Saturday, November 24, 2012

Randevú com o homem que mudou a minha vida


Nem sei se o que tenho para dizer do espetáculo de Zé Adão Barbosa vai servir de alguma forma. Mas ficar tentando verificar a utilidade das palavras me parece ainda mais inútil quando se trata de arte. Não li os comentários sobre o espetáculo Coração Randevú. Tive medo que me tirassem as surpresas, interferissem em minhas próprias impressões. E foi assim que cheguei a Casa de Teatro para ver o meu mestre.
Confesso que não há coisa melhor do que ver alguém que a gente admira atuando. Nem pior. Ainda essa semana, comentava que simplesmente detesto o “compromisso” de ter que gostar das coisas. Essa é uma palavra que traz junto uma carga, um peso, um desagrado. Fui ver o Zé porque queria, porque desejava ver em cena nem que fosse uma pequena parte de tudo que aprendi com ele, pois muito antes de dar importância para o seu trabalho como ator, diretor, eu o conheci como professor.
Já contei outras vezes que foi, por acaso (se é que isso existe) que fui parar no teatro, levada por uma colega de trabalho que iria começar uma oficina com ele. Ela desistiu. Eu me apaixonei.  E, hoje, só posso pensar que tenha sido essa paixão comum que fez ele me acolher, me entender, me incentivar. Assim, no final dos anos 90, passei a ver Zé Adão Barbosa todas as semanas durante três anos. E não só a ver. Mas ouvir, entender, visualizar cada gesto, cada palavra, cada movimento. E nunca foi chato, nunca foi repetitivo, nunca foi rotina. Ao contrário, o compromisso da aula me fazia pensar por que fazia aquilo, mas não houve um só dia que não saísse feliz, cheia de energia e de vontade de sugar a vida. E é isso que vemos no espetáculo. Essa intensidade, essa garra, esse desvario que persegue todo o artista.
Disse para o Zé, ao final do espetáculo, que chorei todo o tempo. E ele disse que é porque é um espetáculo que mexe com a memória. E ele não está errado. Mas é porque trazia a minha lembrança a importância de tê-lo conhecido. De já saber de algumas histórias que ele traz para o palco. Pela emoção de ter compartilhado algumas em minha própria casa e por lembrar quem eu era antes e depois de tê-lo conhecido. De voltar a sentir a emoção de vê-lo inteiro, expressivo, exposto, escancarado ao contar a sua vida, ao mostrar como é possível tratar as palavras de forma tão diferente só com a mudança de timbre, de intenção. Tal qual aquela vez em que ele provou por A + B que podíamos dizer “nuvem” com leveza e alegria como também com pesar, bastando para isso imaginar que essa impediria uma ida à praia. Ou a tantas outras em que, acrescentando um “detalhe”, ele fazia crescer, impactar a ação de um ator e foram tantos aprendizes que hoje estão por aí...  
Bem, mas tudo isso pode ser muito pessoal e não convencer ninguém de que Randevú merece ser visto.  Mas isso só para quem acha que Fernando Pessoa não tem nada a nos dizer, quem não se interessa por poesia, por música, por reviver tudo o que nos faz sonhar. Para esses não há encontro possível. Zé Adão leva para o palco o que ele é, o que ele sabe, o que ele não sabe, com a delicadeza e a firmeza que passou pela mão de Patrícia Fagundes e que enfrentou as dúvidas, as certezas, as inseguranças desse artista, a quem eu só posso agradecer pelo resultado, não só do trabalho mas pelo que sinto ela fez pela sua alma.
Minha vida se divide entre antes e depois de cruzar com Zé Adão Barbosa no meu caminho. Permitiu-me resgatar todas as coisas que sempre tiveram valor para mim, provocou uma descoberta da minha essência.  Depois do Zé, fiquei ousada, corajosa, sedenta. Dei destino a minha sensibilidade que, até então, tanto me atrapalhara. Assim, nada melhor do que voltar a ver agora esse homem em cena. Esse que considero meu amigo. Amizade que deixava meu pai, cuja relação fora sempre tão difícil comigo, orgulhoso. Que também impressionara minha mãe, meus sobrinhos (que também foram seus alunos), meu irmão (que já sei foi), ou seja, minha família. Que passou a ser para ele: os Mello, sempre tratados com a delicadeza que ele teve ao entregar a rosa do final do espetáculo para a minha mãe.  Esse é o meu eterno professor, o homem que mudou a minha vida e que, em cena, provocou emoções que só podiam me levar às lágrimas. 

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