Thursday, April 18, 2013

As perdas e as recompensas


Tive vários bichos ao longo da vida. Muitos gatos, alguns cachorros e meu irmão gostava de ter tartarugas quando ainda morávamos em um apartamento. Lembro, ainda que vagamente, que algumas acabavam morrendo de uma maneira meio besta. Uma porta que se abria enquanto a dita estava em baixo ou coisa parecida. Porém, eu não era apegada a elas.
Depois quando fomos para uma casa, a história com os gatos foi diferente. Eles apareciam no pátio e a gente começava a cuidar, dava comida e quando batizava, pronto! Era nosso. Ainda mais quando escolhíamos nomes como: Epaminondas da Silva Silvério. No entanto, muitas vezes, meus pais nos fizeram levar os gatos para a Dona Palmira (uma dessas casas que acolhiam os bichos). Lembro que era uma choradeira. Minha mãe fazia longos discursos, dizendo que eles iriam ficar mais bem cuidados, etc. A gente esperneava, mas, não havia jeito. Lembro, particularmente, de um gato cinza que eu e minha irmã achamos na rua, enquanto andávamos de bicicleta, que mais parecia um rato. Mas a gente resolveu que levaria para casa e o gato acabou crescendo e foi ficando lindo, com alguma mistura de Angorá. Irreconhecível. Depois, tivemos um cachorro. Não lembro como ele foi parar lá em casa. Já que minha mãe e meu pai nunca foram muito interessados em animais. Todos eram apaixonados pelo Toby, que latia bastante, fazia um furdunço na vizinhança. Acabou sendo envenenado, provocando uma choradeira na família por vários dias. Era meio ridículo até. A gente ficava bem, conversava sobre, dali a pouco, nos olhávamos e voltávamos a chorar.
Passamos muitos anos sem querer ter um cachorro de novo. Depois, quando eu já tinha meu próprio dinheiro, resolvi que meu sobrinho que morava conosco deveria ter um cachorro e comprei um Cocker, cor de mel, meigo que só vendo. Mas ele adoeceu e eu tive que correr para o veterinário que disse que era Sinomose, que não tinha volta e seria melhor eu me despedir do cachorro ali mesmo.  Chorei horrores, mas ouvi a voz do profissional e tive que dar a notícia. Foi um drama. Afinal, um dia o cachorro estava ali. No outro, não mais.  Assim, essa tentativa nos afastou da ideia de ter bichos de novo por muitos anos. Até que esse mesmo sobrinho acabou trazendo para a casa uma cadela, batizando-a de um nome francês, provavelmente para amolecer o coração da minha mãe e, mais tarde, um gato que, durante um bom tempo, ficou escondido no quarto dele, pois ele sabia que havia uma resistência a novos bichanos. Afinal, todos sabemos, eles exigem cuidados.
Anos depois, quando meu sobrinho se mudou, começou levando os bichos com ele: a Charlotte e o Bernard, um gato branco lindo. Senti a ausência dos dois, mas sabia que estavam sendo bem tratados e podia visitá-los sempre que quisesse. Quis a vida, porém, que eles acabassem voltando, assim como meu sobrinho, para casa. Isso fez com que minha mãe, vendo que havia certa negligência de nossa parte, incluísse em suas tarefas diárias dar comida e água para os animais. Para mim, sobrava a parte de dar banho e levá-los ao veterinário eventualmente. Muito pouco para o benefício de ter uma cadela que festeja todas as entradas que eu fazia na casa. Não havia uma única vez que ela não me recebesse com a maior demonstração de alegria. Eu, que achava que só gostava de cachorros pequenos e peludos, não tinha como não me apaixonar pela forte personalidade da Charlotte que parecia encantar a todos. E, foi assim, que o Dick entrava em nossas vidas. Primeiro, apenas fazendo companhia para a cadela em suas corridas lomba acima e lomba abaixo, usufruindo da liberdade fora do portão. Depois, fazendo plantão na frente da casa todos os dias, inclusive quando chovia. Dia de festa, não raro, ele acabava entrando com algum convidado, tentando se misturar.  Mas foi um atropelamento que abriu as portas definitivamente para a sua nova morada. Ao vê-lo machucado, minha mãe tentou localizar o dono e descobriu que ele não tinha ninguém que assumisse verdadeiramente esse papel. Ele recebia comida? Sim. Tinha o que beber? Também. Mas, só. E, assim, sem entrar nos pormenores de toda uma saga do que era para ser uma guarda compartilhada, assumimos definitivamente o Dick. Em troca, ele fazia questão absoluta de demonstrar toda a sua alegria de não ser mais um “homeless” como nós costumávamos dizer nas muitas vezes em que ele dava as suas escapadas para fazer uma ronda na rua que havia sido seu habitat por tantos anos. Mas, não se enganem, não havia dúvidas sobre a sua felicidade em ser chamado de volta, pois ele agora tinha a possibilidade de viver nesses dois mundos em que os vizinhos passavam para dar olá e nós “conversávamos” com ele cada vez que ele nos recebia.
Dick latia para tudo e para todos. Isso fez minha irmã apelidá-lo de “guardião”. Logo que o adotamos não era fácil dormir com seus latidos ininterruptos. Muitas vezes, tive que abrir a janela para mandá-lo calar a boca. Bem, mas, aqui estou escrevendo detalhes de coisas que qualquer pessoa que tem um animal já sabe: um animal exige cuidados, mas nos dá muito mais em troca. Entre tantos momentos em que me senti querida pela manifestação de alegria do Dick, ficou ainda a compreensão de que existem muitas formas de afeto e, foi cuidando dele quando a idade começou a provocar problemas mais sérios de saúde, acordando só para ver como ele estava, alternando coisas que poderiam deixá-lo mais confortável, que eu, finalmente, compreendi o jeito de me amar dos meus pais.
Não faz muito tempo, nós já preocupados com as condições que a idade trazia para o Dick, o vimos ser agredido por um cão da rua, que o abocanhava e o largava. Eu, entendendo que ele não teria condições de resistir, sem saber o que fazer, corri em direção ao cão aos gritos e consegui salvá-lo. Ele levou pontos. Exigiu cuidados especiais, mas voltou a latir como sempre e a dar suas escapadas sempre que podia. Voltando sempre com a mesma satisfação com que saía. Por isso, foi preocupante, vê-lo nesses últimos dias tão abatido. Já não tendo o ímpeto de explorar o lado de fora, buscando ficar próximo de mim quase todo o tempo. Só que já não era tão simples escolher como tratar essa insuficiência respiratória que agonia quem está em volta e deve ser terrível para quem a sofre. Fiquei tentando evitar deixá-lo nas clínicas, pois, achava que o melhor era ele estar entre as coisas e pessoas que conhecia. E, muitas vezes, quando ele estava em silêncio, achavámos que já tinha chegado a sua hora. Mas, ainda na noite passada, quando, finalmente, a falta de ar deu uma trégua e ele dormiu pensei que tinha sido seu último suspiro. Aproximei a mão e ele levantou a orelha, como se dissesse: não, ainda não.
Então, hoje, dia em que o Dick, definitivamente, se foi, acabei derramando muitas lágrimas. Tendo uma reação maior do que eu imaginava já que enfrentei da melhor maneira possível a perda do meu irmão, do meu pai, da minha tia, de amigos.  Provavelmente, fazendo uma espécie de catarse de todas essas ausências, talvez lastimando o vazio que a partida do Dick deixa no pátio e em nossas vidas. Mas, hoje, eu vou, tentar, finalmente, dormir direito, pois sei que ele se sentia acolhido, que era grato pelo carinho que recebeu. Tomara que eu consiga honrar o guerreiro que suportou tanta dificuldade respiratória, a pouca audição, a pouca visão, e outras coisas que eu jamais vou saber, só para me dar o prazer de tê-lo por perto.  E, para quem acha que é melhor se poupar do trabalho que um bicho dá ou prefere evitar as emoções que a perda pode provocar, saiba que eu não tenho nenhuma dúvida: se eu pudesse voltar atrás faria tudo de novo, pois receber o afeto de um bicho mais do que compensa, recompensa.

1 comment:

  1. Helena, ele teve a melhor família que alguém pode almejar, tenho certeza.
    Lendo tuas palavras é impossível não chorar de emoção. Sim, o texto é lindo...
    Mas quanto AMOR!
    Já tive meus amores peludos que já partiram... Euclides, um cão mal humorado, virou meu dono e talvez por isso o amor tenha sido maior.
    Obrigada por compartilhar!
    PARABÉNS PELA BELA MÃE QUE FOSTE!
    Dick deve estar fazendo estardalhaço lá no céu...Que Deus abra sua janela e o mande calar... <3

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