Fui ver Elis, a musical, como vou
ver tudo. Sem saber o diretor, nem o
elenco. A história? Bem, essa eu conheço um pouco. Afinal, nós, gaúchos, costumamos
acompanhar mais de perto o que aconteceu com essa menina de 12 anos que cantou
pela primeira vez em um programa da Rádio Farroupilha e, mais tarde, foi
trabalhar na Rádio Gaúcha.
O lugar escolhido na hora da
compra pela internet poucos dias antes, graças aos novos amigos cariocas que
conheciam o teatro, não podia ser melhor. Chegamos à 5ª fila exatamente às 17h. Horário
interessante que permite que muitas pessoas de mais idade lá estejam. Sabia que
a atriz Lilian Menezes era “apenas” uma substituta de Laila Garin, mas como não
a conhecia, não fazia diferença. Logo no inicio, não consigo ver semelhanças com
o tipo físico, nem com a voz da própria. Mas, logo me lembro de tudo que sempre
leio sobre essa questão de fazer alguém que realmente existiu e da importância
justamente de não mimetizar. Porém, à medida que a história evolui vejo
trejeitos, gestos tão característicos daquela que acabou sendo conhecida com a
maior cantora do Brasil. E aquele modo de sorrir fechando os olhos que a
identificava. Na execução que arrebatou uma multidão de “Arrastão”, música de
Edu Lins e Vinícius de Moraes, um dos grandes sucessos de Elis, ela ainda não
se parecia, mas, isso não diminuiu a genialidade da ideia de projetar a plateia
da época e colocar a atriz de costas para o público. Talvez,
vinda do diretor Dennis Carvalho.
A obra retrata bem o temperamento
da cantora, o impacto que sua voz causava em Miele, dono da boate do Beco das
Garrafas em Copacabana, onde ela fez diversas apresentações e Ronaldo Bôscoli, seu futuro marido. Esse
interpretado por Felipe Camargo que, não raro, roubava a cena com um jeito
malandro, quase calhorda e sua relação estreita com o alcoolismo e outras
mulheres. Ele consegue mostrar porque, apesar disso, Elis era tão apaixonada
por ele que, no início, fazia questão de desdenhá-la, falando de sua origem humilde
e de seu jeito de vestir interiorano. Enquanto o via em cena, pensava na vez
que também estava no Rio e o vi em um dos espaços culturais da cidade e me
esforcei para vencer a timidez e ir falar com ele. Eram os tempos dos Anos
Dourados na Globo e ele tinha me impressionado com seu jeito meigo contracenando
com Malu Mader.
Até uma boa parte do espetáculo pensava
que quase não havia cenário. Entretanto, logo me dou conta que precisava rever
meu conceito. Afinal, aqueles painéis, banquetas, projeções já podem ser
considerados assim. Na boate do Miele letreiros com letras apagadas me dão a
ideia do cuidado que tiveram com os detalhes. Além disso, todos cantam muito
bem. E isso que contei 19 pessoas em cena. Os números de dança coreografados
por Alonso Barros, são ótimos e o jeito de entrar de “peixinho” no palco só
podia me lembrar a coreógrafa Carlota Albuquerque e minha prima Angela Spiazzi.
Os momentos de gravação com Tom
Jobim são divertidos e o ator Leo Diniz, mesmo não se parecendo fisicamente com
o maestro, captou perfeitamente o seu jeito de ser perfeccionista.
Quase 19h, todos entram em cena e
numa plataforma com o fundo branco, e figurinos hippies de Marília Carneiro, cantam
“Eu quero uma casa no campo...”. E eu que achava que já havia ouvido essa
música até a exaustão, sinto meu corpo arrepiar inteiro enquanto fecham-se as
cortinas para o intervalo.
Fato real ou não, pois, o
espetáculo não pretende ser um documentário, vemos uma cena do encontro de Elis
com Henfil que, até então, tinha debochado dela em suas caricaturas por ela ter
cantado em eventos militares. O que sabemos foi totalmente contra a sua
vontade. Vou às lágrimas quando ela canta para ele “O bêbado e a equilibrista”,
que corre para o telefone a avisa o irmão Betinho que “já existe o hino. Agora,
só falta a revolução”. Não é à toa que
quem assina o texto é Nelson Motta, junto com Patrícia Andrade. Aliás, como
todo musical, a equipe técnica é bem grande.
O difícil foi ver o filho do Ivan
Lins, o ator Claudio Lins, ótimo em cena por sinal, no papel de César Camargo
Mariano, quando minha memória havia sido levada para a época em que o pai ainda
tinha sua idade. Ah, e mesmo fora de ordem não posso deixar de comentar a
contracenação divertida e intensa com o ator que fez o papel de Jair Soares que
com seu jeito irreverente parece entender o gênio da “pimentinha”.
A segunda parte do espetáculo já
é outro momento da vida de Elis, do seu engajamento maior com questões
políticas e seus posicionamentos. Tudo isso colocado no palco de uma maneira
criativa e interessante, mesmo usando recursos tão simples como homens fardados
e a bandeira do Brasil. A forma como a coreografia dos mesmos é executada e a
música da Hora do Brasil mexe com qualquer um que tenha vivido parte dessa
história. Aliás, tudo nesse espetáculo mostra que é possível usar os mesmos
recursos de outra maneira e cantar velhas canções provocando novas emoções. O
que, sem dúvida, acontece enquanto “Elis” canta “Como nossos pais”.
E o espetáculo oscila entre
momentos com todos no palco, várias ações até o resgate de um momento real da
sua vida, ao colocá-la sozinha no palco para uma entrevista. Apenas uma cadeira
e a luz sob ela respondendo às questões que revelam sua ansiedade e seu desejo
de atingir às pessoas de alguma forma com a sua arte. Não há como não se
emocionar quando ela conta que o médico disse que sua voz salvou o seu filho
doente. Toda a sua fragilidade surge nesse momento em que ela diz: “A mim não
interessa ser uma boa cantora a mais. Quero usar o dom que a mãe natureza me
deu para diminuir a angústia de alguém. Essa ideia é que pode dar sentido ao
meu trabalho.”.
E do meu lado a moradora do Rio
que não só me incentivou a ir, mas me levou até lá, não cansa de elogiar, mesmo
não conhecendo várias das músicas. O que prova que não importa o quanto você
sabe da vida de Elis Regina, se é ou não fã, o espetáculo vale por si mesmo.
E, embora eu não entenda quase
nada de luz, fiquei muito impressionada com a presença significativa da luz certa,
nos momentos certos, fazendo o que eu chamo de “sublinhar as cenas”, o chamado desenho
de luz de Maneco Quinderê.
De minha parte, gostei que não
tivessem chegado à morte da cantora, mas mostrado apenas seu desejo de querer
sempre mais e de não querer ficar à
sombra dos homens que foram tão importantes em sua vida.
O teatro cheio aplaudia em pé e
cantava junto com o elenco “como se fora brincadeira de roda...” e quem estava
lá revive um pouco do que foi a história dessa mulher tão talentosa, tão
guerreira e, no fundo, a gente sabe que por melhor que seja a atriz, nunca
haverá outra mulher como Elis Regina Carvalho Costa, mesmo que ela tenha vivido
apenas 36 anos.
Que bom, Helena!! Gostaria muito de estar neste espetáculo...mas marquei toca!!Vlw!
ReplyDeleteAdorei!!! Sou de São Paulo e o musical entrou em cartaz neste mês aqui em Sampa. Não vejo a hora de assisti-lo, ainda mais agora lendo seu texto, parece ser maravilhoso...
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