Tuesday, May 18, 2010

É hora de fazer do limão uma limonada

Já há algum tempo que tinha ouvido falar do filme sobre Simonal, este cantor dos anos 70 que eu também já havia esquecido. Na época, fiquei com vontade de ver, mas o tempo passou e não tive chance. Hoje assisti o DVD. Ouvir Simonal para mim é fazer uma longa viagem no tempo. Eu, que não sou saudosista, sinto uma alegria, ao ver no palco aquela figura com uma faixa na cabeça cantando: "Nem vem que não tem. Sacundim, sacundá".

Ansiosa, com contrações nas costas que dão trabalho a minha massagista, sempre admirei as pessoas que passam esta idéia de estarem completamente à vontade, que tem malemolejo (esta palavra estará no dicionário?), que parecem sempre relaxadas, mesmo que diante de uma multidão de mais de 30.000 pessoas. Simonal, convidado para abrir o show de Sergio Mendes "roubou a cena" fazendo toda a platéia cantar "Meu limão, meu limoeiro..." a partir do seu comando. Conta seu filho que a faixa na cabeça, que acabaria se tornando uma marca registrada, foi colocada para segurar as batatas que deveriam eliminar a sua dor de cabeça e que ele teria esquecido de tirar antes de entrar no palco.

Não é à-toa que conseguiram juntar tantos depoimentos de pessoas de áreas tão diversas para falar (bem) dele, entre estes Nelson Motta. Poderiam ter entrevistado minha mãe que disse: "eu adorava ele". Fiquei surpresa, afinal, ela sempre tão ligada a rígida cultura francesa se declara uma apaixonada por aquele cantou que aparece dizendo: "prá ter fun fun trabalhei, trabalhei". Ela que quer que eu pronuncie todos os "sss" e "rrr" das palavras, encantada com um cara que diz: "masque belê?"

A verdade é que poucas pessoas resistiam ao carisma de Simonal, ao seu jeito alegre e irreverente. Até mesmo Pelé, que sempre aparece tão sério, sorria ao falar do seu amigo, dizendo que a aproximação deles aconteceu porque todo "jogador quer ser cantor e todo cantor quer ser jogador". No entanto, na cena em que Pelé aparece cantando não chega aos pés do seu amigo (e olha que eu acho o Pelé um sujeito com uma energia muito forte e uma voz bem poderosa).

E o filme se desenrola assim, a partir de histórias contadas por aqueles que conviveram com ele, como é o o caso de Mièle. Uma das mais curiosas é a que eles vão juntos a uma sauna e Simonal, recebido com todo o zumzumzum que o seu sucesso já estava causando, reconhece que está na mesma casa onde a sua mãe era cozinheira e colocava um prato de comida no muro, já que os patrões não permitiam que ele entrassse. Ah, talvez seja necessário dizer que estamos falando de um cara negro e pobre, o que pode ter contribuído para a total intolerância ao que foi considerado um grande mal entendido. Li comentários de pessoas que se queixam que o filme não chega aos fatos. Eu não sou uma entendida em época de ditadura, mas pelo que sei não é tão simples assim. Além do mais, o fato de ser um documentário não quer dizer que não possam ter decidido dar ênfase ao talento de Simonal que este sim me parece inquestionável. Cinema não é lugar de investigação, embora o filme até mostre momentos em que o cantor apresenta a documentação que diz que ele não colaborou com a ditadura. Para mim, isso pouco muda. Estar escrito em um papel por mais "oficial" que este possa ser, não garante que tenha acontecido.

Os comentários surgem. Ao descobrir que estava sendo roubado pelo seu contador, Simonal teria mandado o pessoal do DOPS torturá-lo. No filme, o contador aparece confirmando estes dados. Os demais porém dizem que acreditam que a ingenuidade de Simonal misturada com uma certa arrogância tenham feito ele se comprometer com algo que ele não podia sequer imaginar.Para levá-lo a uma Sibéria de recepção como diria um dos entrevistados, muitas notícias da imprensa o acusavam de colaborar com o governo da época da
ditadura. Foi o suficiente para que a classe artística também não o perdoassem. Sobre isso, para minha supresa, Bárbara Heliodora diria: "Era um petisco para os preconceitos teóricos e práticos".

Chamou minha atenção que é justamente Ziraldo que fala que era uma época de intolerância. Outro dirá que "era comum a imprensa brasíleira tomar qualquer indício por fato, qualquer fato por julgamento, qualquer julgamento por condenação e a condenação por lixamento". Era? Tony Tornado dirá que Simonal era simples demais para ter tudo isso planejado. O fato é que, como disse, Boni da Rede Globo, escalar o Simonal era uma dor de cabeça. Os artistas tinham sérias restrições a isso e os veículos de comunicação não perdoavam. É muito triste ouvir sua segunda esposa contar que ele se escondia atrás de uma pilastra no show dos seus filhos que já começavam a fazer sucesso por conta própria.

O filme mostra uma manchete de jornal de uma matéria de 1995, de Mario Prata dizendo: Esquecemos de anistiar Wilson Simonal. Bem, mesmo tarde, este filme parece fazer isso. No entanto, Raphael Viviani, o contador, é entrevistado e insiste no seu espancamento. Ou seja, o filme, não mostra só gente falando bem e defendendo Simonal. Chico Anysio fala da overdose de ostracismo pela qual passou o cantor e diz que gostaria que aparecesse apenas uma pessoa que tenha sido dedurada pelo Simonal. "De qualquer forma, deve haver uma outra vida onde ele vai comandar os anjos e São Pedro vai dizer: 'o que esse cara tem que manda nos anjos mais do que eu", diz Chico Anysio.

PS: Ainda estou esperando quem me explique o que quer dizer "esquindô lelê" e para quem acha que eu contei toda a história, garanto que não há como descrever as apresentações de Simonal.



 
 

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