Monday, January 28, 2013

O dia em que o coração do Rio Grande parou


Sempre morei em Porto Alegre. Adoro a cidade. Quando escolhi o jornalismo sonhava em ser correspondente internacional, mas não pensava em morar em outro lugar. Em verdade, só tive uma oportunidade em Santa Catarina para exercer fora a minha profissão. Não quis. Mas, era comum eu dizer que se tivesse que morar no interior seria Santa Maria, conhecida como o coração do estado. Não conhecia muito a cidade, mas, nas poucas vezes em que fui, percebi uma energia boa no ar. A juventude, associada ao desejo de conhecimento, era uma mistura que tornava o lugar especial. Muitos eventos culturais, muitos cursos e, é claro, muitas festas, muitos bares charmosos e agradáveis, locais de discussão dos mais diversos temas e diversão.
Por tudo isso, tinha ainda mais interesse em acompanhar desde cedo as informações sobre a tragédia deste Domingo, 27. Como tenho hábito de acordar e ir olhar o Facebook já havia alguém comentando sobre o incêndio na boate Kiss mas ainda não dava para ter ideia da gravidade. A partir de então, foram surgindo novos dados, comentários, informações diversas. De crônicas a solicitações de auxílio. Não liguei o rádio, nem a TV. Perdi esse hábito. Estou cansada da maneira como a imprensa trata as notícias no dia-a-dia e em como conduzem as pessoas a falarem só sobre tragédias e violência todo o tempo, imagina uma hora dessas... Na rede social, os dados também chegam e, a meu ver, de uma forma mais reflexiva, atenta, afetiva e por fontes que eu tenho melhores condições de avaliar a veracidade, a confiabilidade. As opiniões vão se somando e eu posso tirar minhas próprias conclusões. Não sou induzida por uma linha editorial sanguinolenta. Sendo assim, fazia muito tempo que não assistia o Jornal Nacional. Nessa segunda, depois de ler uma publicação no Facebook que sobre a presença de “estrelas” do jornalismo na cidade, resolvi encarar. Logo de cara, comecei a me emocionar, a ficar angustiada, mas tomei uma decisão: assistir analisando o trabalho jornalístico.
Willian Bonner provou que sabe entrar ao vivo. Não titubeia. Também não esperava menos de alguém com toda a sua experiência. As matérias mostram os jornalistas indo atrás de várias fontes, dando ênfase a vários aspectos que o tema abrange. Os recursos tecnológicos permitem avaliar diversos ângulos das principais dúvidas levantadas. Os repórteres, no entanto, insistem em forçar reações emocionais dos entrevistados. É sempre assim, embora eu não lembre de ter aprendido isso na faculdade (e posso garantir que não era de faltar as aulas). O objetivo? Eu não ainda não sei. As pessoas dizem que é pela audiência. Isso quer dizer que está cheio de gente em casa querendo ver pela televisão o sofrimento alheio? Prefiro acreditar que é despreparo mesmo. Incompetência. Conclui que o próprio curso de comunicação deveria aprofundar a forma de abordar esses momentos, criar regras, impor limites. Ou de nada adiantará todos os recursos, jatinho, computadores de última geração. Estarão sempre pondo tudo a perder e merecendo todas as críticas e o deboche que recebem. Foi assim com os integrantes da banda.
O depoimento de um dos artistas pode ser criticado pelos parentes e amigos, mas posso imaginar o que ele quis dizer quando falou que pareciam animais. Tenho para mim que se não praticarmos ações menos egoístas em horas calmas não vai ser no pânico que vamos ajudar quem está querendo achar uma porta da saída. Os peritos ainda vão definir melhor tudo. Mas, embora existam queimados, já sabemos que foi a asfixia que matou a maioria das vítimas e... gente que caiu, foi pisoteada, o fato de terem sido encurralados buscando uma forma de sair.

Culpados? Eu tenho pavor de “caça às bruxas”. Acho que as pessoas são totalmente irracionais nessas horas. Considero que prender aqueles que estão sendo apontados como responsáveis é uma maneira de protegê-los, nesse momento. Tenho medo das pessoas que acham que devem tomar a justiça com as próprias mãos e não estou falando dos familiares e amigos.
Fora isso, foi uma tragédia, mas não uma catástrofe e mesmo assim, apesar de todos os esforços, de toda a união, há muitas falhas na hora de socorrer as pessoas. Muita informação desencontrada e fico simplesmente apavorada quando vejo lista de necessidades que vão de água ao papel higiênico. Por que estamos tão despreparados? Afinal, estamos falando de um evento localizado, com um número grande, mas muito inferior à população geral da cidade, do estado e infinitamente menor do país.  No entanto, é um corre-corre absurdo para resolver grandes e pequenos problemas. Então, é verdade. Podemos ser dizimados a qualquer instante por algum fenômeno da natureza, crise de energia, etc, tornando reais as profecias?
Não acredito no acaso. Não acho que a morte dos jovens tenha sido “causada” pela negligência. Minha crença é outra. Mas atenção: não estou dizendo que tudo deva ficar por isso mesmo. Muito ao contrário. Quero que se aprofundem muito em todas as questões, estudem a fundo o que pode ser feito diferente. Façam tudo para impedir novas tragédias como essa porque, como já foi dito muitas vezes, existem milhares de lugares em circunstâncias semelhantes a esse de Santa Maria. Provavelmente, entrarei em um amanhã.  Quanto às questões jornalísticas?  Apesar dos exageros e dessa tendência macabra de expor desgraças, a imprensa tem trazido à tona muitas discussões, investigado muitos fatos que de outra forma ficariam ocultos. De uma forma, meio torta, prestam um serviço à sociedade que tem ido muito além da informação.
Quanto a Santa Maria? Jamais será a mesma. Ela já não é. Mas sei que a dor também une as pessoas e essa união se transforma em uma força que todos vão precisar para enfrentar a tristeza, a saudade. Acredito que, aos poucos, a cidade vai renascer e que no lugar do eu, do tu, do dedo em riste, o que vai importar vai ser o “nós”. Não vai ser amanhã, nem mês que vem, mas as ruas vão voltar a ter aquele som de risadas e gente falando alto e música, todos aqueles ruídos da alegria quando se manifesta e eu espero que os jornalistas neste dia voltem para ver a cidade eu sempre achei que valia a pena morar.

1 comment:

  1. Obrigada por me devolver um pouco a razão neste momento difícil para todos. Sem conhecer nenhuma das vítimas, também choro a perda de tantos pais, com quem me solidarizo na dor.

    De todos os artigos que li sobre este assunto, de longe, o melhor, o mais analítico e coerente; PARABÉNS, Helena!

    ReplyDelete