Tuesday, May 31, 2011

Poderes da mente

Quando me dou conta das coisas incríveis que a minha mente é capaz é que sinto o seu poder. Posso imaginar as coisas mais tenebrosas. Minha mente já provocou em mim sensações de medo e desconforto imensas. Ela foi capaz de criar ansiedades e nervosismos que me fizeram suar frio e tremer. Isso sem falar nas doenças psicossomáticas: gripes, alergias, espinhas... Dores nas costas, contraturas musculares. A lista é imensa. Inteiramente produzida por pensamentos. Negativos, claro! Então, foi justamente por tudo isso que, um dia, percebi que poderia usar ela, esta mesma para imaginar coisas boas, situações deliciosas, harmonia, alegria, conforto, paz... Assim, como em um passe de mágica. De uma hora para outra. Sem nenhuma substância externa, nenhuma medicação. Grana? Nada. Sol? Chuva? Calor? Frio? Tanto faz. Companhia? Amigos? De preferência, mas não imprescindível. O que é necessário? Uma boa respiração ajuda. Concentração também não faz mal. Basta. O resto fica apenas a cargo da minha mente. Tem quem diga que é alienação. Que é preciso encarar a realidade. Mal sabem eles o quanto o que minha mente produz é real para mim. Não foram eles que passaram anos quase paralisados com medo do ridículo, de não serem amados, de acabarem vivendo na sarjeta e, como não poderia deixar de ser: mortos. Atropelados, assassinados, de morte súbita, de morte longa, de uma queda no riacho Ipiranga. Ah, eram tantas as maneiras que é melhor nem começar a enumerar. Então, dito isso, creio que eles até possam começar a entender porque agora não tenho vergonha de acreditar que o mundo está repleto de pessoas boas, que a natureza é simplesmente perfeita e que sou privilegiada pelos seres que foram colocados em meu caminho. Bem, a verdade é, que se elas não quiserem entender, sinto muito. Não é culpa minha. É dela. Só dela. Da força e do poder da minha mente. E para encerrar um dos seus devaneios preciso compartilhar um segredo, destes que é bom espalhar: a mente de vocês também tem este poder. Ah, vocês não sabiam? Experimentem. Não tenho dúvidas de que vocês vão ficar tão surpresos quanto eu e que a vida nunca mais será a mesma, mesmo que tudo continue igual.

Friday, May 13, 2011

As aparências de Heiner Müller

Antônio Holfeldt

A decisão de montar um texto do dramaturgo alemão Heiner Müller, recentemente falecido (1929-1995), é sempre uma decisão radical. É como um salto do artista de circo, sem rede de segurança. Porque as peças de Müller não apresentam nenhum ponto de apoio, ou de referência, para o encenador. Por vezes, existe algum aspecto paródico a um texto dramático anterior, mais conhecido, mas isso é uma espécie de trompe oeil: quando a gente chega ali pertinho, verifica que aquela aparente referência é um engodo.

Aliás, de aparências e, neste sentido, de enganos, vive a peça Descrição de uma imagem (1984, edição em livro da Paz & Terra), com cujo projeto de montagem a jovem diretora Júlia Rodrigues ganhou um concurso e com isso pôde concretizar a ideia. Vemo-la, agora, em cena, no espaço da Sala Álvaro Moreyra, cuja proximidade é mais um desafio.
Irene Brietszcke falou em “teatro sem drama”. Na verdade, a fala do(s) personagens funciona como uma espécie de câmara em movimento de looping muito lento: o olhar se desloca vagarosamente por uma superfície, mas à medida que ele corre pela imagem ou dela se aproxima, quanto mais próxima mais confusa fica a imagem. Porque aquilo de que se fala são apenas aparências, como se (herança platônica?) o dramaturgo e/ou o personagem não acreditasse em seus sentidos. Assim, embora a descrição se inicie com uma certa segurança, logo perde este passo e se distrai em possibilidades de interpretações sobre o que seja que pareça (ou não) ser.
Estamos diante de um assassinato sexual, que se segue a um estupro? Ou frente a um radical relacionamento com uma entrega total de ambos os parceiros, semelhante ao filme Império dos sentidos?
Pode-se ver, no YouTube, imagens de uma outra montagem, recente, de grupo paulista. Bonita. Felizmente, Júlia Rodrigues resolveu seguir seu próprio caminho. O espetáculo do grupo Barra Quatro é talvez mais denso e menos poético, mas por isso mesmo é capaz de recuperar certa dramaticidade de que Müller parece querer se desvencilhar, sem alcançar, porque esta dramaticidade não se encontra no acontecimento em si, mas sim no próprio olhar de quem assiste ou observa a realidade em seu entorno.
Müller inovou, sob muitos aspectos, a cena contemporânea. Mas, sobretudo, chamou a atenção para o jogo de aparências que caracteriza a vida humana cotidiana. Aquilo que se pensa ver não é necessariamente o que ocorre etc.
Thiago Pirajira, Kayane Rodrigues e Kyky Rodrigues (irmãs, gêmeas? Pela parecença que ajuda neste jogo sugestivo) personificam os dois personagens (uma delas parecendo ser a sombra da outra (outra referência platônica?)) O cenário de Élcio Rossini valoriza o jogo de aparências com os véus que são esticados ao máximo, quando “vestidos” pelos personagens. Os figurinos de Letícia Pinheiro e Isadora Fantin são leves e “neutros”, de maneira a não atrair a atenção do espectador, que deve se concentrar nos personagens e no espaço, deixar-se levar por efeitos sinestésicos da trilha sonora de Ricardo Pavão e da iluminação de Bathista Freire, com focos de luz raramente incidindo diretamente sobre os personagens, criando um ambiente de lusco-fusco que mais ajuda a iludir e a sugerir. A preparação corporal coordenada por Dagmar Dornelles parece ser seguida fielmente pelos intérpretes, que se movimentam calculada, ainda que não artificialmente, movendo-se com lentidão na cena, como numa cena ralentada que nos permite acompanhar os detalhes dos movimentos e das modificações.

Eis um espetáculo raro, merecidamente premiado desde o início de sua concepção. Espetáculo a ser não apenas assistido quanto refletido. Um bom momento da cena porto-alegrense na atual temporada.

Publicado no Jornal do Comércio 13/05/2011

Sunday, May 08, 2011

Amor de mãe

Foi uma amiga que me inspirou a escrever para e sobre a minha mãe. Não tinha intenções de copiá-la, mas ao perceber que aquela história de que “mãe só muda de endereço” é um daqueles ditos populares muito verdadeiros, e sabendo que a mãe da minha amiga já se foi pensei que minha mãe merece que eu escreva já. Não é a primeira vez. Tenho este hábito de usar as palavras principalmente quando a falta de grana não permite que eu dê o presente que as pessoas merecem. Agora, imaginem o da minha mãe... Sem chance!


Tenho o privilégio de ainda poder conviver diariamente com a minha. Claro que isso não acontece de forma tranqüila todos os dias. Ao contrário. Minha mãe é uma mulher de um temperamento forte. Cheia de energia. Mas cheia mesmo. Daquelas que acordam cedo querendo fazer mil coisas e vão até as tantas da noite fazendo. E nesta atitude proativa vai cutucando quem está em volta. Então, não importa se já tomei o café, temos horários, exigências, cobranças. Então, eu resmungo. Tento fazer ela esperar e ela se esforça muito para respeitar este momento. Às vezes consegue, outras não. Ela não é a pessoa mais organizada do mundo, nem detalhista. Gosta de impor sua vontade.

Porém, eu não estou aqui para falar destas miudezas, fazer críticas a qualquer comportamento dela. Muito pelo contrário. Tenho um orgulho enorme dela. Ela é comunicativa, inteligente. Uma das pessoas mais interessadas em tudo que acontece no mundo que eu conheço. E sempre querendo ter todos em volta, ajudar todo mundo. De uma maneira quase obcecada. Basta que a gente comente com ela de alguém em dificuldade e ela já começa a pensar como resolver aquela situação. Abre mão de qualquer coisa só para dar chance, oportunidade para outro.

Teria que escrever muito, mesmo que quisesse fazer um resumo de tudo que ela já fez na vida. Dava aula, cuidava da casa, cozinhava. Faz até hoje uma ambrosia e um doce de coco que todo mundo elogia. Mas não é só por isso que eu a admiro. Nem por ter criado quatro filhos sempre cuidando para estarem bem vestidos, alimentados e terem todas as oportunidades de estudo e de viagens que desejavam. Nem por sua elegância e educação. Nem por ter me aconselhando e me consolado em todas as vezes que estive agoniada ou triste. Nem por cuidar de todos os bichos que inventamos de ter. Nem tão pouco por ter conseguido reagir à morte prematura do primeiro filho e levado adiante o trabalho do meu pai, seu companheiro de toda a vida. Eu a admiro por ter me ajudado a ser parecida com ela.

PS: O presente que dei para a minha mãe foi o livro reeditados dos Jogos Boole (projeto do meu pai e que ela segue desenvolvendo) e que ela há muito tempo me pedia para terminar. Ela vibrou!