Wednesday, November 30, 2011

Um amante à moda antiga

Tenho um amante. De vez em quando, ele me obriga a ficar em lugares que eu não gostaria. Me provoca. Me agride. Me deixa entediada. Às vezes, usa palavras gentis e milhares de subterfúgios para me seduzir. Em alguns momentos, ele é perfeito. Me faz sorrir, chorar, sentir todo tipo de emoção e me deixa feliz. Desculpe se vou frustrar algumas pessoas mas eu estou falando do teatro. Mais precisamente do espetáculo que acabo de assistir chamado: Uma fada no freezer.
Uma fada no freezer é teatro feito à moda antiga por gente jovem. Sem novas tecnologias, vídeos ou qualquer outro tipo de parafernália. Praticamente sem cenário. Uma corda que define o espaço, uma cadeira, alguns elementos cênicos, a luz e os sons de Bernardo Vieira. E palavras, muitas palavras. Expressas por uma atriz que nos arrebata desde o primeiro instante. Ana Schneider diz ser uma fada sem asas e, mesmo que tudo nos indique que esta afirmação saia de uma mente conturbada, ela nos convence das suas crises, dos seus dilemas que passam pelas aventuras na Antártida até sua própria solidão.
Não creio que haja nenhum tipo de exagero na apresentação que diz que o texto foi escrito especialmente para a atriz por Júlio Zanotta. Ela se torna o texto. A cada movimento, a cada risada, a cada gesto. Discordo, porém, da ênfase dada no programa aos aspectos femininos da dramaturgia. Afinal, não há sexo para expectativas e aflições. Não há gênero para o drama, a comédia, a magia.
Assinam a direção Francisco de Los Santos e Luciana Hoppe. Ele em seu primeiro trabalho como diretor, ela com sua formação em dança. E dessa mistura saem movimentos que embasam o texto, dão fluidez. O corpo acompanha as milhares de palavras desse monólogo que faz rir, mas que também é trágico. Por trás das aventuras narradas por esta fada estão as angústias, as crises de qualquer ser vivo diante da repressão, das experiências emocionais como o amor.
Talvez, justamente por nos enfeitiçar com seu carisma, sua força cênica e sua leveza, reforçada pelo vestido esvoaçante do figurino de Coca Serpa, sejamos pegos de surpresa quando ela se diz sem esperanças e a luz se apaga no final do espetáculo. Tínhamos sido cativados e queríamos que a fada realizasse o seu próprio desejo. Saísse do freezer e pudesse tomar um chá ou uma sopa quente. Já no debate, alguém da plateia diz que Ana Schneider tem tudo para ser uma grande atriz. E eu me perguntei: falta o que? Pois desde o começo eu desconfiei: meu amante encontrou outra nova amada. 

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