu chegar o mais perto da verdade: o quadro havia pago uma dívida com a União e era melhor deixar a história por isso mesmo.

Esta, aliás, é uma história leve se considerarmos todas as “fraudes” que o meio virtual permite. Mas adianta acabar com a internet para dar um fim a isso? Claro que não e nem Furtado estava falando disso. “Nunca fui tão bem informado”. Diz ainda que a gente tem que ler, inclusive, quem discorda de nossas idéias, ter que ler de tudo.

Pronto. Tua vez, Ricardo. Ele começa falando que ficar para o fim é um problema, pois ele já havia feito três palestras na sua cabeça. Disse que ia fazer algo habitual: começar com um poema.

“Não me pergunte pra que serve a arte,

Se você sabe.

Antes de nascer você já sabia.

Se alimentava de arte pelo cordão umbilical

se não, como você conseguiria

atravessar nove meses sem respostas

as suas perguntas?

Ritmo é a resposta

no som submerso

Só a melodia da fala que nada dizia

uma entonação,

uma dança

das mãos sobre o ventre

em que você dormia.

Desde que nasceu,

sem arte, que você sabe

como ninguém para que serve,

ser arte, pra que a vida serviria?

Para mim, ele já nem precisaria dizer mais nada. Podia levantar e ir embora. Mas daí eu perderia ver alguém dizendo algumas das coisas que eu tenho repetido no último ano e meio. Por que este espanto com a tecnologia? A mídia e a tecnologia acompanham a arte desde o início dos tempos. Silvestrin (é engraçado para mim chamá-lo pelo sobrenome), segue explicando, dando exemplos de como a “tecnologia” influenciou a língua, os versos, a recepção, a produção. A palavra que ocupava o papel até pouco tempo atrás e que agora ganha movimento, foto, som. Vai dar certo? Vai ficar legal? Esta é a verdadeira (olha a palavra aí de novo) questão. Além do calor que fazia no circo, as palavras deste poeta-autor aquecem ainda mais o ambiente literário: “Não basta dizer que as pessoas têm que ler. É preciso discutir: ler o que?” Usa uma expressão que me faz voltar aos anos 80 quando nos reuníamos quase todos os dias: “Tem bananices? Claro! Há livros que é melhor o cara nem ler!” Interrompe o que estava falando para fechar um botão da camisa. Compulsão? Algo que nos mostra que o poeta afinal é um simples mortal (mas, pode acabar imortal)? Fala dos seus blogs. Sim, porque para alguém com tantas inquietações apenas um não basta. Também faz referência aos discursos apocalípticos. O papel vai acabar? Para mim se não acabar o papel higiênico já estou feliz!” Ah, Ricardo, sabia que um dia teu senso de humor transbordaria nos teus textos e nas tuas falas.

Comecei a ver Sergio Leo falar. Outro jornalista, atual escritor que ganhou o prêmio SESC de literatura. Não vi até o final. O calor, as idéias foram me deixando sem condições de receber mais informações. Talvez, Fiúza tenha razão ao dizer que se o leitor não abandonar a leitura até o final do parágrafo ele é um herói. Registro apenas uma fala de Leo que me chamou a atenção até eu sair: “Todo relato é uma interpretação. Às vezes, o repórter pensa que está fazendo jornalismo e está fazendo ficção”. Como jornalista já vi isso acontecer muitas vezes. Por falar nisso, o que faço aqui é um relato ou ficção? Confesso que estabelecer esta divisão não me interessa muito. Sim, tento ser fidedigna as palavras. Anoto o máximo que posso. Mas dou ênfase aquilo que me interessa. Recorto aquilo que não desejo. Enfatizo trechos com os quais concordo e vou recriando sob a minha ótica o painel de hoje à tarde da Jornada de Literatura. Por quê? Porque como todos os seres conectados do mundo de hoje sinto necessidade de compartilhar idéias e experiências.

Não fiquei para o show dos Poets. Não fiquei para a palestra às 20h de Marcelo Dantas. Mas deixei uma multidão lá para assisti-los. Troquei estas atividades pelo jantar em uma galeteria da cidade com os parentes que me hospedam neste momento. Gosto de ver minha mãe contando para eles as histórias da família e lá pelas tantas começar a botar água no vinho e pedir para que eu alcance os alfinetes , leia-se palitos.

2 comments:

  1. Alô Helena

    Muito bom teu blog, parabéns.

    Uma discordância: não existem lutas inglórias. "Sempre vale à pena..." Acho que cada vez mais temos que ser severos em estabelecer limites entre a ficção, a mentira e a verdade. E temos veículo para esse debate, a internet. A luta continua.

    Mais sobre o Picasso do INSS:

    http://www.nao-til.com.br/nao-82/picasso.htm

    Jorge Furtado

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  2. Nem sei como chegaste aqui, mas tua vinda é motivo de satisfação para mim. Venha sempre para concordar ou discordar e, provavelmente sempre que este último acontecer, concordarei contigo!

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