Você sabe o que é dança? Será? Se você não assistiu Abobrinhas recheadas, acho que você pensa que sabe... e não é uma questão de arrogância de minha parte, mas, de estranhamento.
Fui ontem ver este espetáculo. Minha colega de mestrado Daniela Aquino me convidou. Aliás, percebo que, ultimamente, não vou a mais a nada por iniciativa própria. Mas, embora isso possa parecer ruim, significa que tenho amigos que estão por aí, fazendo arte, expondo seus trabalhos e que me querem na platéia. Bom, mas, não fui com uma idéia pré-concebida. Não sabia o que iria ver. De cara, já gostei de sentar em pequenos pufs que formavam um quadrado, deixando o centro vazio. Estava disposta a ficar mais próxima do que estava para acontecer (nem sempre é assim).
Não vou saber como começou, nem tudo que vi. Minha memória não me ajuda e não fui preparada para fazer anotações. Então, vou comentar minhas impressões e para isso vou dizer que, enquanto, o elenco se apresentava, voltei no tempo e lembrei-me de um curso de dança que fiz com uma professora que tinha um método bastante diferente para a época. Falo dos anos 80. A idéia dela era que a dança podia partir de movimentos simples do corpo e que, deviam, antes de mais nada, não ser impostos por ela. A motivação de seus alunos devia ser as músicas, os ritmos, os sons. Buscando pensar menos no que fazer. Deixar-se levar pelo instinto, pela emoção. Lembrei ainda do quanto me surpreendia com a beleza dos movimentos que acabávamos criando, do quanto eram coreográficos, mesmo que não tivessem surgido com esta intenção.
É claro que não me lembrei disso tudo à-toa. O que acontecia na minha frente tinha um caráter de improvisação e ao mesmo tempo organizado e ensaiado, quase orquestrado pelo diretor que sugere movimentos ao microfone. Uma mão em movimento ganhava vida própria. Partituras repetidas em diversos ritmos, em situações as mais variadas. Eram apenas 4 pessoas: Daniela Aquino, Fabi Vanoni, Nilton Gaffre, Roberta Savian. O fato de eles estarem juntos, mas, também separados, ora sós, ora em dois, depois três, depois quatro... me deixaram a impressão de ter assistido a um corpo de baile. Mas, não pensem que existe alguma relação com um ballet clássico. Esqueçam. O projeto coreográfico de Alessandra Chemello e Diego Mac foge disso e o faz de uma maneira surpreendente, irreverente e competente (mais uma vez me aproveito de não ser crítica e usar todos os adjetivos que tenho vontade e até rimando). Isso não quer dizer que a gente até não possa se lembrar de algo assim quando Nilton e Roberta dançam juntos uma melodia romântica, mas, luvas de Box vermelhas nas mãos femininas lembram que “qualquer semelhança é mera coincidência”.
Todos os intérpretes (ah, era essa a palavra que eu procurava) nos dão aulas do que o nosso corpo é capaz. Mas, Nilton Gaffree me deixou de boca aberta, pronta para engolir uma abobrinha inteira! Sozinho, lá no meio, nos lados, na ponta, ele muda de forma vertiginosa de um ritmo a outro e deixa bem claro que música não é tudo igual e dança muito menos! Mudando de estilo incessantemente vasculha e caça sons e imagens em nossa memória.
Não bastasse tudo que eles nos dizem com seus corpos, o figurino é feito de camisetas variadas, coloridas e que trazem mensagens curiosas, inteligentes, engraçadas, reflexivas. E deixo para o final, mas, para mim, o ponto alto do espetáculo para falar sobre a trilha sonora. Ainda bem que a intenção destes dois jovens responsáveis por este espetáculo era nos divertir, pois, não dá para ficar impassível diante da seleção musical que eles fizeram. Abusaram dos clichês, misturaram a “baixa” e a “alta” cultura (será que ainda existe esta fronteira?). Apelaram para nossas reminiscências musicais, mas, rompendo com qualquer expectativa.
Outra parte do espetáculo que ficou registrada é a dança (?) elaborada ao som de Deus lhe pague de Chico Buarque. Um momento muito forte para mim do espetáculo. A letra desta música sempre me provocou um sentimento de desconforto. Uma bruta realidade me atinge e aquelas 4 pessoas mais uma vez, de formas diferentes, mas, sintonizadas, mexem com minhas emoções e aparecem na contramão do tom do espetáculo que até em tão havia me feito rir, se não de forma audível, por dentro. Aliás, fiquei aliviada ao ver agora, o folheto de apresentação e ler: “Cabe lembrar que não temos o objetivo de sermos engraçados. O ‘humor na dança’ não foi nosso objetivo de investigação. No entanto, como em tudo, não podemos negar as diversões que apareçam durante os percursos. Assim, esperamos que vocês também não neguem, caso o riso, em algum momento apareça.” Ufa! Tinha autorização do diretor para dar aquelas gargalhadas que surgiram espontâneas, assim como a dança de todos eles parecia vir da alma.
E no mais...blá, blá,blá.
PS: Esqueçam a Luana Piovani. Daniela Aquino é mais bonita e exuberante e está mais perto de nós gaúchos. Tivesse ela mais holofotes e ameaçaria Marilyn Monroe.
deus lhe pague
chico buarque
Composição: Chico Buarque
Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer, e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague
Pelo prazer de chorar e pelo "estamos aí"
Pela piada no bar e o futebol pra aplaudir
Um crime pra comentar e um samba pra distrair
Deus lhe pague
Por essa praia, essa saia, pelas mulheres daqui
O amor malfeito depressa, fazer a barba e partir
Pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair
Deus lhe pague
Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir
Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir
E pelo grito demente que nos ajuda a fugir
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas-bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague
Eu sou aluna do Nilton e fiquei mto feliz com o comentário sobre sua performance. Realmente, o Nilton é muito talentoso e simples. Ele tem o carisma daquelas pessoas que são genuinamente talentosas, sem exageros, fluido (eu diria), suave, feliz no seu dançar...Aprendo muito com ele. É bem verdade qd se diz que a dança do Nilton "vasculha e caça sons e imagens em nosss memória" Sandra
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