Monday, December 01, 2008

PÓS SEGUNDA DRAMÁTICA

Não pude acompanhar, realmente, a programação das Segundas Dramáticas, atividades realizadas no Departamento de Artes Cênicas da UFRGS durante o ano.  Recebia os convites, colocava na agenda e no dia alguma coisa acontecia e me impedia de ir. Nestas ocasiões, ficava sempre aquela sensação de perda. Assim, quando soube que seria a última apresentação do ano, comecei a me programar bem antes. A proposta era uma conversa sobre Dramaturgia com Ivo Bender e Jorge Furtado. Dois nomes que, sem dúvida, impõem respeito, sendo que do primeiro, como sempre confesso minhas fraquezas, pouco sei e muito ouço falar há anos. Do segundo, acompanho há bem mais tempo. Ainda era estudante de jornalismo quando comecei a ir a Gramado para participar do Festival de Cinema de Gramado e ele já era presença destacada por lá.

Bem, mas, antes da tal conversa, estava prevista uma leitura dramática da colagem de textos produzidos durante a oficina de Criação dramatúrgica com o Bender. Já estive em outras leituras e quando dá para ser ruim, é trágico. Se teatro mal feito é lamentável, leitura dramática mal executada é um tédio absoluto. No entanto, não foi assim.  Foi muito bom ver gente nova sabendo dizer um texto. Todos mostraram competência em relação a isso. Agora, Ian Ramil tem um jeito de estar no palco que merece destaque. É um jeito despretensioso, natural, mas, ao mesmo tempo impactante, convincente que se transforma de acordo com o personagem lido. Personagem? Na leitura nem chega a ser isso. Mas, Ian os fez aparecerem. Eu os vi.

 

Logo depois, começou a conversa. Ivo Bender falou sobre a oficina e foi logo dizendo: “É muito penoso escrever”. Ele atribui a isso o fato das pessoas irem desistindo dos laboratórios, na época em que ele ministrava aulas no departamento e, agora, da oficina. No entanto, segundo ele, aqueles que ficam produzem algo interessante. Para ele, o ator tem outro feeling em relação ao texto. “Quem tem experiência de palco, tem mais facilidade na redação dramatúrgica”, afirmou. Disse também que para escrever era preciso ler muito, tudo. Jorge Furtado foi entrando na conversa dizendo que era um leitor compulsivo e que ficava sempre com a impressão de que ainda há muito para ler, que não leu nada. Explicou que, no início, achava que havia dois mundos inconciliáveis: o das palavras e o das imagens até que assistiu Deu pra ti anos 70 e acreditou que era possível uma relação entre os dois. “A escrita exige três coisas: memória, observação e imaginação”. Para ele, é o que possibilita escrever algo. Disse que depois a gente não sabe mais o que é uma coisa ou outra. Que, muitas vezes, pensa que está se lembrando de algo que viveu e, na verdade, é algo inventado. Falou das preocupações que tem como diretor e que, várias vezes, lê, pensando: “e se eu for filmar como faço?”. 

Ivo Bender disse que uma das primeiras coisas que fala para quem está começando a escrever é: “não tente ser Shakespeare, nem Racine, nem Molière”.  Defende que existem elementos que podem ser identificados em um bom texto. Para ele, isso só se perde no teatro pós-dramático que ele considera “um bom barbitúrico”. Jorge Furtado disse que os textos que vão ser transformados em cena têm que ser lidos em voz alta. Contou que ele criara uma piada em que o homem dizia que havia abandonado a mulher porque ela comprara uma calça de couro. Como esta última palavra não foi compreendia pela platéia, a piada se perdeu.

Comparando literatura e cinema, Furtado disse que o cinema tem um tempo, que a literatura não tem. No primeiro, cabe ao diretor definir que tempo será esse em cada cena e, na leitura, o tempo é o do leitor, ou seja, pode levar anos. E, apesar de dar exemplos de quantos aspectos precisam ser levados em conta na hora de filmar, garantiu que “nada supera o texto”. Deu como exemplo a afirmação do quadro de Magritte: Isto não é um cachimbo, para mostrar que só na linguagem escrita é possível empregar a negação. “No entanto, o cinema é comovente”.

 

Ambos fizeram indicações de leituras imperdíveis. Jorge Furtado disse que Gonçalo de Tavares chega a ser irritante de tão bom e Ivo Bender disse que seríamos, praticamente, amaldiçoados se não lêssemos até o final do ano O Romanceiro da inconfidência, de Cecília Meirelles. Baseada na competência destes dois, acho melhor seguir estes conselhos. 

Autores dos textos da leitura dramática: Alexander Kleine (Cargo de Desconfiança), Clóvis Massa, (Das Profundezas), Marcos Chaves (Quartas-feiras de Três Notas) e Shirley Rosário (Emma Zunz, de Borges)

 Direção de LUCIANA ÉBOLI 

com Francine Kliemann, Ian Ramil, Karine de Bacco, Luísa Herter e Pablo Damian.

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