Sunday, March 07, 2010

Deviam ter me dito: Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo

Interromper meu trabalho de mestrado não tem sido uma coisa que me dê prazer. Porque o tempo de tentar escapar deste compromisso já se foi. Agora, é preciso encarar e quando começo nada mais me diverte. O que parecia impossível acontece: a gente vai se acostumando com a idéia de que é preciso organizar as idéias e escrevê-las.

Digo isso apenas para explicar o que significou ter ido ver “Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo”. O convite veio de Daniela Aquino, minha colega de mestrado que também está passando por este processo, mas ainda encontra tempo para fazer outras milhares de coisas, inclusive, um espetáculo. Bem, confesso que encontrar outros colegas de mestrado no teatro já renderam boas risadas. Aquelas melhores em que rimos de nós mesmos. Só isso já trouxe uma leveza que há dias não sentia.

A porta do teatro Carlos Carvalho se abre e começamos a procurar lugares. O ambiente é impactante. Uma forte atmosfera de sala antiga, européia. Um grande abajour, poltronas, banquetas, uma mesa de jantar. Luz de velas. A música “Ne me quitte pas” sublinhava o cenário.

Bem, mas não pretendo descrever cena a cena. Nem sei se saberia fazer isso. Seria um relato impregnado pelas impressões que buscam na minha memória imagens e sensações. Só minhas. Quero, porém, falar sobre a trilha sonora. Absolutamente perfeita. Sei... sei. Isso não diz lá muita coisa. Então, vejamos. Há uma mistura de vozes, de músicas que falam de relacionamentos, de amor, de dor de cotovelo, de perda. Cada uma ao seu modo. Interpretadas por cantores com talentos diversos. Algumas reconheço de imediato. Fazem parte da trilha sonora da minha vida. Outras, faço apenas uma vaga idéia e outras nunca as ouvi, mas chegam aos meus ouvidos como velhas conhecidas. Ritmos diferentes, sexos diferentes e algo em comum.

Não há separação entre o público e as bailarinas. Estamos todos juntos naquela sala. Somos cúmplices do que acontece ali. A ponto de me deixar com medo de que minha ação de anotar algumas coisas para lembrar e escrever agora fosse interpretada como parte da cena. Principalmente quando a luz vinha em mim. Sim, ela vinha e ia. Atravessava a sala. Ia lá na bailarina e dava a volta. E a gente via tudo e não via nada. Mas assim mesmo podia sentir que tinha alguém deitado na cama lá no canto, alguém na cadeira do outro lado, alguém no chão. Meu olhar se divertia escolhendo o que eu queria ver, vendo o que eu escolhia.

Mas mesmo me sentindo envolvida pelo ambiente, me disperso enquanto Daniela lê um texto e uma bailarina faz uma “partitura”. Não entendo bem o texto, mas não sei se isso adiantaria. Não me arrebatou. Mas em todo resto do espetáculo, os movimentos das bailarinas, as músicas, a luz faziam eu buscar na minha memória as tantas vezes que sofri por amar, que fui feliz amando (antes de saber que não podia), que me senti vazia, que me desesperei. Até que tudo isso é interrompido por ela. Sim, ela mesma. Daniela Aquino que vestida de noiva cruza a sala em passos lentos, trêmula, olhar lacrimejante. E as lágrimas dela passam a ser as minhas e eu faço força para disfarçar, para não chorar, para não verem que eu choro. Eu que nunca me casei, que nunca me vesti de noiva...Mas ela cruza por outra colega que também é público e eu posso ver que também tem os olhos cheios d’água. E sinto alívio. Ah, não sou só eu que me emociono. E ela, a noiva, segue até um espelho e se altera e come bombons e destrói o buquê de rosas vermelhas e quase rasga o vestido. Só por esta cena já teria valido à pena ter ido até ali. Sua estética, sua vibração, está registrada na minha mente para sempre, junto aos amores que vivi.



Direção: Alessandra Chemello e Diego Mac

O espetáculo faz referência a Myrna pseudônimo através do qual o escritor respondia cartas e dava conselhos sentimentais aos leitores do jornal Diário da Noite, em 1949.

Projeto contemplado com o Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna 2008.

Elenco: Alessandra Chemello, Daniela Aquino, Fabi Vanoni e Joana Amaral

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