Friday, October 26, 2007

Os desígnios de Deus são insondáveis para nós

Os desígnios de Deus são insondáveis para nós. Já há algum tempo, assumi esta frase como uma verdade. É claro que isso pressupõe que eu acredite em Deus. Bem, não é naquele cara que fica lá com cara de mau, cobrando um monte de coisas. Mas, acho, sim, que existe algo. Uma energia, sei lá. Não acredito no puro e simples caos. E acho que a natureza é uma prova disso. Posso ser até mais específica: as cores e os desenhos de uma borboleta ou de uma flor, por exemplo.

Bem, mas deixemos esta discussão metafísica para lá. Queria escrever mesmo é sobre a passagem do tempo, mais precisamente sobre o meu tempo. Não só esta questão de anos, mas, as experiências, os sonhos, as frustrações. Se por um lado, acho que compreendo coisas que só podem ser compreendidas por um espírito que já tenha lá certa vivência, por outro, os anos passam e eu continuo me sentindo uma menina. A cada ano, esta frase do Mario Quintana fica mais verdadeira para mim: Não vos iluda o velho que aqui vai: Eu quero meus brinquedos novamente! Sou um pobre menino... acreditai... Que envelheceu, um dia, de repente!... "

Convivo com gente mais jovem. Há muitos anos que é assim. O fato de não me casar e não ter filhos fez com que eu tivesse uma disponibilidade maior e, consequentemente, me relacionasse com pessoas assim. Bem, vamos, então, partir daí. Do fato de não ter me casado e nem tido filhos. Nossa...Como eu queria! Minha primeira paixão foi aos 10 anos, só para terem uma idéia. E aos 12 já havia conhecido o cara com quem passaria os próximos nove, ou seja, toda adolescência e um comecinho do que deveria ter sido a minha vida adulta. Só que aos 18 já comecei a ficar irriquieta. Morria de medo de já estar decidindo o resto da minha vida ali. Tinha uma enorme curiosidade do mundo e das coisas que me cercavam e aquele relacionamento não parecia poder me dar as oportunidades que eu desejava. Resumindo: acabou. E, embora tenha me apaixonado muitas vezes depois disso, até ter tido alguns namorados e um curto noivado: nada de igreja, aliança, nem uma cama compartilhada. Triste. Muito longe do que eu havia imaginado por tanto tempo.

Ah, e eu poderia continuar aqui me lastimando por muitas linhas sobre isso, mas, eu não estaria sendo exatamente justa com o cara lá de cima. Afinal, fui ser jornalista. Algo que nunca havia imaginado antes, a não ser poucos dias antes do meu primeiro vestibular. Trabalhei em tantos lugares que, vira e mexe, esqueço de algum ou lembro de outro. Em contato com os temas e pessoas as mais diversas, pegando informações sobre realidades e atividades que só quem lida com aquilo pode saber. Já era uma forma de entrar na vida de outros. Provavelmente, uma aproximação com o teatro. Ah, o teatro...Certamente, uma das minhas melhores paixões. Não tão correspondida como eu gostaria, mas, que me fez conhecer muita gente interessante e o melhor de tudo, descobrir o afeto. E ao receber carinho, aprender a dar também. Sem cerimônia. Sem ocasião especial. No dia-a-dia mesmo. Tem gente que pode achar que isso é pouco. Não para mim. Foi a partir dele (e de cinco anos de terapia) que eu fiz as pazes comigo mesma. Fui apagando as mágoas, as más lembranças, a rejeição que eu sentia, meio sem motivo, meio cheia de teorias a respeito. Não posso também deixar de registrar a yoga. Uma prática que me centralizou e me deu uma harmonia interna que eu nem sabia que existia.

Claro que isso não é tudo. Certo de que tenho dúvidas, que me pergunto qual será minha missão nesta vida? O que ainda me reserva? E por que ainda não apareceu alguém que queira compartilhar comigo aquele cinema, aquele vinho, aquela viagem. Por falar nisso, mais um sonho concretizado: Paris. Algo sonhado, idealizado, sem muita chance de virar real e que, agora, tenho as fotos para provar. Nem precisaria. Minha alma sabe. Tiveram outras viagens menos importantes, mas, que me deram também muito prazer. Algumas idas a Buenos Aires, outras tantas ao Rio de Janeiro. Ah, até pulei um carnaval na Sapucaí! Aliás, recomendo. Pelo menos uma vez na vida.

Teve outro momento marcante, também. Não tão agradável. A descoberta de uma doença rara e sem cura que me colocou em risco de vida e que, no entanto, me ensinou tanto sobre ela. Foi o medo que me mostrou como dar valor aos pequenos momentos, as pessoas queridas, as coisas que não devemos deixar para dizer depois, aquelas que nunca devemos falar. Só queria voltar a ter uma saúde perfeita se pudesse manter tudo que aprendi. Simplesmente, voltar no tempo para ficar saudável, não me interessa nem um pouco. Quem diria que eu sobreviveria ao meu irmão? Um baque. Sem dúvida, a maior tragédia da minha existência até hoje. Se eu soubesse disso quando chorava copiosamente o sumiço de uma das minhas paixões...Mas, talvez, tenha sido um preparo para aprender a reagir as coisas que acontecem e sobre as quais nada podemos fazer.

Bem, mas, não quero deixar este texto muito mais longo e, ao mesmo tempo, não é nada fácil resumir quase 50 anos em duas páginas. Logo eu, que ainda tenho cadernos e mais cadernos com escritos quase diários sobre fatos tão menos importantes. No entanto, como jornalista, sempre tive que exercer minha capacidade de síntese, o que também se faz necessário agora se eu quiser que alguém leia o meu texto até o fim. Assim, de volta ao começo, talvez devesse ter feito mais planos, tido mais coragem para mudar de cidade, sair sozinha na noite, buscar minha alma gêmea nos bares. Porém, a vida é feita de escolhas, das que fazemos todos os dias desde o momento em que decidimos o que vamos tomar no café da manhã e, também, do que o lá de cima “programou”. Sigo sem queixas, apenas com algumas reivindicações associadas à esperança de amar mais e fazer cada vez mais amigos.

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