Sunday, March 22, 2009

Gênio Indomável


Meu pai se foi esta semana. Lembro das várias vezes que o meu temperamento e o dele se esbarravam. Em menos de cinco minutos conseguíamos começar uma discussão. Talvez, os astros expliquem: somos signos complementares. Ele ariano, eu libra. Não, meu pai não era uma pessoa fácil. Levei muito tempo (e alguns anos de terapia) para entender que devia olhar para suas atitudes e não me incomodar com o seu discurso.

Ele achava que devia me preparar para o que ia encontrar fora de casa e procurava dizer coisas que fortalecessem minha personalidade. Não funcionava. Suas palavras me desestabilizavam de tal forma que quando comecei a enfrentar o mundo lá fora nada me pareceu tão difícil. Já há algum tempo compreendi que a força das palavras daqueles que a gente ama é muito maior do que a dos possíveis inimigos que possam cruzar nosso caminho.  Mas, reconheço que devo a ele minha capacidade de refletir sobre as coisas e organizar meu pensamento. Na minha casa, todo dia era dia de debate!

Meu pai radicalizava suas idéias, tinha dificuldade em expressar seus sentimentos. Mas, bastava um pequeno contato com suas atitudes para descobrir uma das pessoas mais interessadas no bem estar alheio que já conheci. E não digo isso apenas por ser sua filha. Tenho certeza de que qualquer pessoa que saiba que ele há mais de 30 anos repassava todos os ganhos que havia conquistado com seu trabalho, ao longo de uma vida, para os seus, concordará comigo. Nunca falava em comprar algo, fosse um carro novo ou uma camisa. Mas, era muito consciente de que as coisas custavam dinheiro e se preocupava, frequentemente, com o nosso futuro. Aliás, foi isso que o fez enfrentar um concurso e ser bancário por 25 anos, quando sua paixão era ser professor, o que ele fazia paralelamente.

Seu jeito irônico, muitas vezes, me feria. E quando eu consegui, finalmente, verbalizar isso. Ouvi dele uma confissão: a ironia é a arma dos covardes. Coisa que, sem dúvida, ele não era. É preciso coragem para acreditar em um projeto como ele acreditava, de investir tanto tempo em um ideal, de bater em portas fechadas para idéias novas e ir aos pouquinhos conseguindo entrar. 

Há mais de 30 anos, foi ter um ataque do coração em Paris. Anos depois, fez pontes de safena. Depois, vieram várias outras complicações de saúde. Nada o derrubava. “Um Fênix” consideravam os médicos. Nestes últimos anos, entrou e saiu do hospital algumas vezes. Em 2007, instigado pela minha mãe, elaborou um livro chamado Enigmas do Futuro com várias histórias lógicas inéditas cheias de criatividade e depoimentos de pessoas ligadas à educação elogiando seu trabalho.

Para muitos, era um gênio. Afinal, a partir dos seus conhecimentos e estudos, criou algo inédito com o objetivo de ajudar as pessoas a pensar. Investiu tempo de vida nisso. Enquanto teve energia, era obsessivo na tarefa de repassar seus conhecimentos. Tinha pressa, se angustiava e era incansável na tentativa de convencer as pessoas de que algo diferente, novo, era bom. Quando ele mesmo começava a duvidar, alguém vinha lhe dizer o quanto o seu trabalho havia mudado sua vida.

Amigos me dizem que o reconhecimento do que ele fez ainda está por acontecer. Não duvido. Assim, como aconteceu comigo, será preciso tempo para que as pessoas entendam uma mente como a do meu pai. Não. Meu pai não era perfeito, mas, não tenho dúvidas, de que era um homem a frente do seu tempo, o que dificultou até mesmo a sua família de compreendê-lo melhor, mas, isso não nos impediu de amá-lo, embora ele possa ter partido sem ter certeza disso. Sabemos, no entanto, que é isso que acontece com pessoas geniais. 

1 comment:

  1. Emocionante teu texto, como são estes momentos nas nossas vidas. Identifico-me em muitos momentos, com o diferencial do masculino pelo feminino, já que perdi minha mãe há dez anos. Perde-se e ganha-se. Sentimentos transformados. Tem um tipo de saudade que, a partir de um momento, faz bem sentir. Pra você, um olhar, um sorriso sem mostrar os dentes, com o respeito e silêncio que a compreensão impõe. E um breve piscar de olhos...

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