Confesso. Vou ver o grupo Farsa procurando achar defeitos e problemas no espetáculo. Por que? Porque tenho na minha mente de jornalista a busca pela imparcialidade. E como tenho uma queda pelo Molière por ser francês, sou amiga de quase todos no elenco, do diretor e uma forte tendência a já gostar do que eles fazem sem ver, fico lá catando alguma coisa mal feita. Pura perda de tempo.
Cheguei a estranhar a luz para depois perceber que era uma escolha pensada e propositalmente usada de modo muito inteligente. Assim como outros recursos que prefiro não comentar para não estragar as surpresas. Mas, imaginem que o figurino é basicamente preto e branco e que o cenário é praticamente vazio. Algumas cadeiras, uma mesa... e que os atores, várias vezes, se posicionem no palco como na época do classicismo francês: de frente para o público, os pés fixos, movimentando basicamente a parte superior do corpo. Quando estudei isso, imaginava que devia ser terrível. Não com este grupo. Muito pelo contrário. Toda esta marcação, precisa, demonstra o quanto de trabalho tem por trás e acaba tornando a encenação ainda mais engraçada. O que, aliás, não é nada difícil com Lucia Bendati no elenco. Agora quem recebeu de presente um ótimo personagem foi Ariane Guerra. Isso, porém, não quer dizer que ela não tenha o incrível mérito de ter aproveitado da melhor maneira possível. Ela se sobressai mesmo sem estar no foco. Não chega a roubar a cena porque esta é outra boa característica do Farsa. Eles são generosos uns com os outros. Não há disputa. Eu diria até que é possível sentir a satisfação que um tem quando vê que o outro está se saindo bem no palco. Como Elison Couto que, como Tartufo, mostra o seu lado camaleão deixando totalmente para trás o avarento do último espetáculo e assumindo o safado e inescrupuloso papel escrito pelo dramaturgo francês. E o Grupo Farsa prova, mais uma vez, que ator não tem idade. Pode ser filho, mãe, neto. Se for bom, vai convencer. É isso que faz Laura Leão no papel de mãe do personagem de Marcos Chaves. Este, além de atuar em um papel bem diferente do que fazia no Avarento, ainda é o responsável pela parte musical do espetáculo. Parte importante, inclusive, que coloca uma banda no palco e que traz contemporaneidade à obra do século XVII. Em 1664, Tartufo quase foi proibida pelos devotos da época, influentes no reino de Luis XIV que sentiram ofendidos pelo espetáculo. A peça, considerada uma das mais famosas de Molière e que provocou o surgimento até de novos adjetivos, segue muito atual já que é uma crítica à hipocrisia, à falsidade, escondida sob a religião. Afinal “tartufice” é o que não falta por aí. Felizmente, o grupo não passou pelas mesmas dificuldades de Molière que foi obrigado a muitas tratativas com o rei para conseguir que sua peça continuasse a ser encenada.
Essa possibilidade de fazer rir mas também denunciar deve provocar ainda mais prazer em Gilberto Fonseca que, além de diretor, é também educador e crítico do papel da arte na sociedade atual. Lembro dele inquieto com a falta de valorização da arte, se questionando sobre continuar ou não a fazer teatro. Não sei se Gilberto ainda se pergunta sobre isso. Provavelmente sim, pois é uma das maneiras de continuar fazendo coisas boas, mas eu não me pergunto mais porque vou assistir. E olha que ainda não desisti de ser imparcial porque, pensando bem, Tartufo está tão lindo naqueles ternos...
Helena querida, que delícia de texto. agradeço de coração tua presença sempre sorridente. Obrigada pela tua apreciação. Grande beijo!
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