Cinema, francês, comidas e vinhos? Morri e fui para o céu? Não, ainda não. Mesmo, assim, não dava para resistir ao convite da Aliança Francesa para “Le rendez-vous cinema”. O filme era “Questão de Gosto”, de Bernard Raap, e mesmo que não tivesse absolutamente naaaada a ver com a minha pesquisa de mestrado em teatro sobre crítica, assim que li o título, fui atraída. Bem, saber que era uma sessão comentada com Philippe Rémondeau e com a mediação do diretor Cristophe Benest também ajudou.
No momento, era o mais perto do Chez Philippe que eu podia chegar e quase que isso não acontece, pois, já de cara fomos avisados que ele se atrasara. O que, no entanto, não fez nenhuma diferença, pois, ver o filme no escuro e em silêncio com ele do lado não ia tornar o filme mais interessante do que já é. Talvez, eu pudesse olhar para ele com um olhar de fome cada vez que aparece uma das cenas maravilhosas de comida, mas, sem luz, acredito que pouco adiantaria.
O filme é instigante. Com um roteiro desconstruído (linguagem dos pós-dramáticos) cuja primeira cena é o final e já nos avisa de antemão que não será feliz. Eu, que não leio nem caixinha de DVD para não saber os detalhes, não me importei. De qualquer forma, o filme prende e a história vai sendo contada aos poucos. O trabalho dos atores Bernard Giraudeau, Charles Berling, Florence Thomassin, Jean-Pierre Leaud, Jean-Pierre Lorit é muito bom e a relação que se estabelece entre os dois principais é curiosa, bizarra até. Ao mesmo tempo familiar. Sim, porque embora a história vá evoluindo para situações patológicas, trata-se de uma relação de poder, de trabalho, de patrão e empregado. De humilhação, de assédio moral e estas coisas que não são tão desconhecidas assim.
Lá pelas tantas, enquanto me perguntava como alguém poderia suportar tanta maluquice, lembrei de um dos meus empregos na virada do milênio (ano de produção do filme, aliás) em que a relação entre eu e meu chefe (um ex caso de amor) também descambou de modo muito esquisito. Pensava nas vezes em que ele me “obrigava” a ir trabalhar nos sábados para realizar reuniões estratégicas para a empresa, garantindo que desta forma me transformaria em sócia, para depois me deixar todo o sábado pela manhã absolutamente sozinha e aparecer, próximo ao meio-dia, com o maior sorriso, me chamando pelo apelido que me criara e dizendo que, infelizmente, tinha ficado preso em uma situação inesperada. Fato que se repetiu por muitos meses e eu continuava indo trabalhar aos sábados contrariada. E, aproveitando o filme, vou empregar um verbo francês que aprendemos lá na Aliança na aula de sábado de manhã (sim, agora, este é muito melhor aproveitado): subir = suportar alguma coisa dolorosa sem querer.
Importante frisar, porém, que eu não tinha as vantagens que o cara do filme teve: o alto salário, as regalias. Aliás, na descrição do filme diz: “o que no início era uma relação profissional acaba por tornar-se muito perigosa para ambos”, eu discordo. Acho que nem, no início pareceu apenas uma relação profissional. Adoro cinema por isso. As coisas vão sendo ditas aos poucos, mas, já estão lá. É um olhar, um jeito de andar, uma frase aparentemente casual. Muitas vezes até o figurino ou um objeto qualquer vão dando indícios do que irá acontecer depois. De qualquer forma, mesmo neste filme em que a cena final já apareceu, e inclui uma camisa encharcada de sangue, ainda queremos saber o que aconteceu até chegar ali. E quando sabemos, não decepciona. Ao contrário, dá vontade de saber mais. É aquele tipo de filme que não termina com os créditos, que podemos aprofundar com as discussões. Importante observar o ritmo deste filme, pois, os franceses têm sua fama de fazer cinema lento e, muitas vezes, sem final, como muitos de nós, brasileiros, costumamos dizer. Não é este o caso.
Mas, apesar da presença simpática do Philippe (sim, ele apareceu!) e das coisas curiosas e inteligentes que ele falou sobre culinária, o tema do filme era para uma discussão com psiquiatras e psicanalistas de plantão. Um chef, por mais brilhante que fosse, pouco poderia fazer para explicar aquela relação de dependência doentia que se estabeleceu entre os dois atores principais, mesmo que eles tenham passado quase todo o filme entre uma refeição e outra. Como dizia a chamada do email que recebi convidando: “Goûter n’est pas jouer”! (Provar não é jogar). Agora, verdade seja dita: saímos todos com vontade de jantar. Infelizmente, ainda não foi desta vez que fui parar no Chez Philippe, mas, estou chegando perto...
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