Monday, July 26, 2010

Não há tempo para os artistas


Resolvi parar tudo que tinha e devia fazer para escrever sobre onde fui ontem. Se não vai ficar velho... Ah, que bobagem. Se tem algo que percebi foi que tem coisas que não envelhecem. Tinha escutado no rádio que o Nelson Coelho de Castro ia cantar com a Orquestra do Theatro São Pedro. Havia me parecido um excelente programa, mas eu sabia que pela agitação do sábado, ia estar com preguiça. E não deu outra, mas um convite em cima da hora me fez repensar e topar a empreitada. Em um ritmo devagar quase parando lá me fui. O presente me puxando para encontrar o passado.

Os lugares quase lotados. Fui parar na primeira fila. Chega o maestro. Fala um pouco da história do Nelson, de sua formação clássica, de uma música que havia ficado na sua cabeça desde o tempo dos seus estudos no Palestrina e que agora ia ser tocada por nada mais, nada menos do que a Orquestra toda. Uma melodia incrível encheu aquela imensa sala cheia. Logo depois, entra Nelson Coelho de Castro. Senta e começa a cantar a próxima música. Não conversa com o público. Não dá bom dia. Eu pensei: deve estar nervoso. O Nelson? Adora um papo-o com a plateia. Lembro que em todos os seus shows ele conversava bastante. Coisas interessantes, é claro! Divertidas. Gostava de falar. Com um jeito modesto, contido e ao mesmo tempo um imenso sorriso e um olhar maroto. Estava quase tudo lá. Mais de 30 anos depois. Menos a conversa.

Mas, na terceira música, ele para tudo e diz que não está conseguindo conter a emoção, que devia ter dado bom-dia (ah...), que errou a música fazendo esforço para não chorar, para conter as lágrimas que já tinham começado a aparecer na música de abertura. Fala dos arranjos feitos por Vagner Cunha (razão atual do tal convite) que foi quem o chamou para ele estar ali. Pronto. Era o Nelson por inteiro. E por alguns momentos, eu tive 18 anos de novo. Estava lá no Bar do IAB ouvindo sua voz meio rouca cantando: “Faz, faz a cabeça, faz com cachaça, faz com limão”*. Porém, é o trecho de uma das músicas que ele nem tocou que sempre ressurge em minha memória e me traz uma enorme nostalgia: “Aquele tempo do Julinho, eu jamais vou me esquecer, eu pensei que era um filme, eu jamais irei me ver”. Juro que não consigo nem escrever estas palavras sem sentir um aperto no peito que provoca um suspiro. Imagina se eu tivesse estudado neste colégio então.

Não resisto e canto baixinho a letra de Armadilha, que nem era lá minha preferida e me divirto pensando que passei milhões de anos entendendo “cambada de fé tá na mão (a letra é cambada de pedra na mão). De qualquer forma, a letra faz mais sentido para mim, agora. Lá pelas tantas, ele chama ao palco o Bebeto Alves. Pronto. Mais lembranças. Minha irmã tinha um disco dele que adorava. Ouvia o tempo todo. Também, como não se apaixonar por uma frase dessas? “Nas pegadas das minhas botas, trago as ruas de Porto Alegre E na cidade de meus versos, O sonho dos meus amigos”.

Nelson explica que chamou Gelson de Oliveira para tocar no lugar de Totonho Villeroy. A primeira pessoa que entrevistei na vida, durante os tempos de faculdade nos anos 80, quando ele ainda tocava em uma garagem no bairro Menino Deus. E estes “contatos” com estes músicos vem da minha amizade com Ricardo Silvestrin e Enio Côrrea (o Eninho). A dupla que hoje percebo teve uma influência incrível na base da minha formação cultural e na minha paixão pelas artes que me levou a ser mestra em Artes cênicas.

Nelson pode estar de cabelos grisalhos, Bebeto ter uma filha artista famosa, Totonho ter até mudado de nome, mas nesta manhã de Domingo, eu voltei ao passado e me emocionei as lágrimas. Não é que o presente não esteja bacana e que eu não acredite que ainda tem muita coisa pra frente me esperando, mas aquelas músicas me remetem a um passado em que tudo era possível e “ao ver-te, Nelson, rever-te, verte tudo com gosto e tudo do primeiro louco ver-te”.

Comento com ele destas lembranças ao ir pegar seu autógrafo no Cd Lua caiada que acabo de ganhar (ou pego seu autógrafo para comentar?) e é claro que ele tinha a coisa certa para dizer: “A música é como perfume, nos remete imediatamente ao momento, ao que sentimos em qualquer tempo do passado”. E eu sigo sentindo o que ele escreveu na letra de música para Porto Alegre, algo como: “um dia quase furacão, em outro paz e meditação”. Ah, e “ainda penso em ser feliz”.

* Fui devidamente corrigida por Betha Medeiros que foi adolescente na mesma época em que eu, só não nos conhecíamos. Na letra da música Faz a Cabeça, onde lê-se "llimão", leia-se "razão". Vou botar a culpa nos meus amigos que deviam cantar assim. Eu até imaginei que poderia estar errado...

1 comment:

  1. Nossa Helena, quanta lembrança boa e que me identifico também! O Nelson traz memórias ótimas mesmo, ou perfumes do tempo, que seja... Bah to chocada, somos duas que cantavam que a cambada de fé tava na mão. Hahaha... E pior que fazia mesmo o maior sentido pra mim. E o faz a cabeça, acho que foi a primeira música dele que ouvi num show ao vivo em Capão Novo nos idos de sei lá...86? Por aí. Super política, terminava com "Nóis num somo pelêgo, e nem cheiremo a jasmin"...Ah coisas boa esses momentos revival's! É que nem ouvir os nei Lisboa daquela época do Prá viajar nos Cosmos não precisa Gasolina, parece que dá giro no tempo no Bonfim e a Osvaldo se torna transitável e pacífica à noite por alguns momentos... eita vida...

    ReplyDelete