Não posso mais esperar para escrever sobre a peça Dona Gorda, pois, falta muito pouco para eu me tornar o personagem principal depois de tudo que tenho comido nos últimos dias. Eu sei...Tem vários amigos que vão dizer: Ah, pára com isso. Tu estás ótima! Tu, gorda? Nem pensar. Mas, são amigos e conhecidos recentes, pois, em várias épocas de minha vida estive com vários quilos a mais. Sim. Porque existem os gordos e os de alma gorda e eu me encaixo às vezes nos dois perfis, às vezes só no primeiro e às vezes no segundo, mas, vou ter que nascer de novo para ter uma alma magra. Gosto de comer. Sempre gostei.
Quando pequena costumava ficar perto das mesas de aniversário. No colégio, meu apelido de adolescente era saúva. Preciso dizer por quê? E o quanto foi devastador para minha auto-estima? Tinha até batucada quando eu chegava para me receber. Em 1985, acabei consultando um cirurgião plástico devido a uma cicatriz de um tombo de bicicleta quando eu tinha sete anos e ele sugeriu que eu fizesse uma lipoaspiração nos culotes. Ou seja, acho que fui uma das primeiras cobaias deste tipo de cirurgia aqui no sul. Bem, mas, foi ótimo. Não só pelas medidas que diminuíram radicalmente, mas, pelo bem que fez para minha alma gorda! Mas, os anos se passaram e mesmo que os culotes não tenham voltado (como advertira o médico) depois de engordar 10 quilos novamente, a gordura ingerida passou a ocupar um outro lugar: a barriga! Não era mais a saúva, mas, em uma eleição não tão passada, uma senhora queria me dar o lugar: “tu tens preferência. Estás grávida.” Não estava. Nem perto. Naquela época, só se fosse do espírito santo.
Bem, teria muitas outras coisas para contar nesta minha luta contra o peso, mas, está mais do que na hora de falar do espetáculo. Queria deixar claro, porém, que falar de Dona Gorda é falar de mim, independente do que a balança ou as fotos hoje, felizmente, digam! E, tenho absoluta certeza, da grande maioria das mulheres. E é isso que Lúcia Bendati faz. Cria uma identificação com todos os seres do sexo feminino que um dia acharam que estavam ou estavam mesmo com quilos a mais. Várias balanças no palco já dão indício desta paranóia.
Vestida em malha de ginástica, ela corre, pula, salta. Ai, que cansaço! O patético da cena faz rir. Mais tarde, Dona Gorda tenta entrar em um vestido vermelho para ir ao casamento da amiga. As pessoas acham graça. Eu rio para não chorar. Vermelho é minha cor predileta e, não faz muito, alguns vestidos que tenho nesta mesma cor não passavam das canelas. E se passavam faziam exatamente o que figurino de Lúcia fez: marcavam tudo! A atriz conversa com um manequim, onde alguns acessórios estão pendurados. Quer coisa mais adequada? Aquele corpo esquálido que tudo aceita e tudo pode? E fala todo o tempo com a platéia. Improvisa. Algo que exige de quem vai ao teatro, mas, mais ainda de quem atua. Na noite em que assisti ao espetáculo ela escolheu para contracenar um homem tímido que tomará uma das duas atitudes: ou voltará satisfeito com a nova e desafiante experiência ou nunca mais colocará os pés em um teatro. Dona Gorda volta várias vezes para falar com ele, mesmo sabendo que ele não está à vontade. No final, ele ganha um brinde do espetáculo. Espero que tenha sido o suficiente para fazê-lo rir de si mesmo. Não é, Vitor?
Como jornalista, acho impressionante que Dona Gorda não precise inventar manchetes para as revistas. Ela simplesmente lê em cena, auxiliada por pessoas da platéia, aquelas promessas de emagrecimento comendo chocolate, pipoca, sorvete. Perdas de peso em prazos exíguos. Pior. Eu ainda fico tentada a comprar até hoje estas revistas! E é isso que o espetáculo faz. Mostra o nosso ridículo, mas, ao mesmo tempo, nos afaga. Afinal, não estamos sós. Temos, ao menos, a Dona Gorda e mais, temos Lúcia Bendati com sua força, sua energia, seu carisma. Se me repeti ao falar dela não é culpa minha, mas da atriz que estava em cartaz com duas peças ao mesmo tempo. Hummm....Será que fazer teatro, emagrece?
O espetáculo trata também da questão da compulsão. O frigobar que “chama” cada vez que as coisas não vão bem. Cada vez que Dona Gorda fica ansiosa ou decepcionada. Alguém aí reconhece este momento? Relaciona também a questão da comida com as relações amorosas. Eu que o diga. De que adianta ir a nutricionistas, endocrinologistas, ler e fazer todas as dietas do mundo? Basta uma briga com o namorado, aliás, nem isso, uma discussão com a família para que as almas gordas (que são muitas no planeta) queiram comer guloseimas e beber todas. Por isso, Dona Gorda oferece brigadeiros à platéia. Minha alma gorda em dieta (ou seria controle alimentar?) recusa. Mas, depois, fica esperando que ela queira repartir aquele pedaço de pizza.... Não. Ela come sozinha e guarda o resto. Ora, ora. Resultado: saio do espetáculo com fome, mas, feliz por ver um teatro bem feito! Teatro? Sei, não...Poderia ser eu mesma no espelho.
Texto: Lisiane Berti e Marcelo Vázquez
Elenco: Lúcia Bendati
Direção: Paulo Guerra
Participações Especiais (em off):
Adriana Marques, José Alessandro,
Luciano Figueiró, Paulo Sant’ana
Fotos: Cláudio Etges
Helena, ótimo ler o teu texto. Sim podia servir de pesquisa pro espetáculo, já que ele entra no seu sétimo ano e sempre estamos agregando coisas. A tempo: pela reação do Vitor na saída, acho que ele não vai abandonar as platéias teatrais graças a Deus. Aliás no último dia peguei um tímido também... O que dizer? Quando o Paulo Guerra me convidou pra fazer a Dona Gorda, foi por indicação de um amigo e também ator, eu pensei: Dona Gorda eu? Tenho 53 quilos (tinha emagrecido 20...). De lá pra cá engordei, rsss bastante, por sem vergonhisse mesmo, sabe? Tipo "ah, o personagem permite...". Mas a melhor resposta ainda vem da boca do próprio Paulo Guerra, quem sempre me diz: tu não precisa engordar pra fazer a Claudinha, a gordura das mulheres está na cabeça"! Pior é que está mesmo. Não que a balança não confirme muitas vezes os quilos a mais, mas sentir-se bem consigo mesma não é uma questão de peso, certo? Mas cabe aqui acrescentar a respeito da essência da peça. No meu entender fala-se de auto-estima. Independente de peso. De padrões que sufocam. E sabe que apesar de ser uma mulher em cena, é impressionante a quantidade de homens que vem falar comigo identificados com a sensação de não se aceitar? Ah, mais um detalhe, talvez para o teu alívio ou quem sabe uma simples questão de solidariedade... todas as revistas rasgadas em cena e as lidas com a platéia são da minha coleção pessoal... rsss... tu tens idéia de quantas revistas usamos em 6 anos? hahaha...
ReplyDeletebeijo diet pra ti!
Helena
ReplyDeleteO Bendati da Lúcia é com um t só.
No meu dia, o cara se chamava Cristiano...rsrsrs
Adorei ler teu textão. E pára. Tu nem de longe tah ficando gorda!
A Lúcia também não é. Ela é só uma magra que tem uam bolinha no lugar da barriga, ora essa!
Devidamente corrigido o nome da Lúcia. Seria como escrever Mello com um "l" só. Ou seja, não sou eu. Vou tomar mais cuidado da próxima vez. Sim, porque vão haver outras já que se o nome da Lúcia estiver no elenco eu vou querer ver certo! Bem, que eu disse que os amigos não iam me deixar falar muito de gordura... Mas, é verdade que conheci muita gente, atrizes inclusive, às vezes super jovens, com tudo em cima, que não tinham um pingo de gordura e estavam sempre implicando com o próprio corpo. Isso é mais triste do que estar com quilos a mais. Mas, ainda assim, acho que quem se ama não fica comendo tudo que vê pela frente, não é mesmo? É neste caminho que estou hoje. Árduo, eu diria!
ReplyDeleteRodrigo: Bolinha na barriga é o escambau! Tu respeita a minha bolota guri! hahaha... Enfim, obrigada pelo "inha" mas eu seu que não é tão "inha" assim. E Helena... nem me fala... conheço várias pessoas como tu dizes, com tudo em cima e indatisfeitas. Por isso digo que é uma questão de aceitação e sufocamento dos padrões, acima de tudo. Toca no calo da gente. Se bem que... cá prá nós, duvido que a Bündchen também não se identificaria com momentos da peça. Ou não?
ReplyDeletedéficit de atenção: insatisfeitas e não indatisfeitas, rssss
ReplyDeleteA Bundchen se identificar? Só se for quando tu falas com o manequim! Brincadeirinha...Bem, mas, eu é que não vou convidar aquela magrela para ir ao teatro comigo.He,he,he.
ReplyDeletenem eu meu bem! eu tenho senso de noção e sentimento de feeling! Mas que ela curte um negrinho, ah curte! hahahaha
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